Presidente buscará equilibrar os interesses brasileiros em visita a país com ambições globais
A visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à China, remarcada para esta semana, será uma ponte entre dois mundos que se distanciaram. Aquele que havia em 2009, última vez em que Lula esteve no país, ficou para trás. Desde então, em ambos os lados houve mudanças políticas profundas, o cenário geopolítico tornou-se muito mais instável e a assimetria entre as economias disparou — enquanto o Brasil estagnou, a da China caminha para ser a maior do planeta.
Tudo isso torna inevitável um reposicionamento na “parceria estratégica” que os países mantêm há três décadas. Enquanto o governo chinês quer mostrar que não está isolado, apesar da pressão dos EUA, o Brasil terá que achar um equilíbrio entre as relações históricas com o Ocidente e os laços com seu maior parceiro comercial. O desejo do governo Lula de ter um papel na negociação de uma saída para o conflito na Ucrânia reforça o viés geopolítico da visita, num momento em que Pequim mostra-se mais ativa no processo.
Assertividade chinesa
A China que o presidente Lula visitará nesta semana é mais tecnológica, mais próspera e mais autoritária do que a de 2009. E já não vê motivo para esconder suas ambições globais. Sob a liderança de Xi Jinping, que chegou ao topo do Partido Comunista em 2012 e acumulou poderes suficientes para abolir o limite de dois mandatos para presidente, a China aumentou sua musculatura militar e diplomática, que agora é voltada principalmente para enfrentar o que Pequim vê como um cerco do Ocidente ao país.
As relações com o “Sul global”, historicamente importantes para o PC chinês, ganharam nova roupagem, como contraponto às alianças lideradas pelos EUA e para promover o modelo de governança chinês, no qual o desenvolvimento econômico se sobrepõe às liberdades individuais. Especialista em relações internacionais com doutorado pela Universidade de Assuntos Estrangeiros de Pequim, onde são formados os diplomatas chineses, Chen Gang diz que a intensificação de parcerias com o mundo em desenvolvimento ocupa um lugar de destaque na diplomacia “proativa” adotada pela China nos últimos anos.
A importância desses laços aumentou com as tensões com os EUA, e o Brasil é visto como uma peça particularmente valiosa, diz ele, por ser um dos maiores países em desenvolvimento e pela parceria no Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).
— Politicamente a relação com o Brasil é muito importante para a China em seu desejo de remodelar a ordem internacional e aumentar a influência dos países em desenvolvimento — diz Chen, professor da Universidade Nacional de Cingapura.
Nesse ambiente que tem sido chamado de “nova guerra fria”, uma das preocupações no entorno do presidente Lula é manter a imagem de equilíbrio estratégico entre os dois lados da disputa, e contornar eventuais pressões de Pequim para que o Brasil embarque em projetos chineses como a do Cinturão e Rota (conhecido como “nova rota da seda”) e as ações diplomáticas mais recentes de Xi Jinping, como a Iniciativa de Desenvolvimento Global.
Novos investimentos
O formato da ação chinesa, porém, não combina com a tradição diplomática do Brasil, diz Karin Vazquez, pesquisadora do Centro de Estudos do Brics da Universidade Fudan, em Xangai. Ela é crítica da forma como a China executa o multilateralismo à sua maneira, criando conceitos na expectativa de que eles sejam adotados por outros países, “sempre marcando sua singularidade e excepcionalidade”. Não é exatamente uma atuação multilateral no sentido de que é construída coletivamente, afirma a pesquisadora, “são iniciativas chinesas”.
— Não consigo ver o Brasil aderindo a uma iniciativa da qual não participou da construção — diz Vazquez.
A expectativa é de que durante a visita sejam anunciados novos investimentos no Brasil e a abertura de mercado para produtos brasileiros como noz pecã e gergelim, com a assinatura de cerca de 20 acordos. Para Vazquez, porém, não dá para ficar só no comércio: uma visão estratégica é essencial para que a parceria atenda às prioridades atuais do Brasil.
É preciso deixar para trás a visão de que a China é a origem da desindustrialização do Brasil e entender que ela pode ser parte da solução, diz ela, por exemplo com investimentos em tecnologias verdes. E não só para uma reindustrialização, mas para uma “nova industrialização” adaptada ao contexto do mundo atual, defende.
‘Velho amigo’
O porte da comitiva original, com grande número de ministros acompanhada de 200 empresários, foi visto em Pequim como uma sinalização do interesse de Lula em dar peso às relações bilaterais, após o período conturbado do governo Bolsonaro. O adiamento da visita enxugou a agenda, mas não diminuiu a expectativa chinesa.
‘Velho amigo’
O porte da comitiva original, com grande número de ministros acompanhada de 200 empresários, foi visto em Pequim como uma sinalização do interesse de Lula em dar peso às relações bilaterais, após o período conturbado do governo Bolsonaro. O adiamento da visita enxugou a agenda, mas não diminuiu a expectativa chinesa.
