Documentário do Brasil Paralelo afirma que 'pessoas próximas ao presidente na época da campanha' de 2018 poderiam estar envolvidas na facada
Porto Velho, RO - O filme vetado pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) sobre a facada sofrida pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) levanta tese de que o atentado teria sido ordenado por um aliado do mandatário na época da campanha de 2018.
Essa versão para o episódio contraria mais de 2.000 páginas de investigação da Polícia Federal e vai na contramão até mesmo de teorias da conspiração da base bolsonarista, de que opositores do mandatário estariam por trás do atentado cometido por Adélio Bispo.
A produtora de vídeos Brasil Paralelo havia anunciado o lançamento do documentário intitulado "Quem mandou matar Jair Bolsonaro" no próximo dia 24, mas a corte eleitoral barrou a divulgação.
O Brasil Paralelo afirmou à Folha, por meio de nota antes da decisão do TSE, que o filme levanta a hipótese de que o mandante do atentado seria um correligionário de Bolsonaro no período eleitoral.
"Como acontece em todos os episódios da série Investigação Paralela, levantamos as hipóteses para a solução do crime. A novidade é que uma dessas teses sobre o mandante do atentado envolve pessoas próximas ao presidente na época da campanha", afirmou a produtora, sem dar detalhes de quem seriam os supostos envolvidos.
O Brasil Paralelo é um canal de vídeos na internet de viés conservador, que propaga revisionismos históricos sem fundamentação acadêmica sólida, e costuma fazer duras críticas ao PT. O conteúdo é amplamente compartilhado por aliados de Bolsonaro.
Nesta terça-feira (18), o corregedor da Justiça Eleitoral, Benedito Gonçalves, atendeu a um pedido do PT e vetou a veiculação do documentário até que o segundo turno seja realizado, liberando o lançamento do filme apenas a partir de 31 de outubro.
O magistrado afirma que "não é por acaso" que o lançamento do documentário está marcado para seis dias antes da eleição, diz que a produtora foi responsável pela produção, "em larga escala, de conteúdos falsos" e afirma que o "título coincide com a afirmação do candidato de que foi vítima de ataque planejado em 2018".
Por isso, Gonçalves determina que o documentário seja adiado "de modo a ocorrer após o segundo turno, evitando que tema reiteradamente explorado pelo candidato Jair Bolsonaro em sua campanha receba exponencial alcance, sob a roupagem de documentário que foi objeto de estratégia publicitária custeada com substanciais recursos da pessoa jurídica Brasil Paralelo".
A Polícia Federal já afirmou em diversas oportunidades que concluiu que Adélio agiu sozinho.
Como a Folha mostrou nesta terça, a PF quer interrogar novamente Adélio na apuração que busca identificar eventuais mandantes. O movimento é visto como mais um reflexo das pressões de Bolsonaro para fortalecer a tese de que o crime teria sido orquestrado.
Antes de levar adiante a diligência, porém, o delegado Martín Bottaro Purper, encarregado atualmente do inquérito, pediu à Justiça Federal em Mato Grosso do Sul acesso ao laudo de avaliação do estado de saúde mental de Adélio, produzido recentemente por dois peritos.
Purper assumiu o inquérito no início deste ano. O delegado Rodrigo Morais Fernandes, que estava com o caso antes, concluiu por duas vezes que não houve mandante no atentado contra Bolsonaro.
Em dezembro passado, Fernandes foi designado pela direção da PF para missão de dois anos numa força-tarefa em Nova York, nos Estados Unidos.
Apesar das reiteradas afirmações da PF de que Adélio agiu sozinho, o chefe do Executivo nunca deixou de levantar suspeita de que há um mandante por trás do crime.
Em abril de 2020, chegou a fazer críticas públicas à investigação da corporação. "Vai ser reaberta a investigação. Vai fazer a investigação. Foi negligenciado. A conclusão foi o ‘lobo solitário’. Como é que pode o ‘lobo solitário’ com três advogados, com quatro celulares, inclusive andando pelo Brasil?", disse Bolsonaro a uma apoiadora que o questionou sobre o assunto na ocasião.
A conclusão de Fernandes pelo ato solo de Adélio baseia-se na análise de quebras de sigilos do autor do crime e de pessoas que poderiam ter alguma ligação com o ato, além de uma análise exaustiva das imagens do dia do atentado.
A PF diz que fez perícia em computadores da lan house que Adélio frequentava, analisou 2 terabytes de imagens de Juiz de Fora (MG) e mais de 250 gigabytes de informações em mídia e avaliou emails e mensagens em aplicativos de conversa.
A produtora, contudo, afirma que obteve "fatos sobre o esquema de segurança daquele dia e sobre as três ocasiões anteriores em que Adélio tentou se aproximar de Bolsonaro, que nunca foram noticiadas pela mídia".
O Brasil Paralelo também diz que entrevistou o advogado Zanone Manuel Júnior, que participa da defesa de Adélio desde o começo do caso.
Em 2021, a PF reabriu o inquérito sobre a facada justamente para analisar dados bancários e o conteúdo de um celular apreendido com Júnior. Isso ocorreu após autorização do TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região).
O objetivo era apurar se o advogado recebeu dinheiro de terceiros para assumir a defesa de Adélio ou se teve interesse no episódio apenas para ter exposição na mídia, por se tratar de um processo que daria visibilidade.
Assim, a quebra de sigilo do advogado era vista como importante pelos investigadores a fim de ter respostas definitivas sobre a existência ou não de um mandante do crime.
Nesta semana, a Brasil Paralelo foi alvo de uma decisão do TSE, que determinou a exclusão de uma postagem nas redes sociais contra Lula.
Os ministros consideraram que a peça causa "desordem informacional" por atribuir ao candidato a presidente casos de corrupção que ocorreram durante seu mandato.
O vídeo que deve ser excluído havia sido publicado na rede social junto com a seguinte afirmação: "Repasse esse vídeo para quem não tem lembranças dessa época —e para quem tem, também".
Fonte: Folha de São Paulo
0 Comentários