Equipe econômica trabalha com projeções de arrecadação que se apoiam em dividendos da Petrobras, acordo com concessionárias de ferrovia e julgamentos de litígios tributários para chegar a déficit zero neste ano

O governo tem se apoiado em receitas que ainda são incertas para fechar as contas deste ano, na avaliação de especialistas que acompanham a política fiscal. Além de manter as esperanças sobre a entrada de recursos relacionados aos julgamentos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf, o “tribunal da Receita”, que analisa contestações tributárias), ainda pouco expressivos, e futuros acordos sobre a renovação de concessões de ferrovias, a equipe econômica inovou ao já considerar que a Petrobras vai repartir a integralidade dos dividendos extraordinários deste ano — tema sobre o qual ainda não há decisão.

Por isso, há ceticismo entre analistas do mercado sobre a capacidade do governo de entregar a meta zero deste ano, mesmo considerando a margem de tolerância de déficit de R$ 28,8 bilhões (0,25% do Produto Interno Bruto). Atualmente, a projeção da equipe econômica é de um rombo de R$ 14,5 bilhões (0,1% do PIB).

No Ministério da Fazenda, porém, o argumento é que a evolução do cenário mostra que a incerteza em relação às receitas diminuiu bastante desde o início do ano e que é crível o cumprimento da meta.

Até agora, a Petrobras só autorizou a distribuição de 50% dos dividendos extraordinários referentes ao lucro de 2023, o equivalente a R$ 21,5 bilhões, dos quais o governo teve direito a cerca de R$ 6 bilhões. Mas a atualização do Orçamento realizada no 2º relatório bimestral de avaliação de receitas e despesas já contabiliza R$ 13 bilhões.

Estimativas — Foto: Criação O Globo

Custo político


A projeção do governo considera o comunicado da petroleira, que prometeu reavaliar a distribuição do restante ao longo do ano. O tema, contudo, gerou conflitos entre o Palácio do Planalto e o ex-presidente da estatal Jean Paul Prates, demitido este mês. Ele foi substituído por Magda Chambriard, escolhida por ser um nome mais alinhado ao presidente Lula.

Para o ex-secretário do Tesouro Nacional e economista da ASA Investments, Jeferson Bittencourt, a equipe econômica inova ao considerar o recebimento integral dos dividendos antes da decisão final da Petrobras. Mas eleva o custo político de o Conselho de Administração, no qual o governo é maioria, optar pela retenção.

— Se, eventualmente, a ala política fizer um esforço para reter (os dividendos), pode causar um contingenciamento do orçamento dos ministérios da própria ala política — diz Bittencourt.

Outros especialistas em contas públicas citam ainda como incertas as estimativas elevadas para a arrecadação com os julgamentos do Carf e com as transações tributárias, assim como com concessões de ferrovias.

Em relação aos tributos, o governo manteve a expectativa de levantar R$ 55,7 bilhões com o Carf e R$ 43,2 bilhões com as transações tributárias este ano. Até o fim de abril, contudo, só foram obtidos cerca de R$ 6 bilhões e R$ 13 bilhões, respectivamente.

— As linhas de receita que seriam afetadas pelo Carf não tiveram qualquer mudança relevante até o momento. Então, se houve alguma arrecadação, foi muito pequena — destaca o economista Tiago Sbardelotto, da XP Investimentos.

Já as receitas com as concessões de ferrovias dependem de um acordo ainda em negociação entre o Ministério dos Transportes e as concessionárias. Vale, MRS e Rumo conseguiram a renovação antecipada do contrato no governo de Jair Bolsonaro, mas pagaram barato, na avaliação da pasta comandada por Renan Filho.

Agora, com base em dispositivos dos contratos, o governo tenta reaver parte das outorgas, em uma negociação que envolve o Tribunal de Contas da União (TCU). Mas apenas o acórdão da Rumo foi publicado, com a previsão de pagamento de cerca de R$ 700 milhões em quatro anos.

— A peça (o relatório bimestral) continua carente de realismo fiscal, e receitas como a de concessões, principalmente por repactuação das ferrovias (Vale e MRS), estão superestimadas — avalia o economista Gabriel Leal de Barros, ex-diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI).

Mas, devido à incerteza sobre a entrada dos recursos em 2024, a previsão do governo com a repactuação de contratos de ferrovias já vem caindo. Na lei orçamentária anual, era de R$ 34 bilhões. Caiu à metade no relatório de março e chegou a cerca de R$ 10 bilhões na última avaliação.

Arrecadação recorde

Diante disso, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, afirma que a equipe econômica foi conservadora e que há conforto para atingir as previsões de receitas não administradas, rubrica que inclui royalties, dividendos e concessões.

Ele também argumenta que o resultado recorde da arrecadação de tributos no primeiro quadrimestre aponta que a expectativa do governo está correta. Dessa forma, admite, a dúvida fica basicamente restrita à arrecadação com Carf e transações tributárias.

— Diminuímos muito o espectro das incertezas, (com a projeção de déficit primário) dentro da banda ainda. Acho que estamos em um cenário bem melhor do que estávamos no início do ano — diz Ceron. — Dá até para o mercado ficar em dúvida, mas não dá para dizer que é impossível (cumprir a meta).


Fonte: O GLOBO