Ministros divergem sobre norma que estende punição a siglas federadas por ausência de prestação de contas

Uma resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre punições a partidos que integram uma mesma federação desencadeou críticas das legendas e levou dois ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) que também compõem a Corte eleitoral a se posicionarem em lados opostos nos bastidores — de um lado, Cármen Lúcia, atual presidente do tribunal; do outro, André Mendonça.

Em um espaço de 12 dias, Mendonça suspendeu e depois manteve a regra, publicada em fevereiro. A norma em questão prevê que, caso um diretório partidário seja suspenso por não prestar contas, a sanção se estende a todas as siglas da federação naquela cidade. Por exemplo, se um partido da Federação Brasil da Esperança, composta pelo PT, PV e PCdoB, tenha seu órgão municipal suspenso, toda a federação ficará impedida de participar da eleição naquela cidade. Na prática, a omissão de um afetaria também os outros dois partidos.

Interlocutores do TSE criticaram nos bastidores a decisão do ministro de suspender a resolução, enquanto as legendas — inclusive o PT — elogiaram a iniciativa do magistrado indicado por Jair Bolsonaro, apesar do recuo.

Ainda nos bastidores, integrantes do TSE e do STF que acompanham de perto as discussões afirmam que houve pressão de integrantes da Corte Eleitoral e do STF para que Mendonça reconsiderasse a sua decisão sob argumento que uma decisão individual não poderia suspender uma regra aprovada de forma colegiada para as eleições. Além disso, um parecer técnico do TSE encaminhado ao Supremo depois que Mendonça suspendeu a norma diz não haver tempo hábil para alterar os sistemas para adaptá-los novamente considerando apenas as suspensões individuais dos partidos.

Procurados, o TSE e o gabinete do ministro André Mendonça no STF não quiseram se manifestar.

Hoje, existem três federações, envolvendo sete partidos, válidas até 2026. A maior delas reúne PT, PCdoB e o PV; outra com PSDB e Cidadania; e a que une PSOL e Rede. As eleições de outubro marcam a estreia desse modelo nos pleitos municipais.

Em abril, os partidos que estão federados resolveram acionar o STF para suspender a regra sob o argumento de que essa extensão do impedimento para as federações é inconstitucional. O caso caiu nas mãos de Mendonça. No último dia 3, a norma do TSE foi suspensa de forma liminar por Mendonça, que acolheu o argumento das agremiações de que a regra cria uma responsabilidade coletiva inconstitucional e atinge a autonomia partidária. Somente após a decisão cautelar é que a presidência do TSE encaminhou a Mendonça um novo ofício apresentando “informações suplementares e urgentes” indicando “reflexos diretos, imediatos e incontornáveis tecnicamente” da suspensão da regra.

A reviravolta veio no dia 18, quando o ministro reconsiderou sua decisão e restabeleceu a regra eleitoral — sem deixar de mandar recados a respeito do risco que vê na regra do TSE para a autonomia partidária.

A Corte argumenta que o sistema usado não permite a separação dos votos. Ou seja, se o eleitor votasse na legenda do partido federado suspenso, o voto seria computado para toda a federação, o que a beneficiaria.

Para Mendonça, as conclusões prestadas pelo tribunal “parecem tornar ainda mais evidentes as alegadas violações à autonomia dos partidos políticos organizados em federação”. Segundo o ministro, os argumentos técnicos do TSE ilustram um cenário que resulta em um “esvaziamento total” da identidade de cada partido federado, “tornando inexequíveis quaisquer decisões que busquem preservar os campos de atuação singulares a determinada agremiação”.

Análise no STF

Dois ministros do TSE ouvidos reservadamente concordam com o teor da decisão de Mendonça e criticam a postura de Cármen ao insistir para manter a regra. Interlocutores do STF, porém, ponderam para o impacto negativo que a suspensão liminar de uma norma aprovada desde fevereiro poderia causar. A questão, contudo, ainda deve ter o seu mérito analisado pelo plenário, ainda sem data definida.

Presidente do PT, a deputada federal Gleisi Hoffmann (PR) diz que a medida “enfraquece demais” as federações. No dia em que Mendonça reconsiderou sua decisão, a parlamentar chamou a medida de “manobra de Cármen Lúcia”.

— É uma intromissão excessiva do Judiciário na política partidária e que vai acabar inviabilizando uma série de candidaturas Brasil afora — diz.

Luiz Gustavo Andrade, da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), explica que, na federação, os partidos mantêm sua própria gestão interna:

— Parece-me incoerente garantir autonomia aos partidos federados para autogestão e exigir que outro partido federado possa ser responsabilizado por contas não prestadas.


Fonte: O GLOBO