Analistas acreditam que o recurso seria puramente simbólico e ineficaz como arma militar, especificamente projetada para ser furtiva

O anúncio do envio de um submarino com ogivas nucleares dos Estados Unidos para a Coreia do Sul, com o intuito de reforçar a segurança do seu aliado asiático contra um eventual ataque nuclear da Coreia do Norte, chamou a atenção no lançamento da "Declaração de Washington", na quarta-feira. 

O ponto em questão, assinado durante visita do presidente sul-coreano Yoon Suk-yeol à Casa Branca, levantou dúvidas sobre sua eficácia militar, uma vez que poderia comprometer a capacidade de dissuasão de uma arma projetada especificamente para ser discreta.

O objetivo dos EUA com o acordo, segundo um funcionário da Casa Branca, que falou sob condição de anonimato, é tranquilizar sua aliada contra uma ofensiva da vizinha ao norte e tornar o sistema de dissuasão americano "mais visível por meio da implantação, em intervalos regulares, de meios estratégicos" na Coreia do Sul, o que inclui a visita do submarino ao país, algo inédito "desde o início dos anos 1980".

Porém, mais visibilidade pode ser um revés, sobretudo diante dos crescentes testes de mísseis de Pyongyang, que tem um grande arsenal de armas nucleares. Isso porque uma das características fundamentais para a dissuasão nuclear eficaz é seu princípio de "incerteza" para os oponentes, apontam analistas.

Isso significa, no caso entre Seul e Washington, que visitas frequentes de um submarino nuclear americano ao porto sul-coreano — que necessariamente precisam ser agendadas com antecedência — dariam a vantagem aos norte-coreanos no planejamento de um possível ataque.

"A dissuasão nuclear exige que, embora o adversário saiba da existência e escala das armas nucleares, não possa saber a exata extensão ou localização das capacidades ou quando elas podem ser empregadas", escreveu o comandante da Marinha americana, Daniel Post, no site do Instituto Naval dos EUA, em janeiro.

Adicionalmente, para o ex-capitão da Marinha dos EUA, Carl Schuster, que falou à CNN americana, tal movimento militar não faz sentido, uma vez que os EUA e a Coreia do Sul diminuiriam "o recurso mais poderoso do submarino: sua furtividade".

— Se Kim Jong-un [o líder norte-coreano] procurar fazer um ataque surpresa, nós daremos a ele a localização do submarino e a hora em que ele estará lá — acrescentou o ex-capitão à emissora.

Em outras palavras, tal recurso seria puramente simbólico, com o intuito de assegurar à Coreia do Sul que o apoio americano se faz presente, embora não seja taticamente eficaz.

Além disso, há o interesse americano em convencer Seul — que possui um dos maiores estoques de projéteis de artilharia do mundo — a mudar sua política sobre o fornecimento de ajuda letal para países em guerra e fornecer armamento para a Ucrânia, que luta contra a invasão russa há mais de um ano.

De acordo com a Marinha dos EUA, o país conta com 14 submarinos de mísseis balísticos movidos a energia nuclear da classe Ohio. Comumente chamados de "boomers", os submarinos têm mais de 170 metros, são alimentados por um único reator nuclear e podem passar cerca de 77 dias no mar a até 240 metros de profundidade. 

Cada um é capaz de carregar, no máximo, 20 mísseis balísticos do tipo Trident II, com um alcance de 7.400 quilômetros. Isso significa que poderiam atingir um alvo na Coreia do Norte em diferentes faixas dos oceanos Pacífico, Índico ou Ártico.

China alerta sobre 'provocações'

Durante a visita de seis dias à capital dos EUA, Yoon conversou com Biden sobre o "fim" de qualquer regime norte-coreano que utilize armas nucleares contra seus aliados. A China, por sua vez, advertiu nesta quinta-feira para que os dois países não provoquem um "confronto" com a Coreia do Norte, sob risco de uma escalada dos conflitos.

– Todas as partes devem enfrentar o cerne da questão da Península [Coreana] e ter um papel construtivo na promoção de uma solução pacífica do tema – declarou a porta-voz da diplomacia chinesa, Mao Ning.

Ning ainda fez um apelo para que Washington e Seul evitem "provocar tensões deliberadamente, provocar um confronto e fazer ameaças".

A China já havia criticado há poucos dias o "impacto negativo" dos exercícios militares americanos e sul-coreanos na Península Coreana. Os exercícios em questão incluem a implantação de meios militares estratégicos dos EUA na região, o que irrita Pyongyang, que vê essas manobras como ensaios para uma eventual invasão.

'Guerra real'

As duas Coreias vivem um dos momentos de maior tensão dos últimos anos. Em 2022, Pyongyang declarou que seu status de potência nuclear é "irreversível", fechando as portas para uma eventual negociação sobre desarmamento.

No início deste ano, o líder norte-coreano ordenou que exercícios militares fossem intensificados para preparar o país para uma "guerra real", logo após a Coreia do Sul e os Estados Unidos estreitarem as relações. Desde então, vários testes militares têm sido conduzidos em tempo recorde no país, incluindo dois mísseis balísticos intercontinentais e outros dois drones submarinos com capacidade nuclear.

O líder norte-coreano também defendeu recentemente o aumento da produção nuclear com fins militares, afirmando que a Coreia do Norte está pronta para usar armas nucleares, "a qualquer momento e em qualquer lugar".


Fonte: O GLOBO