Padrão associado às mudanças climáticas, aquecimento da atmosfera e dos oceanos causa fenômenos intensos mesmo sem a ocorrência do El Niño ou da La Niña

Bombeiros tentam extinguir um incêndio florestal em Ribeira de Fraguas, Albergaria-a-Velha, em Aveiro, a 16 de setembro de 2024 — Foto: Patricia DE MELO MOREIRA/AFP

O caos no clima se espalhou pelo mundo em setembro. Não só o Brasil, mas quase toda a América do Sul sofre com seca, calor e incêndios extremos. Portugal, do outro lado do Atlântico, também é castigado pelo fogo. A China e parte da Ásia enfrentam um tufão por semana. Enquanto isso, partes de EUA e Europa estão sob chuvas torrenciais. Na África, o Deserto do Saara teve inundações, e o Sudão do Sul poderá sofrer o primeiro deslocamento em massa permanente do mundo em função de mudanças climáticas.

Numerosos fatores meteorológicos são associados a esses extremos. O denominador comum é o aquecimento da atmosfera e dos oceanos, um padrão associado às mudanças climáticas, afirma o climatologista José Marengo, do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). 

O atual período é considerado neutro. Não tem nem El Niño, associado ao aquecimento das águas do Pacífico, nem La Niña, deflagrada pelo esfriamento. Ambos os fenômenos causam extremos climáticos. O El Niño acabou em junho. E a muito antecipada La Niña está cada vez mais distante. Deveria começar em julho e agora, na melhor das hipóteses, tem cerca de 70% de chance de iniciar no fim de novembro ou dezembro, segundo a Agência de Oceanos e Atmosfera dos EUA (Noaa, na sigla em inglês).

Marengo diz que não se sabe o porquê de a natureza ter mudado de ideia e La Niña estar definhando antes mesmo de nascer. Tudo indica que ela será tardia, fraca e breve.

Já o aquecimento do Oceano Atlântico é o maior registrado. Há 16 meses consecutivos ele está acima da média histórica, de acordo com o Serviço de Mudanças Climáticas Copernicus (C3S), a agência europeia do clima. O maior aquecimento acontece no Atlântico Tropical Norte, leva chuvas torrenciais para a América Central e deixa a do Sul seca. A seguir, os extremos em curso no mundo.

Secas e incêndios na América do Sul

Moradores próximos ao Parque Nacional de Brasília carregam baldes com água para conter o incêndio florestal que assola o parque, para que não chegue às suas casas em Brasília — Foto: EVARISTO SA/AFP

Todo o continente, à exceção do sul da Argentina e do Chile, tem registrado chuvas abaixo da média nos últimos três meses. Sendo que nas regiões centrais, que abarcam parte da Amazônia, do Centro-Oeste, do Sudeste e todo o Pantanal brasileiros; grande parte do território de Bolívia e Paraguai, há 24 meses a chuva está muito abaixo da média, num padrão de seca. A América do Sul está secando, afirma a especialista em hidrologia do Cemaden Adriana Cuartas. 

A seca tem se manifestado em baixa da vazão das cabeceiras onde nascem alguns dos mais importantes rios do continente, como o Amazonas (no Peru) e Madeira (na Bolívia). O calor extremo tem sido regra e incêndios florestais afetam, além do Brasil, Bolívia (que declarou emergência nacional), Argentina, Paraguai, Peru, Colômbia e Venezuela. No caso da América do Sul, anomalias associadas ao aquecimento do Atlântico têm sido preponderantes.

Fogo nas florestas e enchentes na Europa

Fotografia aérea mostra uma vista das ruas inundadas em Glucholazy, sul da Polônia — Foto: Sergei GAPON/AFP

O continente europeu está sob dois extremos. Portugal enfrenta um dos piores incêndios florestais de sua História e os mais severos desde 2001. Cinco mil bombeiros combatem as chamas que afetam principalmente o norte e o centro do país e desde domingo mataram sete pessoas e feriram outras 50. 

Já a Europa Central sofre com chuvas torrenciais que deixam cidades debaixo d’água em Áustria, Romênia, República Tcheca e Polônia, onde os 44 mil moradores da cidade de Nysa tiveram que ser retirados. A climatologista Sonia Seneviratne, do ETH Zurich, disse que as tempestades estão associadas à grande quantidade de vapor d’água lançada pelo Mediterrâneo e o Mar Negro, também mais quentes que a média.

Inundações em várias regiões na África

Pessoas afetadas pelas enchentes são escoltadas através das águas da enchente em um barco militar em Maiduguri, em 12 de setembro de 2024 — Foto: Audu MARTE/AFP

A inundação no Sudão do Sul começou em maio e se intensificou este mês. Cerca de 700 mil pessoas foram afetadas e se teme que não possam mais voltar para casa no Suud, porque a região se tornará um lodaçal inabitável por longo tempo ou até permanentemente. O tipo de terreno faz com que algumas áreas possam ficar permanentemente sob a água, há também risco de doenças como malária. 

O país pode ter o primeiro deslocamento em massa permanente causado por extremos climáticos. As inundações também afetaram o Deserto do Saara. Áreas de Marrocos, Argélia, Tunísia, Líbia e Nigéria sofreram alagamentos. A chuva torrencial foi causada por um ciclone extratropical anômalo, que atingiu o deserto nos dias 7 e 8 deste mês. A Nasa destacou que chuvas no deserto podem ocorrer, mas essas foram excepcionais.

Tufões em sequência na Ásia

Moradores caminham pelas águas da enchente em Pyinmana, na região de Naypyidaw, em Mianmar, em 13 de setembro de 2024, após fortes chuvas após o tufão Yagi — Foto: Sai Aung MAIN/AFP

O tufão Bebinca parou Xangai, o coração financeiro da China. Meteorologistas chineses disseram ao jornal South China Morning Post que outro tufão está em formação e que até outubro o país será atingido por um tufão por semana até outubro. Já Mianmar e Vietnã foram devastados este mês pelo tufão Yagi. Mais de 200 pessoas morreram em cada um dos dois países, plantações foram perdidas e cidades, alagadas. O Yagi é até agora o tufão mais forte do ano na Ásia.

Furacão, fogo e tempestade nos EUA

Águas da enchente invadem uma igreja em Bladenboro, Carolina do Norte — Foto: Madeline Gray/The New York Times

A Carolina do Norte foi atingida na segunda-feira por uma tempestade que despejou 460 mm de água em 12 horas. Para os padrões climáticos da região é um evento que se considera ocorrer uma vez a cada 1.000 anos, informou o Serviço Nacional de Meteorologia dos EUA. Já o furacão de categoria 2 Francine castigou esta semana a Louisiana. Enquanto isso, Califórnia, Nevada, Idaho e Oregon combatem incêndios florestais.


Fonte: O GLOBO