Campo político que costuma pautar discussões nas redes foi minoria também na defesa da PEC das Praias. Engajamento de artistas pende balança para a esquerda
Embora seja bastante ativa e chegue a dominar várias discussões nas redes sociais, o bolsonarismo e a direita se viram derrotados nesse campo virtual em relação a três propostas legislativas deste campo político que repercutiram, e mal, no fim do primeiro semestre. A participação de artistas e uma desavença entre a atriz Luana Piovani e o jogador Neymar em um dos casos tiveram influência.
Para analistas da comunicação digital, também foram cruciais a forma como as propostas foram apresentadas e as consequências práticas que teriam, apontadas pelos seus críticos, além da falta de mobilização conservadora.
No primeiro caso, a discussão entre Luana e Neymar sobre um empreendimento imobiliário em que o atleta é sócio, no litoral de Pernambuco, descambou em bate-boca sobre uma proposta que incluiria na Constituição a possibilidade de venda da parte da União nos terrenos de marinha, que ficam em uma faixa que começa 33 metros depois do ponto mais alto que a maré pode atingir.
Adesões díspares — Foto: Editoria de arte
O risco alegado de que a proposta permitira que as praias fossem privatizadas em todo o país fez a proposta ser imediatamente batizada como PEC das Praias nas redes sociais.
Enquanto influenciadores digitais e celebridades impulsionaram as crítica, a direita não se engajou no debate. Um levantamento da consultoria Arquimedes contabilizou 587 mil publicações no X sobre o tema, entre 23 de maio e 5 de junho, das quais 86,5% eram contrárias à PEC.
A minoria de publicações a favor basicamente alegou que o projeto não era para privatizar as faixas de areia, como insistiu no Congresso o relator do texto, senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Senadores conservadores na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde a proposta tramitava — Marcos Rogério (RN), Carlos Portinho (RJ) e Magno Malta (ES) — ausentaram-se da discussão.
A segunda derrota digital foi com o projeto de lei defendido pelo deputado Sóstenes Cavalcante (PL-SP), líder da bancada evangélica, que equipara o aborto após 22 semanas de gestação ao crime de homicídio, inclusive em caso de estupro. A Arquimedes mapeou 2,3 milhões de publicações entre o dia 12 e a tarde do dia 14 do mês no X sobre o tema, e 88% delas eram contrárias ao texto.
— Constatamos a reação de um grupo muito diverso, uma movimentação próxima à frente ampla observada na eleição de 2022. Houve uma habilidade dos opositores em traduzir o ponto principal da proposta e o motivo pelo qual eram contra, gerando uma fácil compreensão — aponta Pedro Bruzzi, da Arquimedes.
Além da esquerda, o grupo de críticos ao projeto na plataforma agregou artistas como Anitta, Taylor Swift e Rihanna, a partir da iniciativa da deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP). A parlamentar está entre os nomes apontados como mais influentes no debate pelo levantamento, junto ao ator Paulo Vieira e ao ativista Lázaro Rosa.
Os reforços dos deputados federais Nikolas Ferreira (PL-MG) e Mário Frias (PL-SP) e da senadora Damares Alves (Republicanos-DF) não foram suficientes para que a defesa do projeto passasse de 12% nas redes.
A terceira derrota foi com um projeto apresentado na Câmara de São Paulo prevendo multa de até R$ 17 mil a quem descumprisse requisitos para doar alimentos a pessoas em situação de rua. Segundo a Arquimedes, dos cerca de 140 mil posts entre 27 de junho e o início da noite do dia 3 sobre o projeto, 96% atacaram o texto.
Chamado de “insensível” e “desumano” nos ataques, o vereador que propôs a iniciativa, Rubinho Nunes (União-SP), recuou e se comprometeu a extinguir o projeto. Novamente, Érika Hilton foi atuante neste caso, e ajudou a batizar o projeto como “PL da Fome”.
— Estes casos demonstram como estratégias bem executadas de comunicação e mobilização podem influenciar o debate público e pressionar por mudanças nas políticas controversas — avalia Bruzzi.
Para o diretor da FGV Comunicação Rio, Marco Ruediger, houve perda pontual de espaço dentro da própria base de apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) nos três episódios.
— O medo e a reação ao diferente é o componente central da estratégia de mobilização bolsonarista. Mas existem pautas limites que transcendem esta bolha por também afetar essas pessoas. — aponta Ruediger. — O direito ao acesso à praia, por exemplo, é considerado algo universal. Quando você propõe algo que parece que irá privatizar, gera uma segmentação e perde espaço até no seu eleitorado.
Ruediger destaca o protagonismo de artistas e de outros representantes da sociedade civil no impulsionamento do discurso contrário às propostas. O pesquisador aponta que políticos precisam “calibrar melhor as pautas” para que não haja uma reação até mesmo de sua própria base contra projetos que referendam.
— A polarização vem sendo tratada como algo imutável, mas episódios como esses mostram que ela não é absoluta. Existe um vaso comunicante entre esses dois polos que pode ser chave nas eleições. É interessante trazer o outro lado do espectro político nas questões universais — avalia o diretor da FGV Comunicação Rio.
