O ex-comandante do Exército Marco Antônio Freire Gomes chega nesta sexta-feira à Polícia Federal em uma situação de desvantagem em relação a outros personagens que estão na mira das investigações e rodeado de dúvidas sobre o seu papel nas discussões de uma minuta que previa uma intervenção no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Freire Gomes depõe na condição de testemunha, mas corre o risco de se tornar réu, a depender do que a PF concluir no inquérito.
O general da reserva é o último dos ex-comandantes a prestar depoimento à PF depois da operação Tempus Veritatis, que revelou uma série de evidências da participação de Jair Bolsonaro, ex-ministros e oficiais das Forças Armadas em uma tentativa de golpe de Estado.
Por ser último a falar, ele será confrontado com as versões dos fatos já apresentadas antes pelos ex-comandantes da Marinha, Almir Garnier, e o da Aeronáutica, Carlos Eduardo Baptista Júnior, que já prestaram depoimentos.
De acordo com investigadores da PF, o primeiro não disse nada, mas o segundo falou bastante e acrescentou vários elementos novos à investigação.
Além disso, Freire Gomes é mencionado 63 vezes na representação que baseou a operação, sempre em diálogos com o tenente-coronel Mauro Cid, que era o ajudante de ordens de Jair Bolsonaro.
Conforme publicamos há duas semanas, os áudios e transcrições incluídos no documento demonstram que Cid informou ao então comandante do Exército o andamento das reuniões para discutir um golpe no Palácio do Planalto e as alterações feitas na minuta golpista. Mas não trazem nenhuma resposta do então comandante a Cid.
Os investigadores ouvidos pela coluna não revelam se essas respostas existiram e nem se elas serão usadas para confrontar Freire Gomes. Mas confirmam ter elementos novos guardados para “convencer” o general a contar tudo o que sabe.
Outro personagem importante que também deu informações novas que a PF deverá cobrar de Freire Gomes foi o general Estevam Theophilo, que se reuniu com Jair Bolsonaro em dezembro de 2022, quando chefiava o Comando de Operações Terrestres (Coter) e, segundo a delação de Mauro Cid, teria garantido ao ex-presidente que colocaria sua tropa na rua para apoiar um golpe de Estado.
Conforme revelou a colunista Bela Megale, no depoimento à PF prestado na última sexta-feira (23), Theophilo disse que esteve com Bolsonaro por ordem justamente do ex-comandante do Exército.
Freire Gomes também deve ser questionado pelos investigadores sobre a sua inércia diante da mobilização de militantes bolsonaristas, acampados na porta do quartel-general do Exército, em Brasília.
Segundo relatos obtidos pela equipe da coluna, logo no início da mobilização o general foi cobrado por colegas da caserna sobre os riscos de manter os acampamentos – o Exército chegou a suspender operações conjuntas com o governo do Distrito Federal para retirar as tendas e instalações do local, sob a alegação de risco de confronto com os manifestantes.
Na época, o general teria dito que as manifestações não durariam e que bastaria esperar que elas se dissolveriam sozinhas. Não só duraram dois meses como funcionaram como ponto de partida para as invasões golpistas de 8 de janeiro.
Em novembro, quando os acampamentos já se espalhavam por todo o país para contestar a vitória de Lula nas urnas, Freire Gomes assinou uma nota pública em conjunto com Garnier e Baptista Junior defendendo o direito de manifestação e condenando tentativas de restringir esse direito. Na época, o texto foi interpretado como uma resposta aos pedidos públicos para que se retirassem os manifestantes das portas dos quartéis.
"São condenáveis tanto eventuais restrições a direitos, por parte de agentes públicos, quanto eventuais excessos cometidos em manifestações que possam restringir os direitos individuais e coletivos ou colocar em risco a segurança pública; bem como quaisquer ações, de indivíduos ou de entidades, públicas ou privadas, que alimentem a desarmonia na sociedade", dizia a nota, que certamente fará parte do cardápio a ser explorado diante do ex-comandante do Exército na sede da Polícia Federal em Brasília.
Fonte: O GLOBO
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