Carros e casas também foram incendiados durante ofensiva, afirmam relatos, e pelo menos um colono foi detido; ação foi condenada por autoridades israelenses, EUA e União Europeia
Homem palestino de pé atrás de uma janela cravada de balas após um ataque israelense durante a noite a um campo de refugiados localizado a leste de Nablus, na Cisjordânia ocupada — Foto: ZAIN JAAFAR/AFP
Segundo o Ministério da Saúde palestino, um homem de 23 anos morreu atingido "pelas balas dos colonos" durante o ataque no povoado de Jit, acrescentando que outro palestino foi gravemente ferido com um tiro no peito. Os colonos também teriam incendiado "muitos veículos", de acordo com a agência de notícias palestina Wafa. O grupo de direitos israelense Yesh Din afirmou nesta sexta-feira que seis carros foram incendiados, além de quatro casas. À AFP, o palestino Hassa Arman afirmou que o objetivo dos colonos era apenas um: "Queimar, matar e destruir."
— Havia cerca de cem colonos. Eles estavam mascarados, vestidos de preto, armados e alguns tinham facas. Parecia planejado. Eles não pareciam crianças, pareciam adultos — descreveu Arman, que mora na vila, ao jornal israelense Haaretz. — Quando saí para ver o que estava acontecendo, eles me atacaram com gás lacrimogêneo. Eles incendiaram meu carro e destruíram outro, e então continuaram para dentro da vila, após atacar mais carros nas proximidades. O exército chegou cerca de uma hora depois, eles levaram seu tempo e os deixaram fazer o que quisessem.
Homem de pé ao lado de carros queimados aponta para os danos em sua casa, um dia após um ataque de colonos judeus na vila de Jit, perto de Nablus, na Cisjordânia ocupada — Foto: JAAFAR ASHTIYEH/AFP
Perguntado pela AFP, um porta-voz do Exército israelense disse que por volta das 20h (14h de Brasília), "dezenas de civis israelenses, alguns encapuzados, entraram em (...) Jit, incendiaram veículos e infraestruturas na região, e atiraram pedras e coquetéis molotov". Enviados ao local, soldados e membros da polícia fronteiriça "deslocaram os civis israelenses da cidade", acrescentou o porta-voz, informando que um colono foi detido.
Violência recrudesce
Palestinos acusam regularmente as forças de segurança israelenses de ficarem inertes e permitirem que grupos de colonos ataquem suas casas e vilarejos. Desde o início da guerra em Gaza, após o ataque terrorista do Hamas em 7 de outubro ao sul de Israel, a violência explodiu na Cisjordânia: pelo menos 633 palestinos foram assassinados por soldados e colonos israelenses e pelo menos 18 israelenses morreram em ataques palestinos ou em operações do Exército israelense neste território, segundo dados de ambos os lados.
Em uma publicação no X, o presidente israelense escreveu: "Condeno firmemente o pogrom desta noite em Samaria", usando o nome da província bíblica que corresponde ao norte da Cisjordânia, um território ocupado por Israel desde 1967. Herzog assegurou que se trata de "uma minoria extremista que prejudica a população de colonos respeitosa à lei, à colonização em seu conjunto e a Israel no mundo".
O líder de uma aliança de esquerda conhecida como Democratas, Yair Golan, rebateu a afirmação, dizendo que "não é uma minoria extremista e um problema menor, mas um grupo violento que conta com enorme apoio do governo". Golan acusou o premier israelense de levar "representantes dos manifestantes em Jit para o Knesset [Parlamento israelense] e os nomeou ministros", exigindo uma mudança de governo.
Pessoas avaliam os danos um dia após um ataque de colonos judeus na vila de Jit, perto de Nablus, na Cisjordânia ocupada — Foto: ZAIN JAAFAR/AFP
Netanyahu, líder do Likud, partido de direita de Israel que governa desde dezembro de 2022 com o apoio de partidos de extrema direita, defende a ampliação da colonização na Cisjordânia e, inclusive, a anexação íntegra deste território palestino ocupado desde 1967. Apesar disso, seu gabinete assinalou que "recebe com gravidade os distúrbios que ocorreram à noite no povoado de Jit" e disse que "os responsáveis por qualquer ato criminoso serão detidos e perseguidos pela justiça".
O ministro das Finanças de Israel, Bezalel Smotrich, afirmou em uma publicação no X que os colonos em Jit não tinham "nada a ver com os assentamentos e os colonos", dizendo que os agressores são "criminosos que devem ser tratados pelas autoridades policiais com toda a força da lei". Smotrich é um dos defensores dos assentamentos ilegais nos territórios palestinos e trabalha para acelerá-los.
