Planalto enfrenta críticas na área de segurança pública com a fuga de dois presos da Penitenciária Federal de Mossoró

Enfrentando críticas na área de segurança pública com a fuga de dois presos da Penitenciária Federal de Mossoró (RN), o governo Lula já flexibilizou sua posição sobre a gestão privada de penitenciárias desde o ano passado, indo de encontro a posições de aliados históricos e até na Esplanada dos Ministérios. 

Um decreto editado no ano passado pelos ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Geraldo Alckmin (Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços) integrou o sistema prisional ao Programa de Parcerias de Investimentos (PPI). Em outubro, o BNDES foi anunciado como o responsável pela estruturação da parceria público-privada do Complexo de Erechim, no Rio Grande do Sul, se opondo ao relatório feito pelo Grupo de Transição que antes de Lula assumir se posicionou contra o capital privado no setor.

O modelo ainda engatinha no Brasil — hoje, dos 1.384 estabelecimentos prisionais no país, 58 têm gestão de parceria com organizações sem fins lucrativos, 34 adotam o modelo de cogestão com a iniciativa privada, e cinco são geridos na modalidade público-privada (PPP). A Bahia (com 11 unidades), o Amazonas (9) e Minas Gerais (5) estão à frente na adoção desta forma de administração,.

A fiscalização em 24 destas unidades pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2023 mostrou que a iniciativa idealizada pelo governo pode trazer bons resultados. Embora oito apresentassem condições ruins ou péssimas — percentual de um terço semelhante ao patamar da totalidade dos presídios — há mais prisões com participação privada consideradas ótimas ou boas (11 ou 45,8%) do que as 25,6% equivalente à íntegra dos presídios. 

A categoria das condições dos estabelecimentos penais varia de péssimo a excelente, e considera números de fugas, rebeliões, mortes, armas e celulares apreendidos e saídas autorizadas.

— O governo entendeu que você pode ter o setor privado atuando, desde que tenha boa supervisão pública e competência estatal. Empresas têm condições de serem eficientes se o governo fizer a parte dele — afirma o professor do Insper na área de Estratégia e Gestão Pública Sandro Cabral, para quem o decreto assinado por Haddad e Alckmin revela que o governo “se rendeu às evidências”.

No início do mês, o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, contestou a entrada da iniciativa privada na gestão de prisões. Para ele, “a privatização abre espaço para infiltração do crime organizado, que é tudo o contrário do que a gente quer fazer”. O pré-candidato do PSOL à prefeitura de São Paulo, Guilherme Boulos, também já chamou de “inaceitável” qualquer medida nesta direção.

— O decreto foi uma desagradável surpresa. O governo cria uma narrativa que não condiz com a realidade das políticas implementadas. É surpreendente e muito grave — diz a professora da Universidade Católica de Pelotas Christiane Freire, que acompanhou o GT da transição dedicado ao tema e considera que o BNDES pode acabar obrigado a garantir o pagamento de prestações de novas penitenciárias terceirizadas que possam ser construídas futuramente.

Em suas pesquisas sobre penitenciárias, Cabral fez uma comparação entre duas da Bahia: o Conjunto Penal de Teixeira de Freitas, que é público, e o Conjunto Penal de Valença, com terceirização dos serviços. Com dados da Superintendência de Assuntos Penais e da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do estado, os indicadores de desempenho revelaram que a estrutura privada apresentou resultados superiores em termos administrativos, de ordem e segurança e serviços prestados aos internos.

Para o consultor da Associação dos Policiais Penais Wesley Bastos, o eventual sucesso de penitenciárias terceirizadas é explicado pelo perfil médio dos detentos. Mas ele lembra que rebeliões e fugas em massa também aconteceram em penitenciárias terceirizadas, como no Complexo Penitenciário Anísio Teixeira em 2017 — com a morte de 56 detentos em um motim e fuga de 225 presos — e no Complexo Penitenciário Advogado Antonio Jacinto Filho em 2012, em que três agentes foram feitos reféns.

— Em média, esses presídios recebem condenados com grau de periculosidade baixo com perfil carcerário exemplar — alega.

Custo maior

De acordo com a pesquisa “Calculando Custos Prisionais: Panorama Nacional e Avanços Necessários”, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a média de custo mensal por preso em instalações públicas é de R$ 1,8 mil, incluindo despesas de pessoal e administração. Instalações de gestão público-privada, como o Complexo de Ribeirão das Neves (MG), recebem R$ 3,8 mil por presidiário. No Complexo de Erechim, de acordo com o edital de licitação vencido pela Soluções Serviços Terceirizados, o valor da vaga por dia será de R$ 233, totalizando quase R$ 7 mil reais por mês.

— Os gastos excedem em muito a média, que já era alta entre as PPPs. O que ocorre é que as empresas fixam um gasto por preso. Quanto maior esse gasto, mais elas recebem de repasse do Estado. Essa avaliação de valores está acima da realidade — critica Christiane Freire, que analisa o caso desde a época do Grupo de Transição.


Fonte: O GLOBO