Após anos de 'sono profundo', sonho da casa própria financiada volta a motivar argentinos, mesmo com a inflação, atualmente em 288%, compondo o custo final dos empréstimos

As reduções de juros na Argentina desde que o presidente Javier Milei assumiu o poder e a aposta de que ele será capaz de domar a inflação estão ressuscitando o financiamento imobiliário de um sono profundo de seis anos. E os argentinos agora fazem filas nos bancos para solicitar empréstimos.

Alguns dos maiores bancos privados e estatais do país afirmaram nas últimas semanas que começarão a oferecer empréstimos imobiliários a taxas de juros entre 3,5% e 8,5% anuais. E isso apesar de os financiamentos serem corrigidos também pela inflação. Nos 12 meses encerrados em abril, a inflação acumula alta de 289,4%.

Os argentinos não se intimidam com as taxas elevadas que terão de pagar, apostando que Milei conseguirá conter a inflação.

— As pessoas estão muito ansiosas, as consultas congestionam nossos canais de comunicação e estamos sobrecarregados — relata Daniel Tillard, presidente do Banco Nación, maior instituição estatal do país.

O banco anunciou que vai liberar cerca de US$ 4 bilhões para financiamento imobiliário nos próximos quatro anos a 40 mil potenciais clientes.

Durante anos, o mercado imobiliário da Argentina foi sufocado por controles cambiais rígidos e taxas de juro entre as mais elevadas do mundo. As vendas de imóveis com financiamento, especialmente na capital, despencaram desde 2018, segundo a associação de cartórios de Buenos Aires.

— A Argentina é o único país do mundo onde as pessoas podem financiar um liquidificador em 12 vezes sem juros, mas compram uma casa com um saco de dinheiro — diz Gaston Rossi, diretor do Banco Ciudad, em Buenos Aires.

O valor máximo do empréstimo oferecido pelos bancos é de aproximadamente US$ 250 mil(R$ 1,28 milhão), com prazo de até 30 anos. Até sexta-feira, o Banco Ciudad já havia recebido pelo menos 11 mil pedidos formais de empréstimos de seus clientes desde que este financiamento foi lançado em 29 de abril, disse Rossi.

— Nunca tive que esperar tanto, as pessoas não conseguiam sentar e lotavam os corredores — disse Santiago Martellono, que visitou uma das agências do Banco Ciudad na segunda-feira depois que o banco anunciou que iria conceder os empréstimos.

Martellono, um advogado de 28 anos, acrescentou que seus amigos também começaram a manifestar interesse:

— Eles não veem outra maneira de comprar uma casa neste país no futuro a não ser com um empréstimo.

Um número crescente de bancos argentinos está disposto a satisfazer essa demanda. O Banco Santander Rio pretende começar a oferecer financiamento imobiliário este mês, e o Banco Macro começou a oferecer empréstimos de até 20 anos na segunda-feira.

A última vez que os bancos concederam empréstimos para a compra de imóveis na Argentina foi entre 2016 e 2018, durante o governo do ex-presidente Mauricio Macri. Na época, o volume de imóveis comprados com financiamento aumentou seis vezes. Mas a demanda elevou o preço médio em dólar por metro quadrado em 27%, uma tendência que poderia se repetir agora, alerta Federico Gonzalez Rouco, economista da Empiria Consultores.

E para que os empréstimos permaneçam atrativos para os consumidores, Milei precisa cumprir sua promessa de controlar a inflação. Por enquanto, os argentinos confiantes de que o presidente continuará segurar a escalada de preços estão ansiosos para investir em algo que possam chamar de seu.

- Os argentinos são culturalmente muito ligados à ideia de investir em propriedade, querem algo físico, tijolos e cimento - disse José Rozados, analista do Reporte Inmobiliario em Buenos Aires.


Fonte: O GLOBO