As diplomacias de Argentina e Brasil tentaram, mas falharam em pôr nos trilhos a relação entre Lula e Milei, que vai de conflito em conflito

Na última segunda-feira, por iniciativa do Brasil, os ministros das Relações Exteriores Mauro Vieira e Diana Mondino se falaram por telefone. O chanceler brasileiro, confirmaram fontes dos dois países, queria expressar “surpresa e desagrado” pela decisão do presidente argentino, Javier Milei, de cancelar sua presença na cúpula do Mercosul, dia 8 de julho, no Paraguai, mas, no mesmo fim de semana, participar de evento da extrema direita internacional em Santa Catarina junto com Jair Bolsonaro. 

A resposta de Mondino, confirmaram as fontes, foi se desvincular das opções feitas por seu presidente, das quais, disse ao ministro brasileiro, sequer fora informada com antecipação. Naquele momento, ficou claro que a capacidade da diplomacia de conter uma escalada entre Milei e Luiz Inácio Lula da Silva chegara ao limite.

Desde que o argentino assumiu o poder, em 10 de dezembro passado, o Itamaraty e o Palácio San Martin fizeram notórios esforços para controlar os danos causados pelas graves ofensas de Milei ao brasileiro na campanha de 2023. Mondino realizou uma visita oficial ao Brasil e levou a Lula uma carta de seu presidente na qual foi proposta uma reunião bilateral. O brasileiro nunca respondeu à carta, questionamento dos argentinos que diplomatas brasileiros admitem que procede, embora façam a ressalva de que essa não resposta não pode ser comparada às ofensas de Milei ao presidente brasileiro.

O Brasil, por sua parte, apoiou a Argentina em organismos internacionais, e o Itamaraty realizou gestão frenética e eficiente para destravar o envio de gás ao mercado argentino no fim de maio, em meio a uma crise energética complexa para Milei. A esta altura, dizem fontes dos dois lados, não adianta discutir sobre quem tem mais culpa. A realidade é que atitudes dos dois chefes de Estado, e não de seus governos, levaram a situação ao perigoso estado atual.

Exemplos de iniciativas positivas de ambas Chancelarias sobram. Havia, inclusive, a intenção de promover uma agenda positiva entre os dois países na cúpula do Mercosul, quem sabe até mesmo um primeiro encontro bilateral. Os argentinos alegam que Milei tentou uma aproximação com Lula no encontro do G7 na Itália, e que o presidente brasileiro foi “frio e distante”.

A escalada entre os dois presidentes é vivida com preocupação por diplomatas e empresários. Ficou claro que futuros desdobramentos estão em mãos de Lula e Milei. O brasileiro não cede um milímetro em sua posição de exigir um pedido formal de perdão. Lula, dizem fontes brasileiras, “está magoado”. Milei, como dizem seus colaboradores, está sendo Milei: passou da tentativa de um encontro ao ataque feroz. A impulsividade do presidente argentino não é novidade.

A diplomacia não tem mais nada a fazer. Conseguiu alguns meses de frágil estabilidade na relação, sempre temendo que um passo em falso de algum dos dois lados ameaçasse o vínculo bilateral. Esse dia chegou, e a situação pode piorar ainda mais. Se Milei reiterar as ofensas a Lula em território brasileiro, ao lado do ex-presidente Jair Bolsonaro, a reposta do Brasil será dura.

O país poderá, pela primeira vez desde 1906, convocar seu embaixador na Argentina, Julio Bitelli. A última vez que isso aconteceu, comentam diplomatas brasileiros, foi por decisão do barão do Rio Branco, então ministro das Relações Exteriores do Brasil, em meio a tensões envolvendo a demarcação de fronteiras entre os dois países.


Fonte: O GLOBO