TSE seguiu relator, que primeiro distribuiu voto pela cassação, depois pela absolvição, e agora decidiu pedir mais provas

A decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de reabrir a coleta de provas na ação que pode levar à cassação do senador bolsonarista Jorge Seif (PL-SC) foi baseada em um acordo construído nos bastidores depois que o relator do caso, Floriano de Azevedo Marques, apresentou uma alternativa para seu voto, com uma nova guinada de postura que surpreendeu os integrantes da Corte Eleitoral.

A surpresa se deu porque, horas antes, o próprio Azevedo Marques já tinha distribuído aos colegas um voto pela absolvição de Seif que não continha nenhuma menção à necessidade de uma nova coleta de provas.

E causou ainda mais estranheza porque, no início de abril, o relator já tinha já tinha compartilhado com os colegas uma primeira versão do voto em que defendia a cassação de Seif.

No primeiro voto, que foi distribuído digitalmente no início de abril aos ministros – e ao qual a equipe da coluna teve acesso – Azevedo Marques propunha a cassação e a declaração de inelegibilidade de Jorge Seif e Luciano Hang, acusado de fornecer ilegalmente a estrutura de sua rede de varejo para a campanha do bolsonarista em 2022.

Já a versão de ontem, pela absolvição, foi entregue aos gabinetes apenas em formato impresso e em envelopes lacrados, numa estratégia usada apenas em casos delicados e para evitar vazamentos.

O conteúdo do voto, porém, foi divulgado pela equipe da coluna.

De acordo com relatos de integrantes do tribunal, depois disso o clima pesou na sala de togas, onde os ministros se reúnem antes do julgamento.

Ali, depois de muitas discussões, foi acertada a saída alternativa da coleta de provas, interpretada não só por membros do tribunal como também por aliados e adversários de Seif como uma manobra de última hora do presidente do TSE, Alexandre de Moraes, para adiar a absolvição do senador bolsonarista.

Isso porque, desde que o julgamento foi iniciado, no início de abril, houve intensa campanha de bastidores para livrar Seif da perda do mandato.

Além de o próprio senador ter feito uma peregrinação por gabinetes de ministros, também participaram da ofensiva o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas – que em 14 de abril nomeou para a procuradoria-geral de Justiça do Estado um jurista recomendado por Moraes — e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

Pacheco também procurou o próprio presidente do TSE e ainda outros ministros da Corte, como Cármen Lúcia, que vinha sinalizando nos bastidores a intenção de votar pela absolvição.

De acordo com interlocutores que estiveram com o presidente do TSE nos últimos dias, teria ficado claro para ele que não haveria votos suficientes para a cassação, o que obrigaria seu grupo no tribunal a tentar um movimento alternativo. Daí o voto pela absolvição e a manobra de última hora.

A ação contra Seif o acusa de abuso de poder econômico por usar a frota aérea da varejista Havan de Luciano Hang, além de sua equipe de funcionários, mobilizando a estrutura da empresa, incluindo dois aviões e três helicópteros, para alavancar a sua candidatura.

O caso tramitou durante 11 meses no Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina (TRE-SC) até o julgamento que o absolveu por unanimidade, em novembro do ano passado.

Já o recurso contra essa decisão, apresentado pela coligação do ex-governador de Santa Catarina Raimundo Colombo, começou a tramitar em fevereiro deste ano no TSE, sob a relatoria de Azevedo Marques.

Os autores da ação, que já tinham desistido de solicitar a coleta de novas provas ao TRE, também não levantaram essa questão preliminar em momento algum no TSE – e nem pediram complementação das provas.

Por isso, na terça-feira, vários adversários de Seif se declaravam surpresos com a decisão do tribunal e com a novidade apresentada por Marques.

Na versão que acabou lida no julgamento, o relator diz ser necessário verificar a lista completa de todas as decolagens e aterrissagens ocorridas nas cidades que Seif visitou no período da campanha, de 16 de agosto de 2022 a 2 de outubro de 2022, e cotejar com a relação de todas as aeronaves da Havan, incluindo as alugadas ou cedidas a terceiros.

“Numa ação de investigação judicial eleitoral, para que sejam aplicadas as sanções muito graves previstas na lei, são necessários alguns requisitos: comprovação efetiva de ato caracterizador de abuso de poder, caracterização dessa conduta como abusiva, porquanto revestida de gravidade intrínseca”, disse Azevedo Marques.

Essas informações devem ser fornecidas ao TSE em 72 horas, mas o ministro não estipulou um prazo para analisá-las e nem para emitir um novo entendimento a respeito do caso.

Isso significa que não há mais nenhuma previsão para que o caso de Seif seja efetivamente julgado.

Mas apesar da surpresa, a decisão do TSE foi quase unânime. O voto de Marques foi endossado por 6 dos 7 ministros presentes. O único a se manifestar contra foi Raul Araújo, que costuma ser mais alinhado ao bolsonarismo.

“Não me parece que estejamos fazendo uma mera conversão em diligência, mas sim reinaugurando a instrução processual. Houve manifestação da parte investigante de que as provas até então apuradas seriam suficientes. Acho que não podemos chegar a tanto”, afirmou Araújo.


Fonte: O GLOBO