Setor aposta em produtos que tratam e amenizam efeitos dos raios solares

No verão do calorão, a carioca Rafaella Barbosa, de 23 anos, dona de uma loja on-line, não abre mão dos truques de beleza, mas teve de se adaptar. Renovou seu estoque de maquiagem pouco antes de a estação começar e priorizou produtos que duram mais na pele, resistentes ao suor. Ela gosta de maquiagem pesada, e o calor deixa sua pele oleosa.

— Para manter o acabamento bonito, tive que reforçar o uso do hidratante e do pó, para selar — conta Rafaella.

Se um produto consegue vencer a verdadeira prova de fogo do quente e úmido verão carioca, entra no radar de consumidoras como Rafaella. Fabricantes de produtos de beleza já entenderam isso.

Como as mudanças climáticas apontam para temperaturas cada vez mais altas, centros de pesquisas de Natura, L’Oréal e Boticário correm para desenvolver produtos mais resistentes ao calor e com maior proteção a raios UVA ultralongos, considerados mais danosos à pele.

Produtos com maior durabilidade e resistentes ao suor foram priorizados pela carioca Rafaella Barbosa, de 23 anos — Foto: Arquivo pessoal

Em São Paulo, a Natura desenvolveu uma nova metodologia para simular extremos climáticos nos testes de maquiagem, assegurando que vão manter suas propriedades. Para isso, a empresa construiu câmaras que simulam dias de calor e umidade acima da média no país, conta a diretora de Desenvolvimento de Produtos da Natura, Claudia Leo.

Quando os testes mais pesados mostram que o produto precisa ser reformulado, entram em cena novos estruturantes e formadores de filme (como polímeros, ceras ou manteigas), ingredientes que aumentam a aderência e viscosidade, explica a executiva:

— Novos produtos têm formadores de filmes com hidrofobicidade, garantindo resistência à água e texturas agradáveis e sensorialidade fina.

Cabine da Natura imita extremos climáticos — Foto: Edilson Dantas/Agência O Globo

Qualidade do ar


Um exemplo desse aprimoramento é a Natura Fotoequilíbrio, nova linha de protetores solares apresentada como de “alta tecnologia” e “tripla resistência”. A partir dos testes, a fórmula ganhou ingredientes novos, como a manteiga de murumuru, que torna o produto mais aderente ao rosto.

A L’Oréal, que tem um centro de pesquisas no Rio, usa cabines parecidas com saunas para testar cosméticos e torná-los mais resistente ao calor.

Desses ensaios saiu, em 2022, o protetor solar Anthelios Airlicium+. A multinacional francesa investe mais de € 1 bilhão (R$ 5,3 bilhões) por ano em pesquisas no mundo e, recentemente, passou a priorizar estudos relacionados ao aquecimento global.

As mudanças climáticas diminuem a qualidade do ar e deixam a pele mais vulnerável a agentes externos, como micropartículas, sobretudo com exposição solar prolongada, explica Cristina Garcia, diretora científica da L’Oréal no Brasil.

Nos laboratórios, a empresa tem usado a tecnologia para desenvolver produtos para a pele com propriedades similares às de um escudo, para prevenir eczemas, acne e manchas de pigmentação.

Sala do Centro de Inovação e Pesquisa da L'Oréal, com o equipamento Visia, onde é avaliado mudanças físicas e a qualidade do filme do produto — Foto: Beatriz Orle/O Globo

Em 2021, a L’Oréal firmou uma parceria com a israelense BreezoMeter, que fornece dados sistematizados sobre a qualidade do ar para ajudar os pesquisadores a entender melhor os impactos potenciais das mudanças climáticas e da poluição na pele.

— Estudamos fatores ambientais, como exposição aos raios UV, alterações climáticas e poluição, e fatores relacionados ao estilo de vida, como o estresse, a nutrição e o sono, além das alterações hormonais que ocorrem ao longo da vida — conta Cristina.

Em 2023, a L’Oréal lançou o primeiro protetor solar do mundo capaz de bloquear os raios UVA ultralongos, por meio da tecnologia UVMune 400. A rival La Roche Posay também desenvolveu um produto similar, o UVMune, com a tecnologia NetlockTM, que forma uma espécie de capa protetora e uniforme na pele.

Pesquisadores da Natura atualmente estudam o potencial de bioativos no tratamento de danos causados pelo calor extremo no cabelo e na pele. Outra pesquisa aborda formas de impedir danos de radicais livres, produzidos pelo corpo exposto ao sol.

— A Natura patenteou um novo complexo antioxidante em 2022, exclusivo da Amazônia. Contém extratos de ingá, açaí e cacau, que atuam nas camadas profundas da pele, protegendo contra a oxidação da membrana celular, que previne sinais precoces do envelhecimento — diz Claudia Leo.

Roberto Kanter, especialista em varejo e professor da FGV, diz que o setor de beleza investe mais em tecnologia para aumentar o valor agregado de itens, com a proposta de vender tratamentos, não apenas produtos cosméticos:

— A prioridade do consumidor são produtos adaptados ao ambiente, que duram o dia todo, resistem a mudanças de temperatura e não testam em animais. É a base que acalma e trata a pele, o batom com tecnologia. É tendência mundial.

O Boticário ampliou recentemente o seu Laboratório do Futuro, no Paraná, com investimentos de quase R$ 4 milhões e abriu novas frentes de pesquisas relacionadas ao clima. Em 2023, lançou a Make B. Glycolic TX, a primeira base que promete reduzir manchas solares em até oito semanas, com FPS 50 e diversos componentes de tratamento.

Itens multifuncionais

A Vult, uma das marcas do grupo, também tem investido em testes rigorosos para garantir que seus produtos resistam a mudanças bruscas de temperatura. No ano passado, a marca lançou um pó compacto para o rosto que também é protetor solar, com FPS 90, uma das alternativas de maior fator de proteção do mercado.

A dermatologista Regina Schechtman, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia do Rio, vê como principal tendência os produtos multifuncionais:

— É menos tempo passando produto. Apesar desses investimentos, ainda existe um gap. A durabilidade da maior parte dos produtos lançados ainda não é para o dia inteiro. E o suor ainda reduz a durabilidade, exigindo que você reaplique o produto ao longo do dia.

Para Ulysses Reis, coordenador de varejo da Strong Business School, a crescente longevidade da população e a maior permanência das pessoas no mercado de trabalho ajuda a ampliar o mercado e a impulsionar novas tecnologias no ramo da beleza:

— Uma pessoa de 40 anos hoje é considerada jovem. Quer se sentir bonita, aspira novos postos de trabalho. O mercado de beleza não tem crise enquanto as pessoas quiserem manter a sensação de juventude e a vaidade.


Fonte: O GLOBO