No Vasco, o CEO já foi substituído, o diretor de futebol foi trocado duas vezes e agora foi a vez do técnico

Faz uns dois anos, participavam de uma conferência sobre gestão do futebol um executivo e um consultor, ambos com trabalhos em vários clubes, e um jornalista metido a especialista em negócios do esporte — este colunista aqui. Discutíamos a criação da SAF e o que se podia esperar do novo modelo. O executivo estava bastante otimista. A estrutura empresarial, dizia ele, proporcionaria o que a associação civil não consegue: profissionalismo e estabilidade.

Vejamos o que a SAF resultou ao Vasco desde a venda para a 777 Partners. O CEO já foi substituído. Luiz Mello havia sido escolhido para o cargo pelos americanos, mas saiu, sob ameaças de torcedores. Lucio Barbosa assumiu. Já o diretor de futebol foi trocado duas vezes. Paulo Bracks estruturaria o departamento, mas foi demitido ao término da primeira temporada. Alexandre Mattos não durou mais do que três meses. Pedro Martins acaba de ser contratado.

Maurício Barbieri foi o técnico selecionado pelos americanos — pelos experts da holding que eles compraram, com clubes em vários países. Ele caiu após o mau desempenho no primeiro turno do Campeonato Brasileiro de 2023. Ramón Díaz chegou e salvou o time do rebaixamento. No va a bajar! Agora, com a goleada sofrida para o Criciúma na quarta rodada do Brasileirão, além da derrota para o Nova Iguaçu na semifinal do Carioca, o argentino já não serve mais.

Claro que, pela passionalidade do torcedor, compreendo a decisão intempestiva de demitir um técnico que perde de 4 a 0 para o Criciúma. Como é que pode? Com essa diferença de orçamento, de investimento? Quando ligo os neurônios, custo a entender como um trabalho bem avaliado em dezembro pode ter passado a inaceitável em abril. E, se está inaceitável em abril, por que interrompê-lo apenas na quarta rodada, e não antes de o campeonato começar?

Voltemos a falar de estabilidade. Neste fim de semana, circulou nas redes sociais um vídeo no qual Ronaldo “anuncia” a venda do Cruzeiro. Ele está ao lado dos empresários Pedro Lourenço, dos supermercados BH, e Lucas Kallas, do Grupo Cedro. “Eu e meu time reerguemos o Cruzeiro e, logicamente, não vamos ficar aqui para sempre. Vamos vender para vocês. E aí a gente vai ver essa bala toda (risos).”

Há o que comentar sobre a forma e o conteúdo. É assim que se conduz a venda de um clube popular, como o Cruzeiro? É óbvio que Ronaldo um dia venderá a empresa dele, como é comum em qualquer negócio. Sabíamos que esse dia chegaria desde a criação da SAF, embora os discursos fossem de projetos de longo prazo, blá, blá, blá. Tratando-se de uma instituição tão simbólica e passional, como Ronaldo sabe que o Cruzeiro é, no entanto, cuidado com a forma faria bem.

Já sobre o conteúdo, repare bem, o controle sobre o futebol celeste pode mudar de mãos em menos de três anos. Mais rápido do que o mandato de um presidente de associação. Sem ter aportado quase nada dos R$ 400 milhões que a XP, corretora da venda, prometeu na transação. Com os pagamentos de uma recuperação judicial pendurados para que o próximo dono dê conta.

Nada disto faz de mim um detrator da SAF. Se pudesse voltar no tempo para repensar as vendas de Vasco e Cruzeiro, para 777 e Ronaldo, nada mudaria. Antes eles do que as figuras tenebrosas de suas associações. Mas faz bem desconstruir o mito de que a empresa, em si, gera profissionalismo e estabilidade. Ah, sabe o executivo de futebol daquela conferência? Pois é. Ele também já trocou de SAF.


Fonte: O GLOBO