Ex-ministro da Fazenda, que criou teto de gastos, alerta para despesas elevadas do governo e defende tornar meta fiscal crível

A estratégia do governo Lula de aumentar as receitas como estratégia para retomar a trajetória positiva nas contas públicas tem limite e não é só político, na avaliação do ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles. Ele, que esteve à frente da criação do teto de gastos, afirma que o novo arcabouço fiscal mostrou preocupação do governo com o déficit público, mas sempre se soube que era uma regra muito dependente das receitas, algo que a mudança nas metas fiscais deixa claro.

A equipe econômica tem insistido na mensagem de que o ajuste fiscal é dever de todos os Poderes, após o revés em algumas medidas propostas para aumentar a arrecadação, além da ameaça de novas bombas fiscais, como o retorno do pagamento de quinquênio para promotores e juízes.

— Isso não é só um problema político. O país tem limite para aumentar impostos para pagar despesas do governo. É importante que as empresas criem empregos, renda, para o país crescer. O nível de receita pública no Brasil já é elevado ante países emergentes. (O esforço fiscal) não pode se basear só no aumento de receitas. Isso ainda que seja bem-sucedido, o que infelizmente o Congresso impede, tem limite — disse Meirelles ao GLOBO.

Para o ex-ministro, o caminho correto seria o governo adotar medidas para tornar as metas já estabelecidas factíveis, não alterá-las para que se tornem críveis. No Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2025, o governo fixou em zero o alvo de resultado primário, contra superávit de 0,50% do PIB, anteriormente. As metas dos anos seguintes também foram reduzidas.

— O que o governo deveria fazer na realidade é tomar medidas para tornar a meta crível. O contrário leva à contínua deterioração do cenário fiscal do país e começa a lembrar o governo Dilma, com foco muito grande nas despesas.

Meirelles considera que atender a demanda por programas sociais é necessário, mas que é possível cortar gastos de outras formas. Ele estima que uma reforma administrativa ampla, por exemplo, poderia gerar uma economia de até R$ 150 bilhões.

— Tem de atender a demanda social sim, mas tendo em vista controlar despesa para que a inflação não suba, o juro não suba e se possa criar empregos.

A alteração das metas se soma a outras iniciativas que podem fragilizar o arcabouço, como a autorização para antecipar um crédito extra de R$ 15,7 bilhões, que está sendo discutida no Congresso.

Segundo Meirelles, ainda que o teto, implantado quando ele estava à frente da Fazenda, tenha sido modificado, teve resultados muito melhores do que o arcabouço, que já é mais flexível ao limitar as despesas. O teto limitava o aumento das despesas à variação da inflação.

— O teto foi implementado por uma PEC, foram sendo apresentadas outras PECs depois (para alterá-lo). O defeito não é do teto, o defeito é usar a máquina furadeira para mudar o teto. Mas, no final do processo, ainda com resultados muito melhores do que o novo arcabouço, que tem mais espaço para criação de despesa, mas já está tendo toda sorte de mudanças.

A equipe econômica assegura que o compromisso com a consolidação fiscal está mantido. Meirelles diz não ter dúvidas das boas intenções dos ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e do Planejamento, Simone Tebet, mas ressalta que é preciso se ater aos fatos:

— Não vamos conseguir entregar o superávit em 2025. Apesar das intenções, das declarações, a economia vive de fatos reais.


Fonte: O GLOBO