Fonte: O GLOBO
Embora seja bastante ativa e chegue a dominar várias discussões nas redes sociais, o bolsonarismo e a direita se viram derrotados nesse campo virtual em relação a três propostas legislativas deste campo político que repercutiram, e mal, no fim do primeiro semestre. A participação de artistas e uma desavença entre a atriz Luana Piovani e o jogador Neymar em um dos casos tiveram influência.
Para analistas da comunicação digital, também foram cruciais a forma como as propostas foram apresentadas e as consequências práticas que teriam, apontadas pelos seus críticos, além da falta de mobilização conservadora.
No primeiro caso, a discussão entre Luana e Neymar sobre um empreendimento imobiliário em que o atleta é sócio, no litoral de Pernambuco, descambou em bate-boca sobre uma proposta que incluiria na Constituição a possibilidade de venda da parte da União nos terrenos de marinha, que ficam em uma faixa que começa 33 metros depois do ponto mais alto que a maré pode atingir.
Adesões díspares — Foto: Editoria de arte
O risco alegado de que a proposta permitira que as praias fossem privatizadas em todo o país fez a proposta ser imediatamente batizada como PEC das Praias nas redes sociais.
Enquanto influenciadores digitais e celebridades impulsionaram as crítica, a direita não se engajou no debate. Um levantamento da consultoria Arquimedes contabilizou 587 mil publicações no X sobre o tema, entre 23 de maio e 5 de junho, das quais 86,5% eram contrárias à PEC.
A minoria de publicações a favor basicamente alegou que o projeto não era para privatizar as faixas de areia, como insistiu no Congresso o relator do texto, senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Senadores conservadores na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde a proposta tramitava — Marcos Rogério (RN), Carlos Portinho (RJ) e Magno Malta (ES) — ausentaram-se da discussão.
A segunda derrota digital foi com o projeto de lei defendido pelo deputado Sóstenes Cavalcante (PL-SP), líder da bancada evangélica, que equipara o aborto após 22 semanas de gestação ao crime de homicídio, inclusive em caso de estupro. A Arquimedes mapeou 2,3 milhões de publicações entre o dia 12 e a tarde do dia 14 do mês no X sobre o tema, e 88% delas eram contrárias ao texto.
— Constatamos a reação de um grupo muito diverso, uma movimentação próxima à frente ampla observada na eleição de 2022. Houve uma habilidade dos opositores em traduzir o ponto principal da proposta e o motivo pelo qual eram contra, gerando uma fácil compreensão — aponta Pedro Bruzzi, da Arquimedes.
Além da esquerda, o grupo de críticos ao projeto na plataforma agregou artistas como Anitta, Taylor Swift e Rihanna, a partir da iniciativa da deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP). A parlamentar está entre os nomes apontados como mais influentes no debate pelo levantamento, junto ao ator Paulo Vieira e ao ativista Lázaro Rosa.
Os reforços dos deputados federais Nikolas Ferreira (PL-MG) e Mário Frias (PL-SP) e da senadora Damares Alves (Republicanos-DF) não foram suficientes para que a defesa do projeto passasse de 12% nas redes.
A terceira derrota foi com um projeto apresentado na Câmara de São Paulo prevendo multa de até R$ 17 mil a quem descumprisse requisitos para doar alimentos a pessoas em situação de rua. Segundo a Arquimedes, dos cerca de 140 mil posts entre 27 de junho e o início da noite do dia 3 sobre o projeto, 96% atacaram o texto.
Chamado de “insensível” e “desumano” nos ataques, o vereador que propôs a iniciativa, Rubinho Nunes (União-SP), recuou e se comprometeu a extinguir o projeto. Novamente, Érika Hilton foi atuante neste caso, e ajudou a batizar o projeto como “PL da Fome”.
— Estes casos demonstram como estratégias bem executadas de comunicação e mobilização podem influenciar o debate público e pressionar por mudanças nas políticas controversas — avalia Bruzzi.
Para o diretor da FGV Comunicação Rio, Marco Ruediger, houve perda pontual de espaço dentro da própria base de apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) nos três episódios.
— O medo e a reação ao diferente é o componente central da estratégia de mobilização bolsonarista. Mas existem pautas limites que transcendem esta bolha por também afetar essas pessoas. — aponta Ruediger. — O direito ao acesso à praia, por exemplo, é considerado algo universal. Quando você propõe algo que parece que irá privatizar, gera uma segmentação e perde espaço até no seu eleitorado.
Ruediger destaca o protagonismo de artistas e de outros representantes da sociedade civil no impulsionamento do discurso contrário às propostas. O pesquisador aponta que políticos precisam “calibrar melhor as pautas” para que não haja uma reação até mesmo de sua própria base contra projetos que referendam.
— A polarização vem sendo tratada como algo imutável, mas episódios como esses mostram que ela não é absoluta. Existe um vaso comunicante entre esses dois polos que pode ser chave nas eleições. É interessante trazer o outro lado do espectro político nas questões universais — avalia o diretor da FGV Comunicação Rio.
Fonte: O GLOBO
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