Os candidatos aprovados em lista de espera na seleção atual, iniciada em 2023, ainda vão passar por processos distintos de avaliação da autodeclaração racial

Porto Velho, RO - Após ser alvo de uma ação judicial por indeferir a matrícula de um estudante que se autodeclarava pardo, a Universidade de São Paulo (USP) informou que o aprimoramento do processo de avaliação dos candidatos que concorrem a vagas reservadas para pretos e pardos só deve acontecer no próximo vestibular, em 2025. Entre as mudanças previstas está a realização das bancas de heteroidentificação de forma presencial.

Segundo a instituição, a mudança depende ainda de aprovação de conselhos da universidade. Assim, os candidatos aprovados em lista de espera na seleção atual, iniciada em 2023, ainda vão passar por processos distintos de avaliação da autodeclaração racial.

"O processo de heteroidentificação integra uma política pública em permanente avaliação. Ajustes e aperfeiçoamentos serão debatidos e implementados a partir da experiência acumulada e aprovação dos órgãos colegiados da USP, o que deverá ocorrer em 2025. Só ressaltando que a proposta que as bancas sejam feitas de forma presencial deverá entrar nessa discussão a partir do próximo ano", informou a USP, em nota.

O funcionamento e a composição das bancas variam a depender da universidade, mas o critério geralmente é fenotípico: um candidato é considerado negro ou pardo a partir da cor de sua pele, da textura de seus cabelos e dos traços de seu rosto, ou seja, tem a ver com a aparência e não com a ascendência — não importa se o pai ou mãe da pessoa é negra ou parda. Já no caso de indígenas, a avaliação é por meio de documentação.

Na USP, por exemplo, uma comissão de cinco membros, composta por docentes, estudantes escolhidos pelos Coletivos Negros da USP, um representante da sociedade civil organizada que atue na defesa das ações afirmativas e um funcionário técnico-administrativo eleitos avaliam as fotos de candidatos que se autodeclaram negros e pardos na hora de prestar o vestibular. 

Em caso de dúvida, essas pessoas são chamadas para uma avaliação presencial. Já no caso das universidades federais da Bahia, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e de Brasília, por exemplo, todos os candidatos passam pela banca de heteroidentificação presencial.

Jefferson Bellarmino, pesquisador associado do GEMAA e professor visitante na Penn State University, afirma que as comissões são positivas porque elas podem evitar fraudes nas cotas. Entretanto, ele aponta problemas na falta de um padrão nacional para a prática, o que favorece erros especialmente quando se trata da categoria pardo.

— Precisamos de mecanismos para que essa abordagem de fato iniba pessoas brancas. É preciso discutir uma regulamentação, há problemas procedimentais que precisam ser resolvidos. Como lidar com a categoria pardo? Um dos mecanismos possíveis é que, em caso de dúvida, as pessoas pardas sejam aprovadas, que a dúvida jogue em favor da inclusão e não da exclusão — aponta.

Ele sugere que o país crie um grande grupo de trabalho para discutir uma regulamentação, e ainda destaca que é importante que as instituições sejam mais transparentes em relação aos resultados dessas comissões de heteroidentificação.

— As universidades precisam mostrar de fato se as políticas estão sendo efetivas, elas estão barrando pessoas brancas? É uma política que tem sua validade, mas precisa de parâmetros concretos muito bem estabelecidos. A gente não sabe se as pessoas indiscutivelmente brancas estão sendo barradas. 

Os resultados precisam ser cada vez mais transparentes, assim como os procedimentos, para que essas questões sejam sobrepujadas. Isso depende necessariamente de uma política que homogeneíze os critérios. A política de cotas quando foi criada, foi muito criticada, mas criamos parâmetros que hoje funcionam muito bem — acrescenta.


Fonte: O GLOBO