Investimento anual nas áreas de exploração em terra pode dobrar de US$ 1 bilhão para até US$ 2 bilhões já no fim desta década

O último leilão da Agência Nacional do Petróleo (ANP), em dezembro do ano passado, retomou a oferta de campos em terra. Foram arrematados 92 blocos terrestres, marcando uma nova onda de investimentos entre as petroleiras de médio porte, as chamadas junior oils, e o início de uma fase de consolidação do segmento, com fusões e aquisições no horizonte e a entrada de empresas e investidores.

Em paralelo, a cadeia de óleo e gás ganha impulso com a Petrobras, que abandonou a venda de ativos, ampliou o plano de investimentos e iniciou processos de licitação para aumentar a produção em campos terrestres na Bahia. A estatal planeja investir US$ 1,7 bilhão (R$ 8,4 bilhões) até 2028 nas 28 concessões do tipo, na Bahia e no Amazonas.

Consolidação adiante

Segundo a Associação Brasileira dos Produtores Independentes (Abpip), que reúne as junior oils, com as áreas adquiridas no leilão da ANP, o investimento anual nas áreas de exploração em terra pode dobrar, saltando de US$ 1 bilhão para até US$ 2 bilhões (R$ 9,9 bilhões) já no fim desta década.

Isso deve elevar a produção atual em terra, que é de 234 mil barris de óleo equivalente por dia (boe), uma fração pequena do total produzido no país, com os principais campos produtores em alto mar.

— O leilão trouxe surpresas, o que mostra o aquecimento do mercado, com a estreia de empresas no setor. Já temos um aumento dos investimentos e da produção contratada para os próximos anos e o desenvolvimento de novas áreas, como a Bacia do Paraná — diz Márcio Félix, presidente da Abpip. — Já vemos movimentação, com junior oils virando objeto de desejo, podendo criar um movimento de fusões e aquisições envolvendo as baby oils (pequenas petroleiras).

No fim de janeiro, a Maha Energy surpreendeu o mercado ao propor a fusão dos ativos em terra das duas petroleiras em que tem participação acionária: a 3R e a Petroreconcavo.

A ideia, dizem fontes, é combinar os campos terrestres delas numa só companhia que poderia somar operação de 80 mil barris diários neste ano. As duas têm áreas na Bahia e no Rio Grande do Norte. Um executivo do setor diz que a união pode sair no primeiro trimestre. O Itaú já foi contratado para participar da operação.

Se confirmada, a união ajudará na redução de custos e aumento da capacidade de negociação com fornecedores. Analistas dizem que o custo de extração por barril pode cair até 80% com as sinergias entre 3R e Petroreconcavo compartilhando infraestruturas (dutos, refinaria e terminais).

Outra fonte aponta a movimentação envolvendo Eneva (produtora de gás com atuação em Amazonas, Maranhão, Mato Grosso do Sul e Goiás) e Vibra (ex-BR Distribuidora), que pode resultar em uma combinação promissora.

Segundo Marcos Ganut, sócio-diretor na A&M Infra, a movimentação no país está ligada à necessidade de reposição de reservas após a troca de comando na Petrobras.

A estatal abandonou o programa de venda de ativos da gestão anterior, até então a principal fonte de ampliação de portfólio das novas petroleiras. O consultor observa que, no ano passado, dos dez blocos declarados comerciais, seis eram de junior oils como Aguila, BGM, Capixaba Energia e Imetame:

— O movimento das junior oils vai se dar por atividades orgânicas (com exploração de áreas) ou fusões e aquisições.

Ernani Machado fundou no ano passado a Elysian Petroleum, que chamou a atenção ao arrematar sozinha no último leilão da ANP 122 blocos nas bacias de Potiguar, Espírito Santo e Sergipe-Alagoas. Ele diz que tem sido procurado por fundos de investimento e petroleiras privadas, mas só deve pensar em associações depois de começar a produzir:

— Vamos começar contratações após 31 de maio, quando vamos assinar o contrato de concessão com a ANP. Só depois de iniciar a produção, é que vou pensar em um sócio.