Em meados de julho, a Corte Internacional de Justiça (CIJ), principal órgão judicial da ONU, declarou que as políticas de assentamento de Israel na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental — reivindicada pelos palestinos como capital de um futuro Estado — violam o direito internacional, denunciando o que chamou de “fracasso sistemático” do governo israelense em impedir a violência de colonos na região. Nesta sexta, a organização descreveu o ataque em Jit como "horrível" e destacou que, "em geral, estamos vendo impunidade" para tais ataques.
— O que é impressionante e importante lembrar é que o assassinato de ontem em Jit não é um ataque isolado, e é a consequência direta da política de assentamento de Israel na Cisjordânia —afirmou a porta-voz do escritório de direitos humanos da ONU, Ravina Shamdasani, em uma entrevista coletiva.
O ministro da Segurança Nacional, o político de extrema direita Itamar Ben-Gvir, também condenou o ataque, afirmando que os cidadãos não devem fazer justiça com as próprias mãos. Apesar disso, pareceu atribuir parte do ataque ao Exército israelense, afirmando que o "fato dos militares não recebem apoio para atirar em terroristas que atiram pedras leva a incidentes como o desta noite."
O Hamas “condenou um plano de erradicação fascista do ocupante terrorista contra nosso povo na Cisjordânia” e o Ministério das Relações Exteriores da Palestina chamou a ação de "terrorismo de Estado organizado".
Repercussão internacional
O chefe da diplomacia da UE, Josep Borrell, anunciou sua intenção de propor sanções “contra aqueles que permitem colonos violentos, incluindo alguns membros do governo israelense", e a Casa Branca, um dos principais aliados de Israel, afirmou que os ataques de colonos contra os civis palestinos eram "inaceitáveis e deveriam parar".
— Autoridades israelenses devem tomar medidas para proteger todas as comunidades de danos. Isso inclui intervir para parar tal violência e responsabilizar todos os perpetradores de tal violência — afirmou um porta-voz.
Em uma ação considerada sem precedentes por parte dos EUA, o presidente Joe Biden assinou no início deste ano uma ordem executiva impondo sanções a indivíduos ligados a ataques cometidos por colonos contra palestinos na Cisjordânia. As ações, segundo o conselheiro de Segurança Nacional, Jake Sullivan, em comunicado "buscam a promoção de paz e segurança apra israelenses e palestinos."
O Ministério das Relações Exteriores francês, alemão e britânico também condenaram os ataques na Cisjordânia, descrevendo-os como "inaceitáveis" e "abominável". A França alertou ainda sobre o potencial impacto nas negociações de cessar-fogo em Gaza, que seguem pelo segundo dia seguido neste sexta-feira, em Doha, no Catar.
'Já estamos mortos por dentro'
A pouco mais de 90 km da Cisjordânia, o Exército israelense ordenou nesta sexta-feira um novo deslocamento aos palestinos que residem em Khan Younis, no sul, e na parte leste de Deir al-Balah, no centro de Gaza, em regiões anteriormente designadas como áreas seguras. Os militares israelenses alegam que as áreas foram usadas pelo Hamas como base para disparar morteiros e foguetes contra o seu território.
As Forças Armadas afirmaram que distribuíram folhetos de alerta e mensagens de texto para comunicar os palestinos sobre a ordem para deslocamento. "O aviso prévio aos civis está sendo emitido para mitigar os danos à população civil e permitir que os civis se afastem da zona de combate", informaram os militares, segundo um comunicado divulgado pela agência de notícias Reuters.
— De qualquer forma, nada pior pode nos acontecer, já estamos mortos por dentro — lamentou Nariman al Madhun, uma pessoa deslocada da Cidade de Gaza.
Criança espia pela janela de um carro enquanto palestinos fogem com seus pertences de Deir el-Balah, no centro da Faixa de Gaza — Foto: EYAD BABA/AFP
Nesta sexta-feira, testemunhas relataram bombardeios israelenses em Gaza, enquanto o Exército israelense afirmou ter “eliminado terroristas”. Um dia antes, o número de palestinos mortos chegou a 40 mil, segundo o Ministério da Saúde de Gaza, enclave controlado pelo Hamas desde 2007. A marca foi alcançada em meio ao retorno das negociações para uma trégua em Gaza e a libertação dos reféns remanescentes.
As conversas são baseadas em um plano anunciado em 31 de maio por Biden, que prevê uma primeira fase com uma trégua de seis semanas e a retirada das tropas israelenses das áreas densamente povoadas de Gaza, bem como uma troca de reféns israelenses por prisioneiros palestinos. Também têm como objetivo evitar uma conflagração regional após as ameaças do Irã contra Israel, que prometeu vingar o assassinato do líder do Hamas, Ismail Haniyeh, em um ataque em Teerã, atribuído ao Estado judeu. (Com AFP)
Fonte: O GLOBO
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