Reunião destacou Xi Jinping como o líder mais centralizador desde Mao Tsé-tung, que pela primeira vez em três décadas não teve declarações do primeiro-ministro

Tudo na sessão do Legislativo chinês é grandioso, a começar pelo local onde ela é realizada. Aberto em 1959, no 10º aniversário da China comunista, o Grande Salão do Povo cobre uma área de 172 mil metros quadrados no lado oeste da Praça da Paz Celestial, com pé direito de até 46 metros de altura e salões do tamanho de um campo de futebol. Essa imensidão serviu como o cenário perfeito para o personagem principal.

Encerrado na segunda-feira, o encontro anual do Congresso Nacional do Povo (CNP) reuniu quase 3 mil delegados, incluindo membros das 56 minorias étnicas reconhecidas no país, num show de trajes tradicionais cuidadosamente ensaiado para demonstrar a união em torno do Partido Comunista. Entre tantos participantes, não foi surpresa que o único nome que realmente importava era o do líder supremo, Xi Jinping.

Em mais de uma década no topo da pirâmide, já estava mais do que claro que Xi consolidara-se como o líder chinês mais poderoso e centralizador desde Mao Tsé-tung. Ainda assim, o encolhimento do papel de Li Qiang, o primeiro-ministro e número dois na hierarquia comunista, forneceu mais um indício de como o universo político e ideológico chinês gira em torno de Xi, e apenas dele.

Não significa que o sistema seja monolítico, longe disso. Há uma infinidade de instâncias de poder abaixo de Pequim, entre eles os governos locais e as estatais, em que há relativa autonomia para criar meios de cumprir as metas assinaladas no topo. Foi esse espaço que permitiu o surgimento de um sistema econômico único, que desafia classificações ao combinar o papel do Estado com as forças do mercado. Mas o aumento da concentração de poder em torno de Xi tende a inibir a iniciativa e solidificar a estagnação.

A sensação foi reforçada com a decisão tomada este ano de pôr um fim à entrevista coletiva do primeiro-ministro, rompendo uma tradição de três décadas que encerrava a sessão anual do Legislativo. Era uma ocasião única de exibir o número dois do Partido encarando perguntas de jornalistas, ainda que fosse um jogo de cartas marcadas, com temas pré-aprovados. Com o cancelamento de surpresa da coletiva, o tamanho do primeiro-ministro encolheu ainda mais, levando à conclusão de que o mesmo deve se estender a seu papel como o responsável pela política econômica.

Na mesma linha, a última sessão do Legislativo aprovou uma emenda que dá mais poderes ao Partido Comunista sobre o Conselho de Estado, o Gabinete chefiado por Li Qiang. A única surpresa foram os oito votos de oposição, contra 2.883 a favor. Assim como o cancelamento da coletiva do premier, foi um gesto sobretudo simbólico, já que o PC sob o comando de Xi já subvertera havia tempos o princípio de manter Partido e governo separados. Mas foi mais um passo na escalada dirigista estabelecida por Xi.

O resultado é incerto. Em seu discurso na abertura do CNP, Li Qiang mencionou Xi Jinping 18 vezes. Nos corredores do Legislativo, delegados sorridentes destacavam a importância de uma liderança forte diante da armadilha de polarização em que mergulharam outros países. Mas em meio à quebra de confiança de parte da população causada pelas dificuldades da economia, o acúmulo de poder nas mãos de Xi também eleva o perigo de que ele seja o alvo de insatisfação popular.

É um risco que o líder parece estar disposto a correr, em nome do controle sobre os rumos do país.


Fonte: O GLOBO