Pesquisa encomendada pela Abramge reforça a falta de informação ao consumidor sobre o setor. Guia dá orientações

Grazielli Fraga, de 19 anos, veio de São Paulo para o Rio em 2022, para estudar na UFRJ, e desde que descobriu que seu plano de saúde não opera na capital fluminense procura uma operadora para migrar. Além da dificuldade de achar um plano individual que caiba no bolso da família, a maior preocupação é ter que cumprir carência.

— O problema é a carência, meus pais e eu ficamos preocupados. E se eu tiver uma emergência? — pondera Grazielli, que desconhecia a possibilidade de se transferir para outro plano já com todas as coberturas válidas, pela chamada portabilidade.

A falta de conhecimento dos consumidores sobre planos de saúde levou a Abramge, associação que representa as empresas do setor, a criar o Movimento Todos Por Todos com Muita Saúde, a fim de informar, de forma clara, como funciona a saúde suplementar.

Para ajudar o consumidor a escolher seu plano de saúde e entender seu contrato, O GLOBO organizou um guia com orientações de Abramge, da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), com as principais questões a serem avaliadas. Clique aqui e confira o tira dúvidas.

Informar para aliar

Em pesquisa feita pelo Datafolha, encomendada pela entidade, com 1.599 pessoas em todo o país, 49% não tinham ideia, por exemplo, de como funciona o financiamento do plano de saúde.

— Havia quem achasse que o dinheiro pago todo mês iria para um fundo que seria usado quando precisasse. Mas um dia de internação pode custar mais do que a mensalidade. 

É um desafio comunicar o que é o mutualismo, mas precisamos traduzir para que as pessoas entendam que o plano é um fundo coletivo, no qual a despesa é rateada por todos que fazem parte daquele contrato— diz Renato Casarotti, presidente da Abramge.

Num momento de crise como vive o setor, que acumula de janeiro a setembro do ano passado um prejuízo operacional de R$ 10,9 bilhões, o entendimento é que informar o usuário pode ser uma forma de torná-lo aliado para melhor uso do plano e até fiscalizar as tentativas de fraudes que se multiplicam no mercado.

Marina Paulelli, advogada do programa de Saúde do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), diz que, de fato, para o consumidor é desafiador entender os contratos de plano de saúde:

— Há uma vulnerabilidade técnica e informacional do consumidor. E as empresas precisam avançar na forma de informar e na transparência. Muitos consumidores que estão em planos coletivos, sequer têm acesso à minuta do contrato. No Idec, esse é o setor mais reclamado, a maioria se queixa de reajuste, não sabe como é calculado.

Busca por economia

As dúvidas mais frequentes enviadas à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) são sobre as coberturas oferecidas pelas operadoras, os atendimentos obrigatórios, a área geográfica, o pagamento de coparticipação e a franquia.

No ano passado, foram feitas mais de 330 mil consultas sobre portabilidade no portal da ANS. A maior parte (39%) dizia respeito à busca de um plano mais barato para migrar.

Em processo de mudança de emprego, o programador Benedito Silva Junior, de 24 anos, do Mato Grosso, procura um plano de saúde para a família. Mas a missão é mais desafiadora do que ele esperava:

— Já tentei entrar em contato com várias empresas, mas o tempo de retorno é gigante. Esperava que fosse um processo mais automatizado. Tem sido uma experiência muito ruim. Como pessoa física é quase impossível. Estou pensando em tentar um plano empresarial — conta Silva Junior, que admite não saber as diferenças entre contratos coletivos e individuais.

Para ajudá-lo a escolher seu plano de saúde e entender seu contrato, O GLOBO organizou um guia com orientações de Abramge, Agência Nacional de Saúde (ANS) e Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), com as principais questões a serem avaliadas. Confira:

Quais os tipos de contratos de planos de saúde?

Há duas grandes modalidades de planos de saúde: os individuais ou familiares, e os coletivos, que podem ser empresariais ou por adesão.

