A data a partir da qual o país poderá começar a ficar sem dinheiro para honrar as dívidas se aproxima, e o risco de inadimplência pode desencadear um terremoto no mercado mundial

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, garantiu nesta quinta-feira que o país vai evitar um inédito calote nos investidores de títulos públicos, mesmo após os parlamentares do Congresso terem entrado em um recesso de 10 dias sem antes chegarem a um acordo sobre o aumento do limite da dívida americana. 

Agora falta apenas uma semana para 1º de junho, data a partir da qual o governo poderá começar a ficar sem dinheiro para honrar suas dívidas, o que pode desencadear um terremoto que abalará os mercados mundiais. Mas, afinal, o que tudo isso significa?

Entenda abaixo o que é o teto da dívida americana e quais áreas podem ser afetadas no caso de um calote:

O que é o teto da dívida americana?

O teto é um limite para a quantia total de dinheiro que os EUA estão autorizados a pegar emprestado para financiar o governo e cumprir suas obrigações financeiras. Como o governo federal gasta mais do que arrecada com impostos e com outras receitas, precisa pegar grandes somas de dinheiro para pagar as contas. Obrigações incluem financiamento para programas de rede de segurança social, juros sobre a dívida nacional e salários para membros das Forças Armadas.

Os EUA atingiram o limite de endividamento, de US$ 31 trilhões (R$ 153 trilhões), em 19 de janeiro. Desde então, o Tesouro — que pega dinheiro emprestado com os investidores de títulos públicos para arcar com os gastos — tem feito manobras extraordinárias para não furar o limite. E essas medidas para adiar uma inadimplência têm data para expirar: 1º de junho.

A aproximação do teto da dívida muitas vezes provoca apelos dos parlamentares para reduzir os gastos do governo — questão-chave no impasse atual entre Biden e os congressistas republicanos. 

Enquanto a Casa Branca pede que o Legislativo aceite um aumento no limite legal do endividamento, em oposição, os republicanos exigem cortes de até US$ 130 bilhões (em torno de R$ 650 bilhões) no gasto público para o próximo ano. Aumentar o limite, contudo, não autoriza nenhum novo gasto — apenas permite que os EUA gastem dinheiro em programas que já foram autorizados pelo Congresso.

Qual o impacto na economia global?

O país emissor do dólar, a moeda de maior aceitação global, nunca decretou um calote, e grande parte dos investidores tampouco acredita que essa será a primeira vez. 

No entanto, mesmo uma inadimplência técnica — um atraso no pagamentos de juros — sacudiria o mercado de Treasuries (como são conhecidos os títulos do governo americano), que tem um volume de nada menos de US$ 24 trilhões (ou R$ 118,7 trilhões) e se trata de um verdadeiro alicerce do sistema financeiro global.

Qualquer abalo nesse setor se reflete nos mercados financeiros dos outros países, sobretudo pela dependência de muitas nações do dólar emitido pelos EUA para suas transações comerciais.

Qual o impacto na moeda americana?

Seguindo o raciocínio acima, como moeda de reserva global, o dólar americano estabelece a cotação de uma grande lista de importantes commodities, como o petróleo e o trigo. 

Em um cenário de calote, o valor da moeda americana desabaria diante das principais moedas de economias desenvolvidas, o que não necessariamente representaria uma boa notícia para o mercado, e os preços tenderiam a um aumento. A queda do dólar levaria a uma série de outras consequências globais, sobretudo nas economias emergentes, como o Brasil.

Qual o impacto entre os americanos?

Em 2022, a Previdência Social, de onde saem as aposentadorias e pensões, e o Departamento de Saúde, por meio dos programas Medicaid e Medicare, representaram, juntos, cerca de US$ 2,8 trilhões de dólares (R$ 14 trilhões, na cotação da época), em um orçamento total de US$ 6,27 trilhões (R$ 32 trilhões, na cotação da época), cerca de 45% das despesas do Estado. 

Na falta de dinheiro, pode haver manobras contábeis às quais recorrer, como o atraso de pagamentos de contas e salários, que seriam reembolsados futuramente. O governo federal é o maior empregador dos EUA, com cerca de 4,2 milhões de funcionários em tempo integral.

E mais: em 2 de junho, devem ser pagos US$ 25 bilhões (R$ 125 bilhões, na cotação atual) da seguridade social. Caso o Estado americano não consiga honrar esse compromisso, aproximadamente 27 milhões de americanos cairiam para abaixo da linha da pobreza.

Qual o impacto na agenda ambiental?

Um dos principais pontos de conflito é a questão ambiental. Mesmo saindo o acordo para aumentar o teto da dívida, verbas importantes que seriam direcionadas para o setor, nos EUA e no mundo, podem ser cortadas. 

Um dos países afetados pode ser o Brasil: em abril, os EUA prometeram um aporte de ao menos US$ 500 milhões para o Fundo Amazônia. A ajuda inicial, contudo, deverá ser feita somente após aprovação pelo Congresso dos EUA, ainda sem data definida.

Qual o impacto no apoio à Ucrânia?

Os Estados Unidos lideraram a pressão por apoio internacional à Ucrânia, formando rapidamente uma coalizão internacional para apoiar Kiev após a Rússia invadir o país em fevereiro de 2022, coordenando a ajuda de dezenas de países. 

O total doado pelos EUA desde então já chega a quase US$ 40 bilhões, um gasto que muitos republicanos criticam. Sem um orçamento aprovado pelo Congresso, essa ajuda pode cessar.

Qual o impacto para turistas?

No caso de um calote, atrações que dependem de um orçamento federal, como museus e parques nacionais, podem ser afetadas com a redução de verba para pagamento de contas e salários, o que pode levar ao fechamento temporário de alguns estabelecimentos. 

Também pode haver um impacto em aeroportos, portos e outros pontos por onde entram turistas no país, com redução de trabalhadores e, consequentemente, atrasos nos atendimentos.

Como isso pode afetar as eleições americanas?

Um cenário de crise econômica no horizonte representa uma enorme pedra no sapato de Biden, pré-candidato democrata à reeleição, e a oposição sabe disso. Segundo Biden, os republicanos — em especial os apoiadores do ex-presidente Donald Trump, principal nome do partido para concorrer às eleições — estão dispostos a sabotar a economia para prejudicá-lo na corrida pela Casa Branca em 2024.

E o Brasil, fica como nessa história?

Os efeitos de um calote dos EUA seriam rapidamente sentidos no Brasil, com a desvalorização do real e, consequentemente, a queda na bolsa de valores brasileira. Com isso, haveria pressão inflacionária, uma elevação nas taxas de juros para tentar atrair investidores estrangeiros e uma esperada desaceleração da economia, resultando em um período de recessão.


Fonte: O GLOBO