Militares são suspeitos de terem atuado em organização criminosa que arquitetou uma ruptura para evitar a posse do presidente Lula; Exército diz que colabora com as investigações

A Polícia Federal ouve, nesta quinta-feira (22), quatro generais do Exército por suspeita de terem integrado uma organização criminosa que atuou na tentativa de arquitetar um golpe de Estado com o objetivo de evitar a posse do então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A polícia vai ouvir os ex-ministros Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Walter Braga Netto (Defesa e Casa Civil), Paulo Sérgio Nogueira (Defesa) e Mário Fernandes (Secretaria-Geral da Presidência da República), que integraram o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Depois que as investigações vieram à tona, Braga Netto afirmou que o caso trata de uma "invenção" e "perseguição" contra aliados de Bolsonaro. A defesa de Paulo Sérgio afirmou que o ex-ministro "sempre agiu corretamente, é inocente e confia na Justiça". Os outros oficiais ainda não se manifestaram. O Exército, por sua vez, diz que colabora com as investigações.

No caso de Braga Netto, que foi candidato a vice na chapa de Bolsonaro na eleição de 2022, o relatório da PF que embasou a última operação mostra que ele estimulou ataques pelas redes sociais e aplicativos de mensagens a integrantes da cúpula das Forças Armadas que resistiam às investidas do grupo para que aderissem ao plano golpista. Um deles foi o general Freire Gomes, então comandante do Exército. Em conversa com Ailton Barros, outro alvo da operação, Braga Netto se refere ao general como “cagão”. “Oferece a cabeça dele”, escreveu.

Ailton Barros é um ex-militar que foi candidato a deputado estadual pelo PL, partido de Bolsonaro. Em outro momento, Braga Netto critica o ex-comandante da Força Aérea Brasileira, o tenente-brigadeiro Baptista Júnior. “Senta o pau no Batista Júnior (...) Inferniza a vida dele e da família”, escreveu o general.

Na investigação, a PF destacou uma reunião ministerial de julho de 2022 na qual Bolsonaro instigou uma ação antes das eleições. O vídeo da reunião foi apreendido pela polícia com o ex-ajudante de ordens Mauro Cid, que firmou um acordo de delação premiada. No encontro, Augusto Heleno disse que se "tiver que virar a mesa é antes das eleições" e que seria necessário agir "contra determinadas instituições e contra determinadas pessoas".

O general disse, ainda, que havia conversado com o então diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Victor Carneiro, para "infiltrar agentes nas campanhas eleitorais”.

"Linha de contato"

O ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira também deve ser ouvido sobre o teor da reunião ministerial. Na ocasião, ele afirmou que a pasta estava na "linha de contato com o inimigo" ao participar da comissão eleitoral do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A participação dos militares na comissão ocorreu a convite do então presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, com o intuito de dar mais transparência ao processo e de evitar questionamentos por parte do ex-presidente Bolsonaro e do seu entorno.

A investigação aponta que o grupo atuava no sentido de tirar credibilidade do sistema eleitoral ao mesmo tempo em que buscava apoio de militares para impedir que o então presidente eleito tomasse posse. Mensagens apreendidas pela PF mostram que os investigados buscaram provas de fraudes do sistema eleitoral, mas, mesmo sem êxito, insistiam na desinformação.

Mário Fernandes também estava na reunião ministerial, e teve uma fala contundente incentivando uma ação antes das eleições.

— Daqui a pouco nós estamos nas vésperas do primeiro turno. E aí, a própria pressão internacional, a liberdade de ação do senhor e do governo vai ser bem menor. (...) No momento que isso acontecer é 64 de novo? É uma junta de governo? É um governo militar? É um atraso de tudo que se avançou no país? (...) Tem que ser antes, como nós queremos. Dentro de um estado de normalidade. É muito melhor assumir um pequeno risco de conturbar o país para que aconteça antes do que assumir um risco muito maior de conturbação no "the day after [o dia seguinte]” — afirmou.


Fonte: O GLOBO