Os planos individuais são aqueles contratados diretamente pelo consumidor com a operadora. Este é o tipo que oferece maior proteção ao consumidor, pois seu reajuste anual é limitado pela ANS e não pode haver rescisão unilateral pela operadora, exceto em caso de fraude cometida pelo usuário ou de inadimplência.

Os planos coletivos por adesão são contratados por pessoa jurídica de caráter profissional, classista ou setorial (associação ou sindicato do qual o consumidor faz parte). Apesar de terem mensalidades inicialmente menores dos que os individuais, são os que costumam ter os maiores reajustes. Antes de contratar, peça o histórico de reajuste à empresa.

Os planos coletivos empresariais são aqueles contratados por uma empresa que oferece o benefício a seus empregados. Eles representam 80% do mercado.

Como escolher o melhor plano para o meu perfil?

É importante que o consumidor avalie suas necessidades para escolher o plano mais adequado ao seu perfil. Alguns critérios devem ser observados:
  • Tipos de cobertura: Há planos exclusivamente ambulatoriais, que cobrem exames, consultas e terapias, mas o atendimento hospitalar é apenas de emergência e limitado a 24 horas. Há os planos hospitalares com ou sem obstetrícia, que oferecem apenas internações com ou sem parto. Há também o de referência, que cobre consultas, exames, terapias, internação e parto. Há ainda planos que incluem atendimento odontológico e os exclusivos para tratamento dentário.
  • Área geográfica de abrangência: Há contratos com cobertura nacional, estadual, grupo de estados, municipal ou grupo de municípios. E ainda os que têm cobertura regional, mas permitem atendimento de emergência no território nacional.
  • Padrão de acomodação: Pode-se contratar quarto individual ou enfermaria.
  • Coparticipação e franquia: Há contratos que têm previsão de coparticipação, ou seja, além da mensalidade, o consumidor paga um percentual por cada procedimento realizado. O valor mensal costuma ser menor, mas é preciso estar ciente das cobranças extras pelo uso. Há também planos com franquia, nos quais o consumidor se responsabiliza pelos custos até um determinado valor, a partir do qual o pagamento passa a ser feito pela operadora.
  • Rede prestadora de serviços: Há contratos com livre escolha, nos quais o consumidor decide quem vai realizar o procedimento e pede reembolso em valores predeterminados por contrato. A maioria das operadoras, no entanto, tem rede credenciada de hospitais, laboratórios e profissionais, na qual garante a cobertura. Há ainda operadoras que têm hospitais, clínicas para atendimento ambulatorial e laboratórios próprios, os chamados planos verticalizados.
Como é calculado o reajuste anual?

O contrato deve informar com clareza os critérios de reajuste. Mas, de forma geral, este é calculado a partir da variação nos custos ocasionada por fatores como inflação, uso de novas tecnologias e a própria utilização do plano pelos consumidores que compõem o contrato.

No caso dos planos individuais, a taxa máxima de aumento anual é limitada pela ANS.

Nos coletivos, há uma livre negociação entre contratantes e operadoras, o que pode levar a índices muito maiores do que o determinado pela ANS. Os contratos de adesão, tradicionalmente, concentram os maiores percentuais de reajuste.

E o reajuste por faixa etária, quando acontece?

O reajuste por mudança de faixa etária ocorre de acordo com a variação da idade do consumidor. Há dez faixas previstas: até 18 anos; de 19 a 23 anos; de 24 a 28 anos; de 29 a 33 anos; de 34 a 38 anos; de 39 a 43 anos; de 44 a 48 anos; de 49 a 53 anos; de 54 a 58 anos; e 59 anos ou mais.

A ANS determina que a a diferença de valor entre a mensalidade da primeira e da última faixa etária não pode ultrapassar 500%. A norma da agência também estipula que as últimas cinco faixas não podem acumular uma variação maior do que a das cinco primeiras, a fim de evitar que o peso maior do reajuste se concentre nas faixas de maior idade, o que acabaria por levar esses consumidores a deixarem o plano.

O que é carência? E quando esta é aplicável?

