'Quem abriu a porteira desta vez foi o Palácio do Planalto', afirmou grupo que reúne dezenas de entidades civis do setor

Horas depois de o Congresso impor uma série de derrotas na seara ambiental ao Planalto — que, com articulação política incipiente, se viu obrigado a avalizar as medidas em uma tentativa de minimizar danos —, o Observatório do Clima, grupo que reúne dezenas de entidades civis do setor, teceu duras críticas ao governo federal. 

O texto publicado na noite desta quinta-feira no site do órgão afirma, já na primeira frase, que "Jair Bolsonaro passou, mas a boiada ficou, e com sócios inusitados". Trata-se de uma menção a uma declaração de Ricardo Salles, titular do Meio Ambiente na gestão passada, durante uma reunião ministerial na qual o hoje deputado federal sugeriu aproveitar as atenções da sociedade voltadas à pandemia da Covid-19 para afrouxar legislações ambientais.

A nota do Observatório pontua que, ao alterar a MP que definiu a estrutura administrativa do governo, o Congresso deu ao Ministério do Meio Ambiente "quase a mesma cara" que tinha sob Bolsonaro. Com a mudança, a pasta de Marina Silva perdeu o controle da Agência Nacional de Águas e o Cadastro Ambiental Rural, que passaram aos ministérios da Integração e da Gestão, respectivamente. 

Além disso, lembra o grupo, o Ministério dos Povos Indígenas perdeu aquela que é classificada pela entidade como "sua principal tarefa", que é a demarcação de terras, novamente submetida à Justiça.

"O movimento espanta pouco num Congresso dominado pelo combo ruralistas-extrema-direita, que desde o começo do ano vem tentando fazer passar todas as boiadas que o bolsonarismo não conseguiu. O que chama atenção é que o governo Lula sequer fingiu indignação ao descobrir que não manda nem na organização dos próprios ministérios", frisa o Observatório do Clima, em tom duro. "Ao rifar a agenda socioambiental no gabinete, o governo Lula emula seu antecessor, que iniciou o desmonte do MMA justamente por retirar-lhe atribuições", prossegue o texto.

A nota lembra que, na mesma noite, a Câmara dos Deputados também incluiu na MP 1.150 um item que, segundo o órgão, "enfraquece a proteção à Mata Atlântica, como sonhara Ricardo Salles". O Observatório do Clima apela, então, para que o presidente não chancele a mudança: "Só resta a Lula vetá-los".

O texto também faz crítica a Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados. "Lira e seus homens da motosserra tocam a boiada, mas quem abriu a porteira desta vez foi o Palácio do Planalto", conclui a entidade — leia a íntegra ao fim da reportagem.

O esvaziamento do Ministério do Meio Ambiente, na contramão da proposta desenhada por Lula assim que assumiu, foi levado adiante após um acordo costurado pela liderança do governo no Congresso. Já a criação do marco temporal para as terras indígenas, que também afronta posicionamentos históricos do presidente e aliados, foi aprovado na Câmara sem que governistas marcassem posição contra.

Na mesma toada, deputados flexibilizaram o Código Florestal, criando regras que podem contribuir para o desmatamento de áreas protegidas. O governo orientou a bancada a votar a favor das regras mais brandas — ou seja, fez um gesto à frente ruralista e isolou a ala ambientalista.

Como a Medida Provisória é válida só até 1º de junho, havia risco de que mais atrasos fizessem a norma perder o efeito, obrigando a retomada de toda a estrutura deixada por Bolsonaro. O ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) e o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), se reuniram em momentos diferentes com o relator, deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL), e entraram em acordo sobre o texto. Na prática, cederam nos tópicos que atingiram Marina. Randolfe classificou o resultado como uma “vitória expressiva”.

Veja a íntegra da nota divulgada pelo Observatório do Clima

"Jair Bolsonaro passou, mas a boiada ficou, e com sócios inusitados. Nesta quarta-feira (24), uma comissão mista do Congresso aprovou por 15 votos a 3 o relatório do deputado Isnaldo Bulhões Jr. (MDB-AL) que desidrata os ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas. O texto altera a Medida Provisória 1.154, que definiu a estrutura administrativa do governo, dando ao MMA quase a mesma cara que tinha na gestão Bolsonaro: a pasta de Marina Silva volta a ficar sem a Agência Nacional de Águas e sem o Cadastro Ambiental Rural, que passam aos ministérios da Integração e da Gestão, respectivamente. Já o Ministério dos Povos Indígenas perde sua principal tarefa, a demarcação de terras, que volta para a Justiça.

O movimento espanta pouco num Congresso dominado pelo combo ruralistas-extrema-direita, que desde o começo do ano vem tentando fazer passar todas as boiadas que o bolsonarismo não conseguiu. O que chama atenção é que o governo Lula sequer fingiu indignação ao descobrir que não manda nem na organização dos próprios ministérios. O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, elogiou a MP na terça-feira; o PT no Senado comemorou nas redes sociais a “vitória” da aprovação na comissão, que deve ser referendada pelo plenário da Câmara já nesta quinta-feira (25).

Ao rifar a agenda socioambiental no gabinete, o governo Lula emula seu antecessor, que iniciou o desmonte do MMA justamente por retirar-lhe atribuições. E contradiz o discurso ambiental do presidente, que jurou proteger os indígenas e fortalecer o combate ao desmatamento e às mudanças do clima.

De brinde, a Câmara também votou nesta noite a MP 1.150, que ganhou dos deputados uma emenda que enfraquece a proteção à Mata Atlântica, como sonhara Ricardo Salles. Os jabutis retirados no Senado, voltaram à medida provisória. Só resta a Lula vetá-los.

Como não falta emoção em Brasília, os deputados ainda aprovaram a urgência do PL 490, que dificulta demarcações de terras indígenas e libera a exploração econômica dos territórios. O PL estabelece o infame “marco temporal”, segundo o qual indígenas que não estivessem produzindo em suas terras em 1988 perderiam direito a elas.

Arthur Lira e seus homens da motosserra tocam a boiada, mas quem abriu a porteira desta vez foi o Palácio do Planalto."


Fonte: O GLOBO