Destruição é resultado de operações antiterrorismo no território palestino, que tiveram início no fim de agosto; militares afirmam terem matado 23 combatentes

Palestinos observam a destruição após um ataque do exército israelense em Tulkarem, no norte da Cisjordânia ocupada, em 12 de setembro de 2024 — Foto: Zain JAAFAR/AFP

Durante duas semanas, os palestinos assistiram as escavadeiras militares israelenses destruírem quilômetro após quilômetro de suas ruas e becos, com o esgoto se infiltrando nos sulcos empoeirados deixados para trás. Os habitantes de Tulkarem e Jenin, as duas cidades da Cisjordânia que foram o foco dos últimos ataques militares de Israel, disseram que nunca haviam experimentado tamanha escala de destruição.

Os moradores citaram um vídeo que mostra uma escavadeira blindada israelense destruindo uma rotatória decorativa e a vegetação próxima. As evidências visuais analisadas pelo jornal americano New York Times corroboram os relatos dos moradores sobre os danos causados pelas últimas incursões israelenses. Vídeos filmados em Tulkarem e Jenin mostram escavadeiras destruindo a infraestrutura e comércios, e soldados impedindo o atendimento de emergência local.

— Vimos as escavadeiras destruírem ruas, demolirem comércios, farmácias e escolas. Eles até demoliram o campo de futebol da cidade e uma árvore no meio de uma estrada — contou Kamal Abu al-Rub, governador de Jenin, província no norte da Cisjordânia. — Qual foi o objetivo de tudo isso?

No fim de agosto, os militares israelenses lançaram um de seus ataques mais extensos e mortais na Cisjordânia em anos, uma escalada em relação aos ataques realizados praticamente todas as noites que se tornaram a norma desde os ataques de 7 de outubro liderados pelo Hamas.

Israel descreveu as operações como esforços de contraterrorismo, com o objetivo de erradicar o Hamas e outros combatentes armados que aumentaram seus ataques contra os israelenses. Os militares disseram que encontraram estoques de armas em suas recentes operações no norte da Cisjordânia, mataram 23 combatentes e prenderam 45. Um soldado israelense foi morto em Jenin, segundo o relatório.

Em uma resposta a uma lista detalhada de perguntas do Times, os militares israelenses disseram que operaram de acordo com a lei internacional e "tomaram todas as precauções possíveis para evitar danos à infraestrutura essencial". O governo israelense disse que os engenheiros militares tiveram que realizar tais operações para desmatar estradas ou destruir depósitos de armas escondidos em propriedades privadas.

Mas reconheceu que essas "operações na área causaram danos inevitáveis a certas estruturas civis".

Os moradores de Jenin e Tulkarem, cidades com um histórico de rebelião contra a ocupação israelense, há muito tempo estavam acostumados a ataques noturnos direcionados. Mas muitos deles que falaram com o Times disseram que os ataques que duraram nove dias em Jenin e outros mais em Tulkarem foram muito além, observando que a extensão das estradas e da infraestrutura danificadas superou qualquer ataque anterior.

Vários distritos foram declarados "zonas de desastre", segundo as autoridades, porque tantos prédios foram bombardeados ou explodidos que ameaçaram a estabilidade de toda a vizinhança. E as incursões que antes se concentravam nos campos de refugiados se espalharam mais profundamente em outras partes da cidade.

Grupos de direitos humanos também acompanharam a intensificação do uso de ataques aéreos pelas forças israelenses na Cisjordânia, o que, segundo eles, viola o direito internacional.

— Eles estão impondo condições, materiais e psicológicas, que fazem as pessoas sentirem que Gaza está chegando até você — disse Shawan Jabarin, diretor da al-Haq, um grupo de direitos humanos sediado na Cisjordânia. — Há um sentimento entre os palestinos da Cisjordânia de que o que está por vir é muito ruim, que será um plano para nos matar e expulsar.

'Sequência interminável de ataques'

As operações mais recentes começaram na madrugada de 28 de agosto, quando os moradores de Tulkarem e Jenin acordaram com escavadeiras militares israelenses destruindo ruas.

A escavação danificou tubulações de água e esgoto. Em Tulkarem, onde fica um dos maiores campos de refugiados da Cisjordânia, vídeos mostraram água jorrando em uma rua do que parecia ser uma tubulação de água destruída.

Durante meses, os ataques israelenses destruíram estradas e outras infraestruturas que as autoridades locais disseram ter consertado várias vezes, apenas para ver seu trabalho ser destruído novamente no ataque seguinte.

Mapa mostra locais na Cisjordânia onde ocorreram incursões do Exército israelense — Foto: Arte O GLOBO

Muhanad Matar, chefe de relações gerais do município de Tulkarem, estimou que, somente nas últimas operações, mais de 90% das linhas de água e esgoto foram destruídas.

Em Jenin, cerca de 70% das estradas foram danificadas ou destruídas pelos recentes ataques, de acordo com o prefeito, Nidal Obeidi. A internet, a eletricidade e as linhas telefônicas foram desligadas em algumas áreas. As linhas de esgoto e água também foram cortadas, deixando cerca de 80% da cidade de Jenin sem água encanada, segundo as autoridades locais, incluindo o hospital principal.

— O problema de tentar calcular os custos é que eles não param — disse Matar. — É uma sequência interminável de ataques.

