Especialistas afirmam que mesmo crianças pequenas podem dar sinais de que as coisas não vão bem na sala de aula; veja como reconhecê-los

As denúncias sobre maus-tratos a alunos da escola Pequiá, na Zona Sul de São Paulo, reveladas por uma professora que gravou os episódios de violência psicológica a que as crianças eram submetidas, chocaram mães e pais das crianças, que dizem nunca ter desconfiado de nada. Os donos da escola foram detidos na última terça-feira e negam as situações vexatórias, humilhantes e até de tortura.

A identificação de casos do tipo não é simples, principalmente em crianças pequenas, que ainda estão aprendendo a verbalizar. E menos ainda em situações como a da escola paulista, em que os donos ameaçariam os alunos com castigos caso relatassem algo em casa, segundo contaram algumas mães.

Mas as crianças podem dar alguns sinais de alerta a mães e pais do que vivem na escola. Confira abaixo as recomendações de especialistas ouvidas pelo GLOBO que podem ajudar as famílias a descobrirem se seus filhos passam por situações de maus-tratos na escola:

Atenção ao comportamento da criança

Por mais que crianças pequenas ainda não consigam verbalizar muita coisa e descrever exatamente o que acontece, elas dão pistas de quando algo não vai bem na escola.

— É preciso estar atento aos comportamentos. Por exemplo, se a criança chora toda vez antes de sair para a escola, se ela chega na porta e não quer ir com determinada professora, demonstrando haver algo mais do que só não querer desgrudar da mãe ou do pai — enumera a psicóloga Talita Lahr, do programa de pós-graduação em Educação Escolar da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Quanto menor a criança, mais importante é a observação das ações dela, do que a criança traz da escola, como se comporta quando volta, acrescentam as especialistas.

— Criança que não se entusiasma com uma atividade da escola, um brinquedo, um trabalho, uma música, chama a atenção. Uma criança que não apresenta coisas de que gostou na escola, ou que passa por uma situação de tortura, por exemplo, não vai cantar musiquinha que aprendeu. Não vai apresentar as coisas de que gostou — diz a pesquisadora Luciene Tognetta, do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral (Unesp/Unicamp).

Converse com seus filhos


É importante distinguir que não é todo comportamento da criança de não querer ir para a escola que oculta alguma situação de violência. Manter um diálogo aberto e frequente com os filhos é fundamental.

— Às vezes a criança está indisposta por outros motivos, não quer se afastar da mãe, ou sente alguma dor, e não quer sair de casa. Mas se é algo que perdura, associado a toda vez que a criança sai para a escola, merece atenção. São alertas se ela não larga de fato a mãe, se volta da escola chorando que não quer ir mais no dia seguinte. Ficar assustada à noite, acordar sobressaltada, tudo isso pode ser indício — afirma a pesquisadora Luciene Tognetta.

As crianças também dão pistas ao falarem das "tias" da escola. A especialista sugere atenção a essas conversas: se a criança sempre diz que " a tia é brava", que briga o tempo todo, coloca de castigo, por exemplo.

As brincadeiras podem dar pistas

Não esperem que as crianças deem as respostas, sugerem as especialistas. Crianças falam mais por meio de brincadeiras do que pelo discurso direto.

— É nas brincadeiras que podem aparecer relatos e situações mais concretas — diz a psicóloga Talita Lahr. — A criança pode colocar o bichinho na cadeira, mandar ficar sentado, dar outras ordens, reproduzindo algo que pode ouvir e viver na escola. E de uma situação assim os pais podem perguntar de onde isso veio, puxar a conversa.

Brincadeiras que envolvam contar o dia, e as atividades que fizeram, também são válidas.

— Os pais podem começar falando do próprio dia, sobre o que fizeram, e passar a vez para os filhos, perguntar como foi, do que brincaram — completa a especialista.

Converse com outros pais

A pedagoga Natália Cristina Pupin Santos, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), lembra quando atendeu certa vez uma família em que a menina falava que a professora pedia sempre para sentar "na cadeirinha", como castigo.

— A mãe da menina buscou conversar com outros pais, que então relataram que os filhos contavam o mesmo. Que fizeram "feiúra" e que então iam ficar sentados "na cadeirinha" — diz ela.

Converse com a escola

Os pais podem e devem questionar a escola se desconfiam de algo. As especialistas recomendam relatar observações sobre mudanças de comportamentos dos filhos e perguntar aos educadores sobre alterações na rotina - pode inclusive estar acontecendo outra coisa que não tenha nada a ver com uma situação de violência.

Exija a relação família-escola

Escolas devem ser abertas aos pais, defendem as especialistas.

— Não existe essa coisa de não ter contato com professor. Ou só pegar criança fora da escola, isso não vale para a escola. Escola é lugar de entrar, ver o que é feito, o que acontece. Não pode esconder, isso é para desconfiar — diz a pesquisadora Luciene Tognetta.

Às vezes, lembra, alguns professores podem ter receios de que uma abertura dê espaço a problemas ou conflitos com os pais.

— Há situações que fogem dos conflitos e já são consideradas violência. A relação aberta família-escola é fundamental — diz a pedagoga Natália Santos.

Por outro lado, são bons sinais pátios de escola abertos, com brinquedos esquecidos pelo chão, e crianças brincando em espaço lúdico.

— Escolas devem ser espaços em que as crianças se sentem muito bem tratadas, que brincam muito, que querem ficar ali. São relações que precisam ser percebidas inclusive quando a criança é incapaz de falar — diz a pesquisadora Luciene Tognetta. — E os pais precisam ficar atentos: escola é lugar de bem-estar. Não é prisão.


Fonte: O GLOBO