Aprovação do novo arcabouço fiscal e seu impacto nas expectativas de inflação são apontados como chave por economistas e analistas de mercado

Expectativas de inflação, nova regra fiscal para equilibrar contas públicas, saúde financeira dos bancos, câmbio, cotação das commodities, política de expansão de crédito do BNDES, política monetária nos EUA, situação econômica global. Afinal, quais são os fatores que podem fazer o Banco Central (BC) do Brasil começar a baixar a taxa básica de juros, a Selic?

Ontem, o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC decidiu manter os juros em 13,75% ao ano pela sexta vez consecutiva. O atual patamar é o mais alto desde novembro de 2016, quando a taxa estava em 14% ao ano. O Banco Central voltou a falar em "paciência e serenidade" na condução da política monetária, mesma expressão que usou no comunicado da decisão de março.

Economistas e analistas de mercado ouvidos pelo GLOBO identificam tom mais ameno em relação aos comunicados passados como uma sinalização positiva em relação à proposta de nova regra fiscal apresentada pelo Ministério da Fazenda. E apontam o que está no horizonte dos diretores do BC para que possam cogitar baixar os juros.

'Não há espaço para cortar os juros em junho'

Para Luciano Rostagno, estrategista do banco Mizuho, o BC vai observar o que vai ser aprovado do arcabouço fiscal (cuja proposta para substituir o teto de gastos foi entregue pelo presidente Lula ao Congresso) e se haverá impacto nas expectativas de inflação. A decisão do BC levou em consideração principalmente a piora das expectativas de inflação para este ano, de 6%, e para 2024, de 4,18%, segundo o boletim Focus, que reúne a média das projeções do mercado.

— O BC sinalizou que não há espaço para cortar os juros em junho. E a aprovação do arcabouço é importante, embora não seja garantia de queda de juros — diz Rostagno.

Segundo ele, se o Conselho Monetário Nacional (CMN) mudar a meta de inflação em junho, o BC deverá acompanhar como isso vai impactar as projeções para a inflação. A meta para 2023 é 3,25% e para 2024, de 3%. Se as metas subirem, o BC pode ter algum espaço para reduzir juros, mas ele observa que isso não é mecânico, ou seja, se a meta subir não significa que os juros caem automaticamente.

'Aprovação do arcabouço não é garantia de queda de juros'

O economista-chefe da Austin Rating, agência de classificação de risco, Alex Agostini, afirma que a decisão seguiu critérios técnicos diante das perspectivas de alta da inflação e de continuidade da expansão dos gastos públicos.

Agostini diz que o BC não sinalizou qualquer movimento para a próxima reunião, mas avalia que se o Conselho Monetário Nacional (CMN) elevar a meta de inflação para este ano e para 2024, há chance de uma queda de juros de até 0,5 ponto percentual na reunião de junho. Mas, se a meta não mudar, uma possível queda só aconteceria em agosto.


— O BC sinalizou que a aprovação do arcabouço não significa queda de inflação, e que não é garantia de queda de juros. Mas se a meta de inflação for elevada para 4% este ano, com intervalo de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo, acredito que há espaço para redução de juros de até 0,5 ponto percentual em junho — diz Agostini.

Na estimativa do grupo de economistas da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), a Selic deve encerrar o ano a 12,50% ante uma projeção anterior de 12,75%. Os economistas da instituição preveem o início do ciclo de queda dos juros para setembro diante da recente melhora gradual da inflação. Há consenso no grupo de que o BC não reduzirá os juros antes da reunião do CMN em junho.

Primeiro no ranking e 'dúvidas na ancoragem'

Com a manutenção da Selic em 13,75%, o Brasil manteve o primeiro lugar do ranking com os maiores juros reais entre 40 países pesquisados pela Infinity Asset Mangement. O país tem taxa real de 6,82%, ficando à frente de México (6,13%), Colômbia (5,13%), Chile (4,89%) e Filipinas (2,62%0, respectivamente os cinco primeiro do ranking. 

Nos EUA, mesmo com a elevação de 0,25% dos juros promovida nesta quarta pelo Federal Reserve (Fed), o banco central americano, o juro real é de 0,08%, deixando a maior economia do mundo na 16ª colocação do ranking.

