Aos 29 anos, o agora engenheiro acumulará o cargo de deputado com o de subdiretor da AT Comercial Varadero; para especialistas, ele representa a continuidade do conflito com os EUA

Nesta quarta-feira, Elián González toma posse como deputado da Assembleia Nacional de Cuba como um dos representantes de Cárdenas, pequena cidade onde nasceu e vive até hoje. Quase 23 anos antes, em 22 de abril de 2000, ele era retirado à força da casa de seus tios-avós em Miami, num evento com extensa cobertura televisiva e que virou símbolo da disputa política entre Estados Unidos e Cuba. 

O menino, então com seis anos, havia sido resgatado na costa da Flórida após o naufrágio de uma embarcação clandestina que tentava chegar aos EUA. Elián, único sobrevivente, viajava com a mãe, morta na tragédia, e acabou sob cuidados dos familiares que viviam em Miami, contra a vontade do pai, em Havana.

Após meses de uma briga judicial entre os parentes em Miami e a família em Cuba, o menino finalmente voltou à ilha, onde foi recebido pelo próprio Fidel Castro. Nos anos seguintes, Elián e sua família foram ciceroneados de perto pelo regime, que fez do menino a personificação de sua luta contra o império — ainda que o então presidente americano Bill Clinton tenha aprovado sua repatriação.

O pai, Juan Miguel González, tornou-se deputado. Elián agora segue os mesmos passos: mais de duas décadas depois, o cubano, que agora tem 29 anos e é pai de uma menina de dois, acumulará o cargo de deputado ao de engenheiro — ele é subdiretor da AT Comercial Varadero. Antes, foi cadete da Escola Militar Camilo Cienfuegos e membro destacado da União dos Jovens Comunistas.

— Elián González recebeu uma espécie de segundo batismo quando foi resgatado dos Estados Unidos. A partir daí começa sua nova trajetória. E sua nomeação tem a ver justamente com a atualidade dessa disputa. À medida que o conflito permanece, ele é a expressão dessa continuidade, agora como parte de uma geração mais jovem — diz o historiador Manuel Costa Morúa, vice-presidente do Conselho para a Transição Democrática em Cuba.

Em entrevista ao site Juventude Rebelde, no mês passado, Elián disse que, em sua atuação na Câmara, "sempre terá a mão de Fidel em seu ombro".

"Acho que Fidel ficaria orgulhoso", disse o agora deputado ao Juventude Rebelde, um dos sites oficiais do governo, voltado aos jovens. "Sei que a formação que tenho, o apoio e a admiração que desfruto do povo de Cuba, inclusive esta responsabilidade, devo a Fidel. Ele me deu uma responsabilidade depois de ter mobilizado o povo para meu retorno à pátria e à minha família: não decepcionar os cubanos. Então devo isso em parte a ele".

Em seu Twitter, criado quando completou 25 anos, em 2018, Elián exibe fotos de protestos e atos a favor do governo cubano. Em 13 de agosto de 2021, dia em que Fidel Castro completaria 95 anos, postou várias fotos ao lado do comandante: "Fidel vive em mim", escreveu.

Jorge Duany, diretor do Instituto de Pesquisa de Cuba da Universidade Internacional da Flórida, explica que a nomeação do jovem deputado traz à memória muitas das controvérsias daquele momento, especialmente a preocupação, por parte da comunidade cubana no exílio, de que ele seria "doutrinado", e entregue ao Partido Comunista — "o que aconteceu de fato", afirma.

— É importante frisar que, em suas primeiras declarações após se tornar deputado, ele fez questão de ressaltar sua intenção de atuar como mediador das relações entre EUA e Cuba.

Na entrevista ao Juventude Rebelde, Elián disse que o futuro só será resolvido "quando os próprios cubanos perceberem que não são tempos de separação". "Se não caminharmos todos juntos, em busca da mesma causa, esse país melhor não irá chegar nunca". 

Não é a primeira vez que o cubano tenta se colocar como mediador dessa disputa geopolítica. Em entrevista à rede ABC, em 2015, Elián afirmou que gostaria de visitar os Estados Unidos e agradeceu o carinho da população americana, que fez muitas manifestações para que ele ficasse com os parentes que o acolheram em Miami.

— É natural que Elin tente se conectar com a nova geração, que vem deixando o país em massa. Apenas no ano passado, 225 mil cidadãos tentaram cruzar a fronteira entre México e EUA, o maior número da história — destaca o especialista, lembrando ainda que aos poucos, os líderes históricos estão cedendo o poder a essa geração. — Vemos um aumento de jovens, mulheres, negros, o que indica que a Assembleia reflete melhor a população cubana que no passado.

Agora, apesar dos novos tempos — os Castro não estão mais no poder, e o país vive uma onda de mudanças simbólicas, ainda que pequenas —, a alta insatisfação dos cubanos com o governo e o aumento da desigualdade no país estão entre as causas para a nova onda de fuga em massa de cubanos, explica Costa Morúa.

— Para a nova geração digitalizada foi e é importante que a realidade corresponda às perspetivas e expectativas de um mundo mais aberto, ágil, plano, flexível em que a internet esteja ao alcance de qualquer um, em qualquer lugar. Isso não está acontecendo — afirma o historiador cubano. — Ao contrário, a pobreza, a falta de oportunidades e a repressão aumentaram gradativamente. Para a geração Z, essa realidade sem mitos foi insuportável. E optou e está optando pela mesma saída das gerações anteriores. Agora em massa.


Fonte: O GLOBO