A empresa já conseguiu o aval da ANP para se tornar uma petroleira, comprovando ter corpo técnico e capacidade financeira: o capital social é de R$ 45 milhões, acima do mínimo exigido pela ANP, de R$ 20 milhões para operadoras terrestres em áreas não-remotas.

— Comprovamos capacidade para fazer investimentos mínimos nos blocos arrematados, de R$ 192 milhões, em cinco anos. São recursos próprios e do meu grupo. A estratégia é usar infraestrutura móvel para a produção, o que reduz o custo — diz Machado.

Outra empresa que busca oportunidades no setor é a construtora centenária Azevedo & Travassos, que chegou a explorar petróleo na década de 1980 na Bahia, mas saiu pouco depois. Em meados do ano passado, após reestruturação, a empresa relançou a A&T Petróleo. Em agosto, assinou memorando de entendimento para desenvolver uma parceria com a Petroil, dona de oito concessões de blocos exploratórios nas bacias do Recôncavo, Sergipe-Alagoas e Potiguar.

Em outubro, ela assinou memorando para comprar parte ou todas as ações da Nion Energia, que tem seis contratos de concessões em terra e produção de 230 barris diários na bacia Potiguar.

Segundo Gabriel Freire, presidente do Conselho de Administração do Grupo Azevedo & Travassos, há mais acordos em andamento. O foco da empresa está em campos terrestres maduros (com pequena produção), blocos antigos (mas com capacidade de produção) e novas áreas exploratórias.

— Queremos explorar pequenos campos que talvez não interessem mais a empresas médias. A ideia é comprar esses ativos menores. Temos acordos com outras petroleiras ainda não assinados — diz.

‘Espécie de pré-flerte’

Segundo Freire, a meta é produzir 1 mil barris de petróleo diários já em 2024, conforme os negócios com outras companhias forem concretizados. Em dois anos, a expectativa é chegar a 4 mil barris diários.

A Imetame vai aumentar o total de áreas de 20 para 27 em pouco tempo, diz Fábio Edgar Santos, gerente de Regulação, Planejamento e Novos Negócios da companhia. Ele diz que é essencial para a empresa expandir o portfólio, hoje formado por ativos nas bacias de Espírito Santo, Recôncavo, Tucano Sul e São Francisco:

— Mantemos foco na maximização da produção, com expansão dos ativos e busca por sinergias entre novas áreas e blocos e campos já operados.

Félix, que dirige a Abpip e a Energy Platform (EnP), que tem 20 áreas exploratórias nas bacias de Tucano Sul e Espírito Santo e cinco campos de produção capixabas, diz que a negociação está aquecida:

— Há conversas no dia a dia, uma espécie de pré-flerte. Isso vai se refletir em alta da produção, embora estudos e investimentos levem tempo. Há desafios como a demanda de empresas nos órgãos ambientais.

Dona de 41 concessões em campos maduros em vários estados, a Petro-Victory Energy investiu US$ 20 milhões no Brasil desde 2016 e se prepara para comprar áreas no país. Em janeiro, iniciou perfurações no campo de São João, na Bacia de Barreirinhas, no Maranhão, onde, além da produção de óleo, há reservas de gás.

— Nos últimos anos, focamos na Bacia Potiguar, no Rio Grande do Norte, e investimos em reprocessamento sísmico, além de termos um time de especialistas trabalhando há vários anos na análise técnica de ativos — diz Richard Gonzalez, CEO da Petro-Victory.

Rodolfo Saboia, diretor-geral da ANP, destaca que o leilão de blocos em terra do fim do ano passado atraiu nove empresas, com ao menos R$ 256 milhões em investimentos:

— São investimentos fundamentais para diversas cidades, pois geram empregos, renda e arrecadação. A diversificação de empresas garante resiliência ao setor. Devemos ver mais interesse em rodadas futuras.


Fonte: O GLOBO