Na mídia estatal, Lula é descrito como um “velho amigo”. Não fosse o adiamento por causa de uma pneumonia de Lula, o presidente brasileiro teria sido o primeiro chefe de Estado a visitar o país após a sessão do Congresso chinês, numa deferência do PC.
Para além dos simbolismos, esperam-se resultados práticos para que a visita de Lula seja considerada um sucesso. Um deles já saiu mesmo antes do desembarque do presidente, com a suspensão do embargo à carne bovina brasileira e a habilitação de novos frigoríficos para exportação pela primeira vez desde 2019.
Para além dos simbolismos, esperam-se resultados práticos para que a visita de Lula seja considerada um sucesso. Um deles já saiu mesmo antes do desembarque do presidente, com a suspensão do embargo à carne bovina brasileira e a habilitação de novos frigoríficos para exportação pela primeira vez desde 2019.
Embora o governo chinês insista que é apenas uma questão sanitária, os novos ares nas relações foram decisivos. As análises são técnicas, mas as decisões são políticas, resumiu uma fonte próxima às negociações.
Ainda que o Brasil venha tentando projetar uma posição de equidistância entre EUA e China, as diferenças entre as visitas de Lula a Washington e a Pequim chamam atenção. Enquanto na capital americana ele teve apenas um dia de trabalho, que incluiu um encontro com o presidente Joe Biden, na China ele terá uma agenda bem mais cheia.
A viagem ao país asiático logo no início do governo, bem mais cedo que em seus mandatos anteriores, também é um sinal de que a China é prioridade, diz Zhou Zhiwei, diretor do Centro de Estudos Brasileiros da Academia Chinesa de Ciências Sociais, inaugurado por Lula na visita a Pequim de 2009.
Economia mais precária
Para Zhou, além do fator econômico, essa prioridade também é política.
— No ano passado, o Brasil exportou três vezes mais para a China do que para os EUA. Dos dez principais produtos de exportação brasileiros, a China é o maior mercado de sete. Em 2021, o Brasil foi o maior destino de investimentos chineses — enumera Zhou. — Por outro lado, a China é hoje um importante ator na governança global, o que torna um fator para Lula visitar o país mais cedo do que antes.
O consultor Welber Barral, que ocupava o cargo de secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento quando Lula fez sua última viagem à China, acha natural esperar que esta visita gere um fluxo de recursos para setores como a infraestrutura. Não apenas pelo crescimento dos chineses como investidores, mas porque não há fundos públicos disponíveis no Brasil.
Mas é preciso considerar o contexto bem diferente em relação a 2009, a situação da economia brasileira é bem menos confortável e há pressões geopolíticas que não existiam, lembra. Além disso, o plano de reindustrialização do governo abre oportunidades, observa, mas também a possibilidade de disputas comerciais com Pequim.
— Não vejo riscos, mas acho que haverá fricções. O que deve acontecer é que a China continue investindo nos setores que lhe interessam, como montagem de carros elétricos e eletrônicos. Já na indústria de consumo haverá embates, como acontece com americanos e europeus — prevê.
Fonte: O GLOBO
Ainda que o Brasil venha tentando projetar uma posição de equidistância entre EUA e China, as diferenças entre as visitas de Lula a Washington e a Pequim chamam atenção. Enquanto na capital americana ele teve apenas um dia de trabalho, que incluiu um encontro com o presidente Joe Biden, na China ele terá uma agenda bem mais cheia.
A viagem ao país asiático logo no início do governo, bem mais cedo que em seus mandatos anteriores, também é um sinal de que a China é prioridade, diz Zhou Zhiwei, diretor do Centro de Estudos Brasileiros da Academia Chinesa de Ciências Sociais, inaugurado por Lula na visita a Pequim de 2009.
Economia mais precária
Para Zhou, além do fator econômico, essa prioridade também é política.
— No ano passado, o Brasil exportou três vezes mais para a China do que para os EUA. Dos dez principais produtos de exportação brasileiros, a China é o maior mercado de sete. Em 2021, o Brasil foi o maior destino de investimentos chineses — enumera Zhou. — Por outro lado, a China é hoje um importante ator na governança global, o que torna um fator para Lula visitar o país mais cedo do que antes.
O consultor Welber Barral, que ocupava o cargo de secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento quando Lula fez sua última viagem à China, acha natural esperar que esta visita gere um fluxo de recursos para setores como a infraestrutura. Não apenas pelo crescimento dos chineses como investidores, mas porque não há fundos públicos disponíveis no Brasil.
Mas é preciso considerar o contexto bem diferente em relação a 2009, a situação da economia brasileira é bem menos confortável e há pressões geopolíticas que não existiam, lembra. Além disso, o plano de reindustrialização do governo abre oportunidades, observa, mas também a possibilidade de disputas comerciais com Pequim.
— Não vejo riscos, mas acho que haverá fricções. O que deve acontecer é que a China continue investindo nos setores que lhe interessam, como montagem de carros elétricos e eletrônicos. Já na indústria de consumo haverá embates, como acontece com americanos e europeus — prevê.
Fonte: O GLOBO
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