Dos 46 jogadores que os finalistas Nigéria e Costa do Marfim inscreveram na competição, 20 jamais chutaram uma bola nos países que defendem

Vencida pela Costa do Marfim no último domingo, a final da Copa Africana de Nações já teria uma grande história para contar caso nos detivéssemos em Sébastien Haller. Seu gol na decisão foi o ponto alto de uma carreira interrompida pela luta contra um câncer de testículo: um ano após vencer sua batalha mais importante, Haller viveu sua apoteose em Abidjan.

No entanto, a final foi um painel não só da globalização, mas dos efeitos que um mundo com menos fronteiras impõe ao futebol de seleções. Dos 46 jogadores que os finalistas Nigéria e Costa do Marfim inscreveram na competição, 20 jamais chutaram uma bola nos países que defendem. Seis nigerianos e nove marfinenses nasceram na Europa, sem contar os que emigraram ainda crianças. 

As divisões de base de clubes ingleses e franceses formaram, ao todo, 19 jogadores envolvidos na decisão. Quatro nigerianos defenderam a Inglaterra em competições até a categoria sub-21, enquanto sete marfinenses jogaram pela França até, pelo menos, o sub-19.

Não há qualquer ilegitimidade, por mais que se tente debater se jogadores já formados fazem suas opções movidos por laços afetivos e raízes familiares, ou se a falta de oportunidades em seleções europeias os fez buscar a chance de jogar, por exemplo, uma Copa do Mundo. O futebol não é uma ilha. O mundo globalizado faz cidadãos do mundo proliferarem e o jogo precisou adaptar e flexibilizar as regras que definem quem é elegível para defender cada camisa nacional.

Os exemplos se espalham pelo mundo. A partir de 20 de junho, o Brasil vai jogar uma Copa América que tem entre seus classificados a Jamaica. A seleção caribenha experimentou, nos últimos anos, uma subida de nível impulsionada pela prospecção de descendentes de jamaicanos que vivem na Inglaterra, têm experiência na Premier League, mas não conseguiram espaço na seleção do país. Hoje, o papel de um treinador de equipes nacionais já transcendeu a função do selecionador. Federações trabalham na detecção e no convencimento de descendentes.

Em menor escala, o Brasil tem seus casos peculiares. O goleiro Ederson foi para Portugal aos 15 anos, enquanto Andreas Pereira, nascido na Bélgica, recebeu uma convocação sem qualquer vínculo, seja na base ou no profissional, com um clube brasileiro.

O resultado é que, se mudou o mundo, deve mudar nossa forma de olhar o futebol de seleções. Há uma pergunta cada vez mais difícil de responder: o que medimos numa competição entre países? Já não soa apropriado dizer que tais torneios apontam o estágio futebolístico das nações. Com a exportação desenfreada, o vínculo entre as seleções e o futebol doméstico de cada país é cada vez mais frágil.

Assim como parece impreciso dizer que as disputas dão a medida da capacidade de formar jogadores, da cultura local ou mesmo da estrutura de futebol dos países. Hoje, as maiores promessas de cada canto do mundo terminam por se reunir nos principais clubes da Europa, onde vivem a fase final e decisiva de seu desenvolvimento.

Nem por isso, o resultado é um futebol de seleções com menos vínculos, menos paixão e menos histórias. Defender a formação de seleções “puras”, com jogadores nascidos e formados em seus países, é cometer o pecado do anacronismo num mundo globalizado, é dizer não à integração, à liberdade. 

Nos últimos 15 anos, assistimos, torcemos e até sofremos com a saga de um argentino, cujo futebol se desenvolveu na Espanha desde os 13 anos, em sua busca incansável por dar a seu país de origem uma Copa do Mundo. Custa crer que alguém seja capaz de dizer que o futebol seria mais bonito sem as cenas vividas por Messi no Catar. E pior, negar que Messi é dos capítulos mais lindos da história do futebol argentino.

O AVESSO

Se a final da Copa Africana retratou a globalização, a decisão da Copa da Ásia foi o oposto. Dos 22 jogadores que iniciaram o jogo entre Jordânia e Catar, só um atua na Europa: o jordaniano Al Tamari, do Montpellier, da França. O torneio, vencido pelo Catar, teve enormes surpresas: as quedas dos “globalizados” Japão, Coreia e Irã; e o vice-campeonato de uma Jordânia cheia de jogadores do futebol local em meio às instabilidades na região.

O FRACASSO

É natural que, após a eliminação no Pré-Olímpico, haja uma discussão sobre as opções feitas por Ramon Menezes em escalações e substituições, ou sobre a pobreza coletiva da seleção sub-23. O risco é fazer do técnico um escudo que deixe confortáveis aqueles que deveriam dirigir os destinos das seleções brasileiras. Parece mais justo associar o resultado na Venezuela a mais de um ano de desgoverno na CBF.

DOIS PLANOS

Há duas ideias na prancheta de Tite para o Flamengo: uma com De La Cruz partindo da ponta direita para se tornar mais um meia, outra com Luiz Araújo, um ponta “especialista”. Este último plano, usado contra o Volta Redonda, esbarra num difícil casamento de características com os laterais Wesley e Ayrton. Hoje, o maior adversário rubro-negro é a imensa expectativa sobre o elenco. Mas será preciso respeitar processos e o tempo.


Fonte: O GLOBO