Governo federal retira R$ 431 milhões das universidades federais e suspensão de bolsas e auxílios, pior cenário orçamentário, se confirma

Mateus Santos, de 24 anos, vive no limite. Os R$ 880 de duas bolsas e um auxílio que recebe por mês da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), dão para pagar uma república que divide com 17 pessoas e itens de necessidades básicas. A alimentação é garantida pelo bandejão, onde ele faz todas as refeições do dia. Neste mês, no entanto, ele não sabe o que fará. Isso porque, após um bloqueio de R$ 431 milhões determinado pelo Ministério da Educação, diversas instituições federais anunciaram que não poderão pagar qualquer conta em dezembro, inclusive as bolsas e auxílios que mantêm os estudantes mais pobres no ensino superior.

— Ainda estou devendo o empréstimo de quase R$ 4 mil que peguei quando vim para Minas Gerais para me manter até começar a receber as bolsas. Pedi para pagar o aluguel só no dia 16. Mas, sinceramente, não sei o que fazer — conta o estudante do 2º período de serviço social.

As universidades federais tiveram, neste ano, dois grandes bloqueios de orçamento que, juntos, somam R$ 869 milhões — um de R$ 437 milhões em junho e o outro de R$ 432 milhões na última sexta-feira — de desfalques nos cofres das instituições e que, na prática, deixou elas sem dinheiro para pagamentos básicos em dezembro.

Dados do Censo de Educação Superior apontam que o país teve em 2021, último ano disponível, 257 mil universitários da rede federal recebendo algum tipo de apoio social. Esse número era 26% maior em 2019.

A verba havia sido bloqueada, inicialmente, em 28 de novembro. Três dias depois, o MEC voltou atrás, anunciando um desbloqueio do valor. Após intervalo de algumas horas, voltou a bloquear.

Além da UFU, pelo menos outras 23 instituições informaram que não conseguirão pagar esses auxílios no último mês do ano. Estão nessa lista, por exemplo, as universidades federais de Minas Gerais (UFMG); de Mato Grosso (UFMT); de Mato Grosso do Sul (UFMS); de Rondônia (Unir); do Oeste da Bahia (Ufob), do Sul da Bahia (UFSB); e de Pelotas (Ufpel), que pagaria as bolsas ontem. Gigantes como a Universidade Federal Fluminense (UFF) e a Universidade de Brasília (UnB) passam pela mesma situação. Segundo a reitoria da UnB, "parar, não vai", mas não se sabe em quais condições os estudantes terão aulas.

— A Universidade de Brasília sofreu mais um golpe. Foram retirados R$ 17 milhões de tudo o que nós temos para gastar em 2022 ainda. Não temos mais dinheiro para pagar nada — afirmou a reitora da UnB, Márcia Abrahão.

Já a universidade do Norte de Tocantins (UFNT) e a de São João del-Rei (UFSJ) afirmaram que, mais do que não conseguir pagar nenhuma bolsa ou auxílio, estão com o caixa completamente zerados a 24 dias do fim do ano. Na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), há R$ 5,8 milhões a pagar em dezembro com bolsas e contas de custeio que não serão pagas por conta dos bloqueios.

— A situação é gravíssima. Não vamos pagar os auxílios emergenciais e nem a compensação pelo fechamento do restaurante universitário, que é a única segurança alimentar de alguns discentes em vulnerabilidade socioeconômica. Vamos deixar de pagar serviços para priorizar o que dá e não deixar as bolsas. Mesmo assim, acho que não poderemos pagar todas. Nunca vivemos tantos desmandos e desrespeito. Não há planejamento que se sustente. Esperamos dias melhores — afirmou Luciana Elias, a pró-reitora de Assuntos Estudantis da Universidade Federal de Jataí, no Sudoeste Goiano.

Já a Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) informou que até os salários dos servidores — despesa que é paga com recursos diferentes dos que bancam os auxílios e são considerados gastos obrigatórios — podem ser afetados pela falta de recursos.

A Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) também está nessa lista. Lá, Jéssica Pinheiro, de 20 anos, conta com três auxílios para se manter no curso de ciências sociais. Por morar em São João do Meriti, na Baixada Fluminense, a 40km do campus, a jovem depende do auxílio transporte e da bolsa permanência, que juntas somam R$ 830 reais. Segundo ela, quase todo o valor é gasto na locomoção. Além destas, ela recebe R$ 250 para ajudar nos materiais didáticos. Sem esses valores, ela teme não conseguir frequentar as aulas presencialmente em dezembro.