— O Brasil ainda registra dúvidas na ancoragem das expectativas de inflação e ausência de um arcabouço fiscal aprovado e crível — diz Jason Vieira, economista-chefe da Infinity, lembrando que mesmo com uma queda de 0,25 ponto percentual o país manteria a primeira colocação.

Copom persistirá 'até ancoragem das expectativas'

Para o economista-chefe da XP, Caio Megale, o Copom reforçou que persistirá “até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas”. Na visão dele, o comunicado reiterou que “não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso o processo de desinflação não transcorra como esperado”, embora tenha acrescentado que este seja “um cenário menos provável”.

— Enxergamos um comunicado consistente com um cenário de Selic estável para os próximos meses, pelo menos — afirmou.

Para ele, à medida que a inflação global desacelera e a demanda doméstica perde força, o Copom inicia um ciclo de flexibilização gradual no segundo semestre. O economista prevê um corte de 0,25 pp na reunião de agosto, seguido de sucessivos cortes de 0,50 pp até a Selic atingir 11,00% no primeiro semestre de 2024. Para Megale, as metas de inflação mudarão a partir de 2024, e o Copom alongará seu horizonte de política monetária para o atingimento da meta.

'Foco da política monetária é 2024'

Para Silvio Campos Neto, sócio da consultoria Tendências, apesar da recente desaceleração dos preços, as projeções de inflação para 2024 ainda indicam um não cumprimento da meta por parte do governo.

— O foco da política monetária é 2024 e mesmo as projeções do Banco Central são acima do centro da meta, estão em 3,6% para 2024. Boa parte do mercado contempla ainda uma mudança da meta ao longo das próximas semanas, em junho, quando o Conselho Monetário deve se reunir para deliberar sobre o assunto. Por isso, a tendência é de espera — afirma.

O analista ressalta que, embora haja “pressão e ansiedade” por parte do empresariado e do governo para que haja uma redução da Selic, o cenário fiscal do país “inspira alguma preocupação”. O posicionamento conservador do BC faz sentido, defende Silvio Campos Neto. A projeção da Tendências é de que o corte de juros comece em agosto e a Selic chegue a 12,5% em dezembro. A consultoria projeta ainda uma elevação da meta de inflação em junho, de 3% para 4%, e estima a inflação em 4,4% no ano que vem.

— Uma alta da meta pode não se traduzir em queda de juros, vai depender da mudança nas expectativas do mercado em relação à inflação. Se o arcabouço fiscal aprovado der a impressão de evitar quadro de descontrole fiscal, abre esse espaço. Se mudar para pior, as expectativas de inflação podem migrar em direção ao teto da meta, para 5,5%. Aí mudar a meta seria pior do que mantê-la.

BC 'quer ver estabilização da dívida'

Para o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, ainda há incerteza quanto à durabilidade da atual desaceleração da inflação. Ele também ressalta que a nova regra fiscal é fraca e “mal desenhada”, o que aumenta o risco de descontrole fiscal e turbina expectativas de alta inflacionária.

— O BC ressalta na minuta da reunião que quer ver um programa de estabilização da dívida. O superávit primário para o ano que vem deveria ser de 2,5% do PIB para vermos isso, mas as contas do governo estimam chegar a isso em 2026 e com parâmetros que estão fora da realidade, não são factíveis — afirma Vale.

A autoridade monetária deve esperar o Congresso apresentar uma contraproposta à regra fiscal antes de iniciar quaisquer cortes da Selic, avalia o economista.

— Além disso, a possível revisão da meta de inflação, em junho, para cima seria ruim. Se mudar a meta para 4%, entendo que o mercado quase que imediatamente vai mudar a expectativa de inflação de 2024 para 5%, e com isso a possibilidade de o BC subir ainda mais os juros talvez se concretize — ressalta.

O economista afirma, ainda, que avanços quanto à discussão de uma reforma tributária poderiam estimular cortes de juros. A estimativa da MB Associados é que o corte comece em setembro e que a Selic termine 2023 em 12,25%. A projeção de inflação para 2024 é de 4%.


Fonte: O GLOBO