Comércios destruídos

As escavadeiras israelenses também invadiram áreas comerciais. Vídeos mostraram as escavadeiras escavando ruas na Cinema Square, o coração do distrito comercial de Jenin.

Os militares israelenses disseram que o risco de militantes esconderem explosivos exigia o uso de "ferramentas de engenharia ao entrar em áreas onde as organizações terroristas operam, a fim de descobrir os eixos onde os dispositivos explosivos foram plantados e para remover o perigo que surge do uso de estruturas civis pelas organizações terroristas".

Os moradores destacaram esses esforços como exemplos de destruição desnecessária. Os proprietários de comércios locais que falaram com o Times insistiram que essa área não tinha vínculos com os combatentes da cidade.

Rami Kmail, de 35 anos, é o proprietário do Rami Center, com vista para a praça — um prédio de esquina com uma vitrine vermelha. Kmail disse que sua loja foi danificada em dez ataques israelenses desde 7 de outubro. Os reparos custaram até US$ 20 mil (R$ 109,5 mil) em cada um deles. Como outros lojistas, ele parou de substituir alguns vidros de janelas e letreiros da loja.

— Não havia como acompanhar o custo — disse ele.

Kmail insistiu que esse tipo de destruição tinha como objetivo prejudicar a sociedade e o seu dia-a-dia.

— Pareceu que éramos os alvos. Isso ficou muito claro, houve um esforço intencional para destruir os comércios — disse ele. — Eles acham que estão ensinando uma lição às pessoas. A mensagem do exército é: Ninguém vai sair dessa sem ser punido.

Chamadas de emergência não atendidas

Talvez o custo mais alto das invasões tenha sido o efeito sobre o atendimento médico. Vários vídeos mostraram ambulâncias incapazes de transitar pelas estradas destruídas. Os motoristas desses veículos disseram que, às vezes, não conseguiam encontrar rotas alternativas entre as estradas cheias de crateras. Mesmo quando as estradas estavam intactas, as escavadeiras israelenses, segundo outros vídeos, pareciam bloquear a passagem de veículos de emergência.

Mahmoud al-Saadi, chefe da filial do Crescente Vermelho em Jenin, disse que os pedidos de ajuda aumentaram significativamente durante os recentes ataques. Suas equipes, segundo ele, não conseguiram atender de 500 a 600 chamadas por dia porque simplesmente não conseguiam alcançá-los.

O aumento repentino de chamadas não estava relacionado apenas aos combates, disseram os médicos e as autoridades municipais, mas também aos soldados que cercavam os hospitais. Os soldados, segundo eles, permitiam a entrada apenas de ambulâncias e não de veículos civis, de modo que os socorristas também tinham que escoltar os pacientes que precisavam de tratamentos regulares, como diálise ou radioterapia. Um vídeo mostrou soldados israelenses inspecionando uma ambulância em Jenin.

Os militares israelenses, em resposta ao Times, disseram que "não pretendem prejudicar a equipe médica. No entanto, em vários casos, os terroristas realizaram ataques terroristas por meio da exploração de ambulâncias e instituições médicas".

Como resultado, o exército disse que "foi obrigado, em alguns casos, a revistar ambulâncias que saem dos campos e vilarejos", mas disse que tentou minimizar os atrasos.

Aumento dos ataques aéreos

Desde que a segunda intifada, ou levante, terminou no início dos anos 2000, os ataques aéreos israelenses na Cisjordânia têm sido extremamente raros. Depois de 7 de outubro, os ataques aéreos de drones, caças e helicópteros aumentaram rapidamente, matando 41 palestinos somente em agosto — mais do que em qualquer outro momento em quase duas décadas, de acordo com o Escritório da ONU para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA) e o grupo de direitos al-Haq.

Em seu último ataque, os militares israelenses disseram que realizaram 50 ataques aéreos "em edifícios, infraestrutura e locais de armazenamento de armas". Também disseram que lançaram ataques direcionados contra militantes. Um vídeo publicado pelos militares mostra o que parecem ser homens armados sendo encurralados por um veículo militar israelense. Quando eles abrem fogo e tentam fugir, um ataque aéreo mata um deles enquanto foge.

Esses ataques aéreos violam as obrigações de Israel sob a lei internacional, disse Sari Bashi, diretor de programa da Human Rights Watch (HRW), que estipula que uma potência ocupante deve conduzir operações de segurança como uma força policial, não como um exército.

— Uma de nossas preocupações é que a força letal seja, na verdade, um primeiro recurso, que o Exército israelense está tentando matar pessoas, em vez de prendê-las, em circunstâncias em que é possível prendê-las — disse ela.

O Exército israelense disse que havia cumprido a lei internacional e que os ataques aéreos "são realizados nos casos em que a opção de prisão foi descartada em vista do risco imediato para as forças".

O escritório da ONU e o al-Haq documentaram mais de 150 palestinos mortos por ataques aéreos na Cisjordânia desde 7 de outubro. Os palestinos em Jenin e Tulkarem dizem que temem cada vez mais os drones que quase constantemente circulam sobre suas cabeças. Médicos e trabalhadores municipais que consertam estradas dizem que são vigiados por drones e que, às vezes, são alvejados.


Fonte: O GLOBO