— Minha mãe é auxiliar de cozinha e meu pai autônomo. Eu não recebo ajuda deles porque eles não têm como. Comecei um emprego agora, mas para este mês não tenho dinheiro. A UFRJ é a única forma de eu permanecer na faculdade — afirma a estudante, que é cotista e está no quarto período da graduação.

A jovem ainda iniciaria um projeto de iniciação científica, que além de ajudá-la financeiramente, traria experiências na área da pesquisa acadêmica, que deseja se aprofundar. Esses tipos de bolsas também não serão pagas em diversas universidades. Ontem, o ministro da Educação, Victor Godoy, informou que 14 mil residentes de hospitais federais e 100 mil bolsistas da Capes, alunos de mestrado e doutorado, também não devem receber por falta de recursos.

— Meu primeiro contato na faculdade foi com manifestações contra cortes de verbas. Mas nos anteriores houve um recuo. Eu espero que desta vez haja também, porque muitos alunos dependem desse dinheiro para sobreviver e conseguir estudar dignamente — diz Jéssica.

Em nota nesta terça-feira, a Capes afirmou que foi surpreendida pelo bloqueio de recursos feito pelo governo e que a medida impedirá o pagamento de cerca de 200 mil bolsas.

"Isso retirou da CAPES a capacidade de desembolso de todo e qualquer valor - ainda que previamente empenhado - o que a impedirá de honrar os compromissos por ela assumidos, desde a manutenção administrativa da entidade até o pagamento das mais de 200 mil bolsas, cujo depósito deveria ocorrer até amanhã, dia 7 de dezembro", diz o comunicado.

A entidade afirma ainda que a falta de recursos faz com que " entidade e seus bolsistas já começam a sofrer severa asfixia" e pede que o governo reverta a medida.

Em nota, a UFRJ disse ter adotado "suspensão de pagamentos das concessionárias de água e luz" após as subtrações do Ministério. “A situação de “limite zero” que nos foi imposta, associada à falta de previsões de liberações até o final do ano, nos impede de continuar, pois nosso orçamento definido em lei tornou-se inacessível e isso coloca em risco a continuidade do funcionamento se os cortes não forem revertidos em poucos dias”, emenda nota.

Ontem, integrantes da transição acenderam o alerta em relação à possibilidade de riscos ao Sistema de Seleção Unificada (Sisu) e ao Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) no próximo ano. No caso do Enem, Paim afirmou que o exame para Pessoas Privadas de Liberdade (Enem PPL), que ocorre em janeiro, está garantido, já que os contratos já estão vigentes. Mas há preocupação em relação ao Enem do ano que vem, cuja licitação ainda será feita pelo atual governo.

— Temos preocupação com o Enem 2023 porque tem um processo licitatório em curso. A gente sabe que o estudante não vai esperar, o Sisu tem que estar funcionando, o Prouni, todos os sistemas têm que estar funcionando para que não prejudique os calendários das instituições de ensino superior — disse o ex-ministro da Educação e um dos coordenadores do grupo de transição, Henrique Paim.

Nesta semana, a equipe de transição tem uma reunião com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), responsável pelo Enem, para aprofundar o tema.

Paim explicou ainda que há recomendação do Tribunal de Contas da União (TCU) e da Controladoria-geral da União (CGU) para que contratos da área de tecnologia de informação sejam revistos, o que poderia afetar a operação de sistemas informatizados no próximo ano, como o Sisu e o SisProuni. Ambos os sistemas atuam na seleção de estudantes para o ensino superior.

Luiz Cláudio Costa, ex-presidente do Inep e membro da transição, afirma que qualquer mínimo atraso no cronograma prejudicará o acesso dos estudantes ao ensino superior. Ele criticou o fato de no próximo ano as inscrições do Sisu serem abertas somente em 28 de fevereiro, próximo do início do ano letivo.

— Além de ter o calendário que já não é adequado, o ideal é sempre fazer com antecedência, se der qualquer problema no sistema é gravíssimo, porque o estudante não consegue entrar nas universidades e institutos — disse.


Fonte: O GLOBO