Presidente abriu Assembleia Geral das Nações Unidas com defesa ao meio ambiente e críticas à plataformas digitais

O presidente Lula durante abertura da Assembleia Geral da ONU — Foto: Michael M. Santiago/Getty Images/AFP

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou nesta terça-feira, em discurso na Assembleia Geral da ONU, que o uso da força "sem amparo" virou regra no mundo. Na fala de cerca de 20 minutos, ele citou o conflito entre Rússia e Ucrânia, criticou a ofensiva israelense em Gaza e disse que a guerra se expande "perigosamente" para o Líbano. 

Lula ainda pontuou temas prioritários em sua política externa, como o combate à fome, a reforma da governança global e a paz no mundo, e subiu o tom ao falar sobre mudança climática. Sem citar nomes, ainda citou o impasse entre o dono da rede X, Elon Musk e o Judiciário brasileiro.

— Em Gaza e na Cisjordânia, assistimos a uma das maiores crises humanitárias da história recente, e que agora se expande perigosamente para o Líbano. O que começou como ação terrorista de fanáticos contra civis israelenses inocentes, tornou-se punição coletiva de todo o povo palestino. São mais de 40 mil vítimas fatais, em sua maioria mulheres e crianças. O direito de defesa transformou-se no direito de vingança, que impede um acordo para a liberação de reféns e adia o cessar-fogo — disse Lula. — O uso da força, sem amparo no Direito Internacional, está se tornando a regra.

O presidente citou ainda o que chamou de "triste recorde" do maior número de conflitos em andamento no mundo e ressaltou que os recursos gastos com armas poderiam ser direcionados para o combate à fome e ao enfrentamento da crise climática.

— (O ano de) 2023 ostenta o triste recorde do maior número de conflitos desde a Segunda Guerra Mundial. Os gastos militares globais cresceram pelo nono ano consecutivo e atingiram US$ 2,4 trilhões. Mais de US$ 90 bilhões foram mobilizados com arsenais nucleares. Esses recursos poderiam ter sido utilizados para combater a fome e enfrentar a mudança do clima — declarou.

Crise climática

Com a Amazônia, o Pantanal e outras regiões do país em chamas, Lula evitou se defender de possíveis cobranças ao governo brasileiro ao dizer que não se exime de responsabilidade, e deixou claro que não pretende pedir ajuda internacional para acabar com os incêndios — uma tentativa de mostrar que o Brasil tem soberania sobre a Floresta Amazônica.

— O meu governo não terceiriza responsabilidades nem abdica da sua soberania. Já fizemos muito, mas sabemos que é preciso fazer mais. Além de enfrentar o desafio da crise climática, lutamos contra quem lucra com a degradação ambiental. Não transigiremos com ilícitos ambientais, com o garimpo ilegal e com o crime organizado — disse ele.

Durante seu discurso, o presidente citou os incêndios florestais que se alastraram pelo país e já "devoraram" 5 milhões de hectares apenas no mês de agosto, e cobrou que países mais pobres tenham auxílio financeiro para combater o avanço das mudanças climáticas. Por último, prometeu que o desmatamento na Amazônia será erradicado até 2030.

— No sul do Brasil tivemos a maior enchente desde 1941. A Amazônia está atravessando a pior estiagem em 45 anos — ressaltou. — Estamos condenados à interdependência da mudança climática. O planeta já não espera para cobrar da próxima geração e está farto de acordos climáticos não cumpridos. Está cansado de metas de redução de emissão de carbono negligenciadas e do auxílio financeiro aos países pobres que não chega.

Segundo o monitoramento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a alta de queimadas no Brasil nos últimos meses resultou em um aumento de 100% de focos de calor na comparação com os dados de 2023. Dados do instituto mostram que o país já registrou 159.411 focos desde o início do ano, em 2024. No mesmo período do ano passado, a quantidade era a metade: 79.315.

— O negacionismo sucumbe ante as evidências do aquecimento global. Dois mil e vinte e quatro caminha para ser o ano mais quente da história moderna. Furacões no Caribe, tufões na Ásia, secas e inundações na África e chuvas torrenciais na Europa deixam um rastro de mortes e de destruição — disse o presidente.

'Plataformas sem regras'

Em outra frente, Lula criticou a "falta de regras" no ambiente digital, no momento em que a rede social X, do bilionário Elon Musk, está suspensa no Brasil após descumprir ordens em série do Supremo Tribunal Federal (STF).

— O futuro de nossa região (América Latina) passa, sobretudo, por construir um Estado sustentável, eficiente, inclusivo e que enfrenta todas as formas de discriminação. Que não se intimida diante de indivíduos, corporações ou plataformas digitais que se julgam acima da lei. A liberdade é a primeira vítima de um mundo sem regras.

Lula ainda defendeu a necessidade de uma "governança intergovernamental da Inteligência Artificial" e que respeite os "os direitos humanos, proteja dados pessoais e promova a integridade da informação":

— Na área de Inteligência Artificial, vivenciamos a consolidação de assimetrias que levam a um verdadeiro oligopólio do saber. Avança a concentração sem precedentes nas mãos de um pequeno número de pessoas e de empresas, sediadas em um número ainda menor de países.

Mulheres na ONU

O presidente também voltou a defender em seu discurso a necessidade de uma reforma nos organismos globais, defendendo a entrada de mais países no Conselho de Segurança da ONU — uma bandeira brasileira — , e destacou o fato de uma mulher nunca ter ocupado o principal cargo de comando do organismo.

Por último, o presidente brasileiro criticou o embargo econômico a Cuba e disse que a população do país é que paga o preço.

— É injustificado manter Cuba em uma lista unilateral de Estados que supostamente promovem o terrorismo e impor medidas coercitivas unilaterais, que penalizam indevidamente as populações mais vulneráveis.

Defesa da democracia

À tarde, Lula e o premier da Espanha, Pedro Sánchez, lideram um evento paralelo denominado “Em defesa da democracia: Lutando contra extremismos”. A reunião será em formato de mesa redonda.

Lula ainda terá uma série de reuniões ao longo do dia. Conversará com o rei Abdullah II, da Jordânia; participará de uma reunião fechada com Sánchez; e se encontrará com o presidente da França, Emmanuel Macron. Também está prevista uma reunião com o presidente do Grupo Fitch, Paul Taylor, num momento em que o governo tenta conquistar de volta o grau de investimento de agências de classificação de risco.

As propostas do G20 voltarão a ser discutidas na quarta-feira, último dia de Lula em Nova York, em uma reunião com líderes do grupo. Outros países que não fazem parte do bloco serão convidados.


Fonte: O GLOBO