A carência é o período que o consumidor deve esperar para ter acesso a alguns procedimentos previstos nos planos de saúde. Os prazos máximos são: 24 horas para casos de urgência ou emergência; dez meses para parto; seis meses para os procedimentos gerais (consultas, exames e internações hospitalares); 24 meses para procedimentos relacionados a doenças ou lesões preexistentes.

A carência é aplicada em planos individuais/familiares, coletivos empresariais com até 29 beneficiários e de adesão. Para planos coletivos empresariais com 30 ou mais beneficiários, pode haver isenção de carência.

Sempre que trocar de plano terei de cumprir o prazo de carência?

Não é preciso cumprir carência a cada troca de plano. Isso é possível através de um instrumento chamado portabilidade, que permite trocar operadora sem a necessidade de cumprir novos períodos de carência e de cobertura parcial temporária para doenças ou lesões preexistentes.

Para realizar a troca de um plano de saúde, é importante observar as regras estabelecidas pela ANS. Os planos devem ser compatíveis (pode-se verificar em https://www.ans.gov.br/gpw-beneficiario/). Também é necessário que o consumidor esteja vinculado ao plano atual há pelo menos dois anos, ele não pode estar inadimplente e o contrato precisa estar ativo.

Além disso, as operadoras têm como política comercial avaliar o tempo de permanência do beneficiário em outro plano e as características daquele produto. Se essa análise indicar boas práticas de uso, a empresa pode dispensar o prazo de carência.

Esse período é demonstrado por meio de um documento conhecido como carta de permanência. Nesses casos, o beneficiário poderá utilizar todos os serviços do plano de saúde contratado, sem ter que esperar.

Posso trocar por um plano mais barato na mesma operadora? Nesse caso, há carência?

Sim, isso é possível, e nesse caso não há necessidade de cumprimento de carência. No entanto, é preciso ter ao menos um ano de contrato no plano anterior.

Meu médico saiu do plano, o que fazer?

Não há regras específicas sobre descredenciamento de profissionais nos planos, apenas sobre prestadores como hospitais e laboratórios, havendo regras para substituição. No entanto, caso considere que está havendo uma descaracterização do plano, é importante reclamar à ANS: isso pode ser encarado como quebra de contrato e levar à portabilidade.

Como saber se um exame ou medicamento é coberto pelo plano?

A ANS estabelece uma lista de coberturas obrigatórias para os planos de saúde. No entanto, no ano passado ficou consolidado que procedimentos fora desse rol podem vir a ser cobertos, desde que cumpram critérios como comprovação científica de eficácia ou registro em órgão regulador no Brasil ou em outro país.

Não paguei o plano este mês. O benefício pode ser cortado?

No caso dos planos individuais, o cancelamento do contrato pode ser feito se forem somados 60 dias de inadimplência, consecutivos ou não, em 12 meses. O consumidor, no entanto, deve ser expressamente avisado, até o 50º dia de inadimplência, sobre a possibilidade de cancelamento do plano.

No caso dos contratos coletivos, é preciso verificar o que está previsto em contrato. De toda forma, o consumidor precisa ser avisado antes do cancelamento.

Minha mensalidade paga apenas o uso do plano? Se não faço uso, os recursos se tornam uma poupança?

Os planos de saúde funcionam em um sistema chamado mutualismo. Na prática, as mensalidades de todos os usuários daquele contrato são usadas para custear a utilização dos procedimentos pelo grupo. Não funciona como uma caderneta de poupança ou como qualquer outro mecanismo financeiro em que os valores são reservados para uma eventualidade futura.

É só pensar que um dia de internação ou uma cirurgia complexa, por exemplo, pode custar mais do que um ano de mensalidade.

O valor de reembolso é menos da metade do que o pago pela consulta. Posso fracionar o recibo?

Não, o fracionamento do recibo é fraude e pode levar ao cancelamento do plano. Nos planos empresariais, ainda pode levar à demissão por justa causa.


Fonte: O GLOBO