País tem 3 milhões de trabalhadores formais com mais de 60 anos. Patamar é quase o dobro do registrado na década passada

Em um reflexo do envelhecimento da população, o Brasil tem 3,04 milhões de trabalhadores formais com mais de 60 anos, patamar que é quase o dobro do registrado na década passada e que representa 5,8% do total. Em 2012, a proporção era de 3,29%. Os sexagenários são maioria, mas os que já passam das sete ou oito décadas de vida somam mais de 330 mil brasileiros trabalhando formalmente.

Estes trabalhadores, porém, estão concentrados em atividades de baixa qualificação e remuneração, com predomínio de ocupações como motorista de caminhão e de ônibus, cozinheiro, vigia e vendedor.

Os números são de um levantamento do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), a partir de dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) de 2022. Funções de qualificação superior, como médico e professor, também aparecem entre as dez mais frequentes entre trabalhadores com mais de 60 anos, mas com menos destaque.

Coordenador-geral de Estudos e Estatísticas do Trabalho, o economista Felipe Vella Pateo diz que os dados traçam um retrato do mercado para estas faixas etárias, apontando um grupo de profissionais em nível sênior — em um movimento de valorização da experiência —, e para a necessidade de políticas públicas de qualificação para inclusão dos que ocupam funções menos valorizadas.

— Embora esses profissionais demonstrem resiliência e dedicação ao permanecerem ativos no mercado de trabalho em fases avançadas da vida, é imprescindível abordar os desafios que enfrentam, como baixos salários, falta de oportunidades de progressão na carreira e discriminação etária — observa.

O analista do MTE chama atenção para a forte presença de trabalhadores idosos em funções condominiais, como zeladores, porteiros e vigias. E para a longa permanência deles no mesmo emprego:

— São trabalhadores que criam uma relação muito próxima com o local de trabalho, acabam trabalhando por mais tempo. E isso facilita, porque quando um trabalhador mais velho sai do mercado, é muito mais difícil voltar.

Aos 76, o paraibano José Severino da Silva viu gerações de moradores chegarem, crianças crescerem, se tornarem adultas e terem suas próprias famílias: são 40 anos comandando a portaria de um condomínio no Humaitá, na Zona Sul do Rio. Ele chegou quando o terreno ainda era um canteiro de obras. Este ano, na comemoração do aniversário do edifício, ganhou bolo e comemorou junto dos moradores as quatro décadas de trabalho no local.

José Severino da Silva tem 76 anos e é porteiro há 40 no mesmo prédio — Foto: Fabiano Rocha/Agência O Globo

— Já estou aposentado há anos, mas o salário é pouco, preciso trabalhar para complementar. E lavo toda semana 30 carros, dos moradores, para ganhar um trocadinho — diz. — Não penso em parar. Acho que posso até adoecer.

Maria Chao, de 71 anos, também acompanhou o crescimento de gerações, mas de alunos. Em sala de aula há 53 anos, a professora encara a rotina como uma forma de renovação pessoal, já que novas turmas chegam ano após ano com novas demandas e interesses.

Efeito da reforma

Hoje, já aposentada do ensino básico, ainda encara um dia a dia intenso, com dez orientandos de mestrado e doutorado e cinco turmas de graduação (a maioria on-line) de Matemática e Pedagogia da Estácio. Deixar de vez a carreira, está fora dos planos.

— Diminuí o ritmo. Sei que se tivesse cinco turmas presenciais hoje, não daria conta. Fiquei mais seletiva, só ministro disciplinas que me dão prazer. Os sinais vão aparecer, como já apareceram. E aí a gente se adapta. Sigo atenta a eles — afirma.

Aos 71 anos, Maria Chao tem dez orientandos de mestrado e doutorado — Foto: Fabiano Rocha/Agência O Globo

Economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Ana Amélia Camarano avalia que o aumento de idosos na força de trabalho reflete mudanças demográficas e de mercado, mas que as regras da Reforma da Previdência mantêm por mais tempo as pessoas em atividade.

— A população com menos de 30 anos está diminuindo, então ocupações que geralmente eram desempenhadas por jovens, acabam esvaziadas. Além disso, os mais jovens estão mais escolarizados e com dificuldade de aceitar uma função menos qualificada. São ocupações mais precárias, de mais baixa remuneração, que acabam ficando com trabalhadores mais velhos e menos escolarizados – diz.

A demanda das empresas por profissionais mais experientes tem aumentado, principalmente em varejo, consultoria, saúde e serviços financeiros. A percepção é da Maturi, consultoria especializada em conectar companhias e profissionais com mais de 50.

— As empresas estão cada vez mais conscientes da importância da diversidade etária e dos benefícios que ela traz. Elas buscam a experiência, a sabedoria e a estabilidade que esses profissionais oferecem. Além de atenção à qualidade, inteligência emocional, que agregam muito de forma complementar aos jovens — diz o fundador Mórris Litvak.

Para Ana Amélia, do Ipea, há um caminho a percorrer:

— O discurso é verdadeiro, mas, no geral, as empresas ainda não estão com uma preocupação de fato. Pelo contrário: há um viés etarista, muito em função de uma ideia de baixa produtividade e de dificuldades com evolução tecnológica. O preconceito ainda predomina.

A gigante de alimentos Nestlé lançou no ano passado o programa “Experiência que faz bem”, voltado para os profissionais com mais de 50.

Vera Muniz, de 60 anos, foi uma das contratadas. Ela é especialista na Boutique Nespresso no Morumbi, em São Paulo. Já aposentada, diz que segue em atividade principalmente porque a aposentadoria não é suficiente, mas também porque se sente melhor com a rotina profissional:

— Para viajar, ter mais conforto, passear, ter mais qualidade de vida, a gente precisa de dinheiro. Por isso sigo trabalhando. E sigo me relacionando com outras pessoas, tenho amizades de trabalho, tenho uma rotina. Faz bem.

Veja as ocupações mais frequentes de acordo com cada faixa etária

Faixa de 60 anos - 2.713.326 pessoas
  • Assistente administrativo
  • Motorista de caminhão (rotas regionais e internacionais)
  • Auxiliar de escritório
  • Trabalhador de serviços de limpeza e conservação de áreas públicas
  • Porteiro de edifício
  • Professor de nível médio no ensino fundamental
  • Dirigente do serviço público estadual e distrital
  • Cozinheiro
  • Vigia
  • Vendedor do comércio
Faixa de 70 anos - 314.370 pessoas
  • Assistente administrativo
  • Dirigente do serviço público estadual e distrital
  • Porteiro de edifício
  • Motorista de caminhão (rotas regionais e internacionais)
  • Trabalhador de serviços de limpeza e conservação de áreas públicas
  • Vigia
  • Médico clínico
  • Dirigente do serviço público municipal
  • Motorista de ônibus urbano
  • Professor de ensino superior na área didática
Faixa de 80 anos - 21.732 pessoas
  • Assistente administrativo
  • Auxiliar de escritório
  • Dirigente do serviço público estadual e distrital
  • Porteiro de edifício
  • Vigia
  • Dirigente do serviço público municipal
  • Trabalhador de serviços de limpeza e conservação de áreas públicas
  • Trabalhador agropecuário
  • Zelador de edifício
  • Supervisor administrativo
Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego


Fonte: O GLOBO