Assessor especial do presidente e ex-chanceler afirma que Brasil condenou invasão russa na ONU e que Lula teve longa conversa telefônica com Zelensky

O assessor especial para assuntos internacionais da Presidência, Celso Amorim, rebateu as críticas das potências ocidentais sobre as controversas declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a respeito da guerra na Ucrânia. Em entrevista à GloboNews nesta terça-feira, o ex-chanceler brasileiro disse que o Brasil não tem as mesmas posições da Rússia e "defende a integridade territorial da Ucrânia".

— O Brasil não tem as mesmas posições da Rússia, o Brasil defende a integridade territorial da Ucrânia como defende de todas as nações — sublinhou Amorim.

Amorim, no entanto, manteve a posição crítica do chefe de Estado brasileiro contra o uso do dólar como moeda única para transações internacionais, argumentando que a prática prejudica as trocas comerciais entre Brasília e Moscou.

— A gente está falando sobre uma moeda única para fazer transações. A própria Rússia poderia comprar mais do Brasil, por causa disso as nossas exportações para a Rússia estão sendo prejudicadas — destacou o ex-chanceler. — Não se trata de criticar os Estados Unidos (...), é sobre um sistema que permita um comércio livre de injunções políticas, muitas delas estranhas a nós.

De acordo com o assessor especial do Palácio do Planalto, embora as sanções ocidentais não alcancem as exportações de alimentos e fertilizantes russos, a exclusão da Rússia do sistema financeiro Swift, amplamente usado para transações internacionais entre diferentes países, prejudica as trocas comerciais com Moscou.

Questionado sobre se o Brasil estaria adotando um posicionamento mais alinhado a Moscou do que a Kiev, Amorim disse que o país condenou a invasão russa em assembleias na ONU e apenas não apoiou resoluções unilaterais que afetariam outros países.

O ex-chanceler ainda respondeu ao convite feito pela Ucrânia nesta terça-feira para que o governo brasileiro conhecesse o país. Segundo ele, a viagem precisaria ter como objetivo a busca por uma saída para a guerra e não motivada apenas para que supostamente se ouça todos os lados.

— A questão de ir ou não é saber qual o objetivo: se for pra pensar em soluções, eu estou pronto para ir até lá se o presidente Lula me permitir — afirmou, pontuando já conhecer a realidade de um conflito como o travado no território ucraniano. — Claro que nós não somos insensíveis, nós prezamos pela paz.

De acordo com o diplomata, o presidente Lula teve um longo telefonema com o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, e o mesmo diálogo ocorreu entre o chanceler brasileiro, o ministro Mauro Vieira, e o seu homólogo ucraniano, Dmytro Kuleba. Fontes da diplomacia brasileiro relataram nesta terça-feira ao GLOBO que o governo brasileiro chamou Kuleba para uma visita ao Brasil cerca de dez dias antes de convidar o chanceler russo, Sergei Lavrov, que esteve no Palácio do Planalto na segunda-feira.

Amorim comentou que a criação de um grupo de países neutros no conflito para mediar as negociações de paz parte da busca por um diálogo, que segundo ele, atualmente não há "condições" para ser feito.

— A ideia do grupo de países que favoreçam a paz é criar o clima adequado para que a conversa comece, porque agora não há condições nem para isso — salientou.

As declarações de Amorim nesta terça-feira surgem dois dias após Lula voltar a dizer que tanto a Ucrânia quanto a Rússia são responsáveis pela guerra — a primeira fez que o presidente fez tal comparação foi em entrevista à revista americana "Time" no ano passado. No domingo, o chefe de Estado brasileiro ainda culpou os Estados Unidos e a União Europeia (UE), aliados de Kiev, pelo prolongamento da guerra.

— A construção da guerra será mais fácil que a saída da guerra. Porque a decisão da guerra foi tomada por dois países — declarou o presidente. — Temos que ter em conta que é preciso conversar também com os Estados Unidos e a União Europeia. Ou seja, nós precisamos convencer as pessoas de que a paz é a melhor coisa para estabelecer qualquer processo de conversação. Do jeito que está a coisa, a paz está muito difícil.

A fala provocou forte reação do bloco europeu e dos EUA na segunda-feira. O porta-voz da UE, Peter Stano, destacou que a Rússia é a "única responsável" pelo conflito no Leste Europeu e afirmou que as potências ocidentais estão apenas apoiando o direito de Kiev à legítima defesa.

— Os Estados Unidos e a União Europeia trabalham juntos, como parceiros de uma ajuda internacional. Estamos ajudando a Ucrânia em exercícios para legítima defesa — disse. — Não é verdade que os EUA e UE estão ajudando a prolongar o conflito. Nós oferecemos inúmeras possibilidade à Rússia de um acordo de negociação em termos civilizados.

Já o porta-voz do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, John Kirby, fez críticas mais incisivas ao presidente brasileiro e disse que Lula estava reproduzindo como um papagaio a "propaganda russa e chinesa".

— É profundamente problemático como o Brasil abordou essa questão de forma substancial e retórica, sugerindo que os Estados Unidos e a Europa de alguma forma não estão interessados na paz ou que compartilhamos a responsabilidade pela guerra — afirmou Kirby em conversa com jornalistas. — Francamente, neste caso, o Brasil está repetindo a propaganda da Rússia sem olhar para os fatos — disse.


Fonte: O GLOBO