Terra Araribóia vive escalada de violência, e este ano três pessoas foram mortas em dois ataques

Área de conflitos desde a sua criação, na década de 1980, a Terra Araribóia, origem da ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, no Maranhão, registra aumento na violência desde o ano passado. Nos dois primeiros meses deste ano, foram dois ataques. Três pessoas morreram — dois líderes indígenas e um motorista da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), casado com uma mulher da aldeia.

A TI Araribóia é berço do projeto Guardiões da Floresta, pelo qual os indígenas fazem rondas de proteção. Desde o fim de 2012, os guardiões fecharam mais de 70 vias ilegais de acesso à floresta, atraindo a ira dos madeireiros. Em 2015, um incêndio consumiu 50% do território, destruindo as roças e levando insegurança alimentar aos indígenas na área, a segunda maior reserva do Maranhão. Calcula-se que quase dez mil indígenas dos povos das etnias Tenetehara/Guajajara e Awá-Guajá habitam a TI.

Em setembro do ano passado, houve o sexto assassinato de um guardião: Janildo Oliveira Guajajara foi morto com um tiro nas costas. Levantamento do GLOBO com base nos dados do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) mostra que 23 indígenas foram assassinados nos últimos quatro anos no Maranhão (2019 a 2022), estado que abriga 22 terras indígenas e já desmatou 75% da floresta amazônica que havia em seu território. Nos últimos anos, a destruição se alastra também na faixa de transição do cerrado.

As terras indígenas formam os últimos núcleos de proteção ambiental de florestas no Maranhão. A faixa de floresta Amazônica fica espremida na divisa com o Pará e sofre pressão dos dois lados.

Há uma única área de proteção federal no Maranhão, a Reserva Biológica do Gurupi (Rebio), que já foi 30% desmatada e é constantemente invadida por criadores de gado e madeireiros. Em 2021, a Operação Rio das Onças detectou 35 hectares de desmatamento, bovinos pastando irregularmente na reserva e serraria clandestina operando no município vizinho de Buriticupu. Em 2015, foi assassinado na Rebio Raimundo Santos Rodrigues, conselheiro do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Líder em conflitos

Os conflitos e invasões de terra assombram o Maranhão, e os indígenas são as principais vítimas. Dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) mostram que o estado teve no ano passado o maior número de conflitos dentro da Amazônia Legal — foram 178 registros, seguido pelo Pará (175), Amazonas (152) e Mato Grosso (147) —, sendo que as mortes chegaram a sete. O estado sofre ainda com conflitos decorrentes do acesso à água: com 26 casos no ano passado, atrás apenas do Pará, com 51.

Na TI Araribóia vivem grupos isolados do povo Awá, o que torna mais difícil contabilizar as mortes e a violência contra eles. Um estudo feito pela ONG Greenpeace mostra que os assassinatos de indígenas no Maranhão não costumam resultar em punição: entre 2003 e 2019, foram registrados 57 homicídios, sem sentença condenatória relativa aos casos.

— A vida é difícil aqui. Quando queimamos algum material dos madeireiros dentro das nossas terras, somos incriminados e nos tratam como bandidos. Não se pode incriminar quem defende a vida, a natureza — diz Olímpio Santos Iwyramu Guajajara, um dos guardiões.

Iwyramu relata vários tipos de invasão. Há os que entraram para retirar de resina de Almesca, mais conhecida como Breu — usada como anti-inflamatório e pela indústria de cosméticos —, a sementes de cumaru, a “baunilha” da Amazônia, usada no setor alimentício. O principal, porém, sempre foi o mais fácil para os invasores: o corte de madeira nobre.

Maconha de invasores

Não restou, por exemplo, ipê ou cedro dentro da reserva, mas em 2021 a PF achou 12 mil pés de maconha e 5,5 mil mudas cultivadas dentro da TI por invasores.

— Não estamos defendendo apenas o que é nosso. É preciso parar de desmatar para amenizar a questão climática. Sozinhos não vamos conseguir — completa o guardião.

Do lado do Pará, o governo federal deu prazo até 31 de maio para saída de cerca de 1.600 não indígenas que ocupam áreas dentro da TI Alto Rio Guamá — homologada em 1993, a TI abriga 2.500 indígenas dos povos tembé, timbira e kaapor, em 42 aldeias.

Segundo o Ministério Público Federal do Pará, entre os invasores muitos praticam atividades ilícitas, como plantio de maconha e exploração ilegal de madeira. A retirada foi determinada pela Justiça Federal em 2014, mas só agora deverá ser cumprida. Se não deixarem o local voluntariamente até o fim deste mês, a desocupação será compulsória.

Soja e gado

Gilderlan Rodrigues, da regional do Cimi no Maranhão, diz que a escalada da violência acompanha os conflitos. Plantações de soja e gado têm se expandido dentro de terras em processo de demarcação, como TI Kanela-Apãnjekra e Kanela-Memortumré. Pelo menos 83 fazendas foram identificadas em três TIs.

A ministra Sonia Guajajara afirma que a situação o Maranhão preocupa, mas lembra que o problema se repete em todo o país. Segundo ela, a política de proteção aos indígenas e seus territórios está sendo traçada junto com o Ministério do Meio Ambiente. 

A TI Araribóia foi inserida entre as oito que receberão apoio da Funai este ano para retirada de invasores. As demais são as TI Yanomami, Karipuna, Uru-Eu-Wau-Wau, Kayapó, Mundurucu e Trincheira Bacajá. Novos programas deverão entrar no orçamento de 2024.

E está de volta o Conselho Nacional de Política Indigenista, com representantes de todos os estados.

— É no conselho que serão discutidas as prioridades. Temos apenas três meses de ministério. É difícil dar resposta imediata para uma demanda crônica e reprimida de muitos anos — diz ela.

Em março passado foi lançado um grupo de trabalho com o governo do Maranhão, o Ministério Público e a Justiça para garantir policiamento no entorno das terras indígenas e andamento nas investigações dos homicídios.


Fonte: O GLOBO