Americano de 91 anos, que chegou ao ponto mais fundo do oceano, afirma que OceanGate negligenciou regras de projeto, construção, operação e manutenção

Um dos principais nomes da história da exploração submarina, o oceanógrafo e militar americano Don Walsh fez duras críticas à OceanGate, fabricante do Titan, submersível que implodiu durante uma expedição ao Titanic. 

Walsh é um dos signatários da carta escrita pela Sociedade de Tecnologia Marinha (MTS) que em 2018 já apontava erros da empresa. Ao GLOBO, o oceanógrafo revela que a fibra de carbono pode ser causa de implosão: "Em quase seis décadas de desenvolvimento de submarinos tripulados, apenas um submarino foi construído com esse material".

O especialista reafirmou a falta de comprometimento da OceanGate com parâmetros internacionais de segurança, entre outras falhas. Para ele, a companhia pecou ao oferecer um passeio que deveria ser experimental a passageiros.

Capitão da Marinha dos Estados Unidos, Don Walsh, 91 anos, foi uma das primeiras pessoas a chegar ao ponto mais profundo do oceano, a Depressão Challenger, nas Fossas Marianas, quase 11 mil metros abaixo da superfície. Em 1960, acompanhado do suíço Jacques Picard, ele desceu até o fundo do mar no submarino Trieste. Desde 1976, Walsh trabalha na consultoria International Maritime Incorporated, fundada por ele para pesquisas oceanográficas.

Pelo que sabemos até o momento sobre a implosão do Titan, o que deu errado com o submersível?

Houve uma falha massiva no casco de pressão quando ele implodiu. Provavelmente ocorreu em menos de um segundo. A falha pode ter sido devido ao casco experimental, não testado, feito de filamentos de fibra de carbono trançados ou à grande janela única que não foi fabricada de acordo com os padrões aceitos para a profundidade máxima de operação do submarino.

Acidentes fatais com submarinos do tipo são raros?

Muito raros. Em sete décadas de operações de submarinos tripulados (não militares), apenas seis pessoas morreram. Até o Titan quase dobrar esse número com cinco mortes. E essas mortes ocorreram em um período em que esses submersíveis realizaram milhares de mergulhos e literalmente transportaram milhões de pessoas para o fundo do mar.

A OceanGate negligenciou protocolos de segurança no desenvolvimento de seus veículos? Esses protocolos podem ser alterados?

Ainda pior... Eles negligenciaram as regras de projeto, construção, operação e manutenção em serviço estabelecidas ao longo do último meio século. No entanto, as regras não são obrigatórias para desenvolvimentos experimentais. 

E isso é bom, já que sempre devemos fazer algum trabalho na “fronteira” da engenharia para avançar para o futuro. O pecado aqui foi a OceanGate colocar passageiros pagantes, membros do público, em um risco severo ao mergulhá-los em um submersível experimental.

O que os construtores e operadores de submarinos podem aprender com esse episódio?

Muito pouco, já que o Titan foi projetado e construído com pouca atenção às normas estabelecidas pela indústria. A maioria da comunidade de mergulho profundo estava preocupada com isso, mas não tínhamos autoridade para impedi-los do que estavam fazendo. 

Novamente, se a empresa estivesse apenas realizando desenvolvimento experimental, eles teriam liberdade para fazê-lo e a comunidade de mergulho profundo observaria com interesse. O principal motivo de preocupação foi levar pessoas não envolvidas em mergulhos.

A Sociedade de Tecnologia Marinha (MTS) enviou uma carta em 2018 para a OceanGate, dizendo que sua abordagem experimental poderia ter resultados negativos para toda a indústria...

Infelizmente, aos olhos do público em geral, as operações de mergulho profundo podem parecer pouco seguras agora. É por isso que nós, da MTS, enviamos aquela carta. Um acidente desse tipo prejudicaria a todos, mesmo que a maioria de nós operasse em plena conformidade com as regras.

A estrutura de fibra de carbono do Titan pode ter sido um problema?

Sim, a maior parte do casco de pressão foi construída a partir de filamentos de carbono trançados. Em quase seis décadas de desenvolvimento de submarinos tripulados, apenas um submarino foi construído com esse material. Foi em 1978 e projetado para operações em profundidades relativamente rasas. O problema foi que os testes mostraram que os “modos de falha” (maneiras pelas quais o equipamento pode quebrar) eram difíceis de determinar, ao contrário das estruturas convencionais de metal.

É seguro realizar mergulhos profundos com turistas?

É muito seguro! A empresa canadense Atlantis Submarines operou 14 submarinos turísticos que, desde 1985, levaram milhões de passageiros pagantes ao fundo do mar em locais como Havaí e Caribe. Não houve fatalidades ou ferimentos graves (os mergulhos mais profundos da Atlantis são feitos até 30 metros. O Titan tinha como destino o Titanic, 3, 8 mil metros abaixo da superfície)

Você desceu muito mais do que o Titan ao viajar para o Challengers Deep. Meio século depois, o que mudou em relação à tecnologia?

Na minha opinião, foram avanços na ciência dos materiais. Materiais mais leves, mas mais fortes, foram desenvolvidos para estruturas, bem como para fornecer flutuabilidade. Além disso, os avanços na tecnologia eletrônica e de bateria permitiram recursos submersos melhores, mais produtivos e de maior duração.

O que pode ser feito para evitar outro episódio similar? Protocolos mais rigorosos? Mais vigilância governamental?

Nem um nem outro. A OceanGate não seguiu nenhum dos padrões estabelecidos, desenvolvidos ao longo de 50 anos de experiência, para o projeto, construção, operação e manutenção de submarinos tripulados. Em outras palavras, havia regulamentação suficiente em vigor para tornar essa operação muito mais segura. 

Eles optaram por ignorá-las. Não há muito que possa ser feito a respeito, a não ser que as seguradoras se recusem a segurar suas operações. Poderia haver uma sanção econômica, pois eles ainda poderiam operar sem seguro se houvesse pessoas dispostas a pagar para fazer mergulhos. Eu não tenho conhecimento pessoal sobre a situação real do seguro deles.


Fonte: O GLOBO