Em tramitação no Congresso, a minirreforma eleitoral pode levar o Brasil a ter o maior mandato de senador entre as principais democracias do mundo. A mudança se soma a outras alterações na legislação em debate no Senado que, para especialistas ouvidos pelo GLOBO, podem contribuir para afastar o eleitor, comprometer a discussão sobre políticas públicas e dificultar a auditoria de contas eleitorais.

Entre os principais pontos controversos apontados pelos especialistas está a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que prevê o fim da reeleição para prefeito, governador e presidente, além da mudança de oito para dez anos no mandato de senador e de quatro para cinco, no caso de chefes do Executivo. O texto de 2022 avançou no Senado na última semana sob a relatoria do senador Marcelo Castro (MDB-PI).

A mudança que permite aos parlamentares do Senado ocupar uma cadeira por uma década é inédita entre democracias europeias e americanas, de acordo com levantamento feito pelo GLOBO junto a dados da União Europeia e da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal).

— Dez anos é muito tempo e diminui a possibilidade de o eleitor ser chamado para ver se concorda com o desempenho daquele parlamentar. (Que) É a dinâmica do regime democrático vital, oxigenado — defende Volgane Carvalho, professor de Direito Eleitoral da PUC-MG.

Na maioria dos países analisados, como Uruguai, França e Estados Unidos, os senadores têm mandato de seis anos — dois a menos do que o período em vigor hoje no Brasil. Já a regra da reeleição é válida em apenas outros cinco países na América Latina, incluindo aqueles sob regimes autoritários, como Cuba e Venezuela. Na Europa, por outro lado, presidentes podem se reeleger em quatro países: França, Alemanha, Itália e Portugal.

Mandato para senador no mundo — Foto: Editoria de Arte

Reeleição em xeque

Para o especialista em Direito Eleitoral Alberto Rollo, a possibilidade de reeleição dá um tom de constante campanha aos representantes do Executivo, que usam bandeiras e ações visando o segundo mandato.

— O político se ancora nas alianças que precisa fazer para ser reeleito. Desde o começo, vemos que a experiência não foi muito positiva — afirmou o advogado em relação à possibilidade de reeleição, autorizada em 1997, que beneficiou quatro dos cinco presidentes que tentaram ser reconduzidos desde 1998.

O argumento é endossado por senadores que querem a aprovação da PEC, tendo o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), como o principal fiador da pauta. Por outro lado, Volgane Carvalho, da PUC-MG, acredita que a vedação pode levar à interrupção na execução de políticas públicas por aumentar a troca de governos, o que compromete sobretudo municípios menores.

Entre os especialistas, porém, há crítica uníssona à proposta de unificar as eleições gerais e municipais em um só ano, também previsto na PEC da reeleição. Castro estuda três cenários que podem levar à migração para o sistema entre 2028 e 2030. Eles avaliam que também geraria ruído na aplicação de políticas públicas por dificultar que o eleitor consiga distinguir as atribuições dos representantes eleitos, como vereadores e deputados federais e estaduais.

— Leva o eleitor muito pouco à urna, o que dificulta uma discussão permanente. Quase nenhum país faz eleição há tanto tempo quanto a gente, desde 1932. Fazíamos mesmo durante nossas ditaduras. Isso mantém o debate político aceso e garante que a população fique menos alheia à política — defende o professor da PUC-MG.

Outra proposta que avança no Senado é a alteração do Código Eleitoral, de 1965. O texto já passou pela Câmara dos Deputados e, se for votado sem alterações, vai para a sanção e pode passar a valer ainda para este ano. A nova redação busca sintetizar jurisprudências já existentes e reestruturar o texto pensando na nova realidade política, com a chegada da inteligência artificial e a demanda por cota de gênero nas eleições.

O novo Código Eleitoral inclui na legislação reserva de 30% de vagas em cada partido ou federação para candidaturas femininas, mesmo percentual que deve ser destinado a elas em recursos do fundo partidário e em espaço em propagandas no período das eleições. A cota já é determinado pela Justiça Eleitoral.

Embora represente um avanço ante o cenário atual, o Brasil ainda fica atrás de países latino-americanas, como México e Argentina, que preveem paridade de gênero na composição de candidaturas, e europeias, como Portugal e Grécia, que reservam 40% das nominatas às mulheres.

A reeleição no mundo — Foto: Editoria de Arte

Instituto de pesquisa


A nova redação, também costurada por Castro na Casa, ainda determina que as empresas sejam obrigadas a apresentar a taxa de acertos em pesquisas de intenção de voto realizadas nas últimas cinco eleições, regra apontada como inédita por Duilio Novaes, presidente da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisas (Abep).

— Eu não conheço um país que tem um detalhamento tão excessivo quanto esse proposto — afirma. — As pesquisas eleitorais medem a opinião do eleitor no momento em que é feita, não tem como prever o futuro. Achei muito estranho ter essa alteração porque não tem o intuito de predição, e sim das tendências.

Pelo texto, outra mudança permite que a auditoria de contas eleitorais seja feita por empresas privadas, com relatório posteriormente avaliado pela Justiça Eleitoral. O ponto é condenado por especialistas por facilitar a fraude na prestação de contas, em especial nas cidades menores, cujas estrutura dos tribunais regionais eleitorais (TREs) são mais deficitárias.


Fonte: O GLOBO