Em entrevista, Carolina Stuchi pondera que a proposta 'não privatiza as praias literalmente', mas favorece o cercamento do acesso da população a esses espaços

A secretária do Patrimônio Público da União, Carolina Stuchi, afirma que a PEC das Praias “não privatiza as praias literalmente”, mas favorece o cercamento do acesso da população a esses espaços. A proposta prevê a transferência integral de imóveis localizados em terrenos de marinha aos atuais ocupantes.

Hoje, a União detém 17% das áreas construídas numa faixa de 33 metros a partir do mar e recebe taxas como o foro e o laudêmio dos proprietários. Com o novo texto, moradores deixariam de pagar esses valores, mediante a compra da parte federal dos terrenos.

Em entrevista, a secretária do governo diz que essa venda traria um impacto econômico significativo, incluindo a perda de arrecadação de R$ 1,2 bilhão por ano e a remoção de terrenos do patrimônio da União, como as áreas de marinha avaliadas em R$ 213 bilhões. Stuchi aponta ainda que a PEC poderia prejudicar a passagem pública e resultar em conflitos administrativos e jurídicos.

Essa PEC representa a privatização das praias?

Ela não privatiza as praias, literalmente. As praias são bens públicos e ela não altera isso na legislação. Mas ela favorece o cercamento do acesso à praia porque retira a fiscalização da União, que hoje já é difícil. Há embates entre particulares que tentam burlar as regras.

Caso a PEC seja aprovada, quais os impactos econômicos?

O primeiro é o impacto na arrecadação, de R$ 1,2 bilhão por ano. Mas a gente tem também um impacto patrimonial. O patrimônio da União soma R$ 1,72 trilhão. Temos na nossa base 565 mil terrenos de marinha no valor estimado em R$ 213 bilhões, que seriam retirados do patrimônio da União. 

Outro impacto seria na infraestrutura: a exemplo dos terminais portuários privados, que pagam um valor para a União por utilizar aquele terreno. Se tiveram que comprar podem ter que repassar o custo para toda a cadeia produtiva envolvida. Outro exemplo: há um sistema de cabos na Praia do Futuro, em Fortaleza, que leva internet a toda América do Sul. Se tiver um problema lá, pode haver um apagão.

Quanto o governo poderia arrecadar com a venda desses imóveis?

Pelos dados que nós temos o governo poderia arrecadar R$ 213 bilhões, mas se iria se desfazer de um patrimônio que tem um valor inestimável e é absolutamente estratégico.

Qual o impacto da PEC?

A PEC traz duas cascas de banana e podem ter um impacto político importante. Uma delas é que ela acaba com essa faixa de segurança (dos terrenos de marinha), porque ela permite a venda e alienação dos bens, inclusive nessa faixa que hoje é protegida. A segunda coisa é que ao transferir para particulares, estados e municípios: ela retira da União a competência para a fiscalização dessas áreas. Hoje, fazemos uma gestão compartilhada.

E qual seria a consequência disso se os entes vão fiscalizar?

Ela retira poder da União. Aqui do Executivo, a Secretaria, os órgãos federais, que têm algum poder de fiscalização, o Ministério Público Federal e da Justiça Federal também. Caso alguém faça um muro próximo a praia e prejudique a passagem da população, há cobrança, fiscalização e multa.

O governo já disse que a PEC prejudicaria a imagem do Brasil no exterior? Por quê?

A gente deixar de ter o domínio sobre essa faixa de segurança e abrir mão desses bens da União seria ir na contramão daquilo que a legislação internacional está apregoando para proteger os ecossistemas. Cada prédio alto que sobe na frente da praia, altera o vento, altera as dunas, causa prejuízo ambiental que a gente não consegue nem estimar.

Nota do Ministério diz que a PEC aumentaria a insegurança jurídica. Como assim?

Ela simplesmente acaba com o terreno de marinha e transfere a área para os particulares, mas se a pessoa puder ou não quiser comprar? A PEC pressupõe que todo mundo pagaria em dois anos, mas a gente sabe que é impossível porque a gente não tem essas pessoas todas, todas essas áreas demarcadas e cadastradas. E se as pessoas não pagarem, o que a gente faz? Você teria um problema gigantesco, iria criar um caos administrativo e jurídico, porque as pessoas vão judicializar essa situação.

Mas não seria direito das pessoas comprarem?

A legislação já permite que o particular compre se a área estiver fora da faixa de segurança. Mas poucas pessoas querem porque quando vão ver o preço que elas têm que pagar, que é o valor de mercado, elas falam que não vale pagar tão caro e preferem pagar a taxa anual.

Não seria necessário avançar mais?

Talvez falte aí uma escala, possibilidade de fazer isso num volume maior. Acho que a gente tem condição de neste diálogo ir trazendo esses aperfeiçoamentos.

Qual será a estratégia do governo para barrar a PEC?

A gente tem dialogado. Dentro do governo, há pelo menos uns dez órgãos envolvidos. Todo mundo fez o seu pronunciamento técnico em relação aos prejuízos que podem sofrer em relação a PEC. E agora a partir dessa repercussão toda, estamos aproveitando para escutar as críticas e ver os aperfeiçoamentos que esse debate pode trazer.


Fonte: O GLOBO