Hamas diz que Israel disparou contra civis que esperavam para receber alimentos; Exército israelense culpa 'empurra-empurra, pisoteamento e atropelamentos'

Autoridades palestinas acusaram Israel de disparar e matar dezenas de pessoas que aguardavam em filas na Faixa de Gaza para receber ajuda humanitária nesta quinta-feira. Segundo o Ministério da Saúde do enclave, ao menos 104 pessoas morreram e outras 700 ficaram feridas. Em comunicado, as Forças Armadas de Israel (FDI) negaram ter responsabilidade pelo ocorrido e afirmaram que os residentes cercaram o comboio e saquearam os suprimentos que estavam sendo entregues.

“Esta manhã, caminhões de ajuda humanitária entraram no norte de Gaza, e os residentes cercaram os caminhões e saquearam os suprimentos que estavam sendo entregues. Como resultado do empurra-empurra, pisoteamento e atropelamento pelos caminhões, dezenas de palestinos foram mortos e feridos”, escreveram. À Reuters, porém, uma fonte israelense disse que as tropas de Israel abriram fogo contra “várias pessoas” que cercaram o comboio porque se sentiram ameaçadas.

O Ministério das Relações Exteriores da Autoridade Nacional Palestina (ANP) disse que há “dezenas de mortos e centenas de feridos”. Em nota publicada nas redes sociais, o órgão condenou a ação, descrevendo-a como um “massacre hediondo”. Já o Egito classificou o caso como “um ataque desumano israelense”, e pontuou que havia “civis palestinos desarmados”. “Nós consideramos atacar cidadãos pacíficos que correm para pegar parte da ajuda um crime vergonhoso e uma flagrante violação do direito internacional”, afirmou em comunicado.

Testemunhas relataram à AFP que viram milhares de pessoas correndo na direção dos caminhões de ajuda humanitária que se aproximavam. Uma pessoa afirmou que os veículos com as doações chegaram “muito perto de alguns tanques do Exército israelense que estavam na área, e milhares de pessoas simplesmente avançaram sobre os caminhões”. Nesse momento, afirmou, “os soldados dispararam contra a multidão”. O Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA) disse que estava “a par dos relatórios”.

O Hamas, em um comunicado citado pela Reuters, afirmou que o episódio poderia levar ao fracasso das negociações sobre um novo cessar-fogo temporário para a região. Uma nova proposta tem sido debatida entre as autoridades israelenses, cataris, americanas e egípcias, que contempla também a troca entre reféns e prisioneiros palestinos.

Segundo o acordo, o Hamas deverá libertar 40 reféns, incluindo mulheres, crianças e jovens menores de 19 anos, pessoas com mais de 50 anos e doentes. Já Israel libertaria cerca de 400 prisioneiros palestinos e não os prenderia mais. A proposta também permitiria que hospitais e padarias em Gaza fossem reparados, e que 500 caminhões de ajuda humanitária entrassem no enclave por dia.

"As negociações conduzidas pela liderança do movimento não são um processo aberto à custa do sangue do nosso povo”, disse o grupo em referência às mortes desta quinta-feira, afirmando que Israel seria o responsável por qualquer fracasso nas tratativas.

Após quase cinco meses de guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas, as Nações Unidas estimam que 2,2 milhões de pessoas, a grande maioria da população, estejam ameaçadas pela fome em Gaza, especialmente no norte, onde destruição, combates e saques tornam quase impossível o transporte de ajuda humanitária. Também nesta quinta-feira, o Ministério da Saúde de Gaza anunciou que mais de 30 mil pessoas morreram como consequência das operações israelenses no enclave desde o início da guerra, em 7 de outubro.

Escassez de ajuda

A ONU calcula que 2,2 milhões de pessoas — quase toda a população de Gaza — estão ameaçadas pela fome, em particular no norte, onde as incursões terrestres e bombardeios israelenses, além de saques realizados por palestinos desesperados por comida, praticamente impossibilitam a entrega de ajuda humanitária na região.

Segundo a Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinos (UNRWA, na sigla em inglês), quase 2.300 caminhões de ajuda entraram na Faixa de Gaza em fevereiro, com a média de 82 veículos por dia, 50% a menos que em janeiro. Antes do início da guerra, em 7 de outubro, quando as necessidades da população eram menos urgentes, a média diária era de 500 caminhões de ajuda na Faixa, segundo a ONU.

O incidente desta quinta-feira na Cidade de Gaza provocou uma discussão acalorada no Conselho de Direitos Humanos em Genebra, onde o embaixador palestino Ibrahim Mohammad Khraishi confrontou seu colega israelense sobre as mortes relatadas.

— Esses são escudos humanos? São combatentes do Hamas? — disse Khraishi.

Trinta mil mortos

Israel foi vítima de um ataque terrorista do Hamas em 7 de outubro, no qual 1,2 mil pessoas foram mortas de mais de 240 foram levadas para o enclave palestino como reféns. Em resposta, o Estado judeu prometeu aniquilar o Hamas.

As operações começaram no norte com intensos bombardeios e posteriormente incursões terrestres para desmantelar as forças do grupo. Um "cerco total", que cortou água, alimento, gás e combustível, também foi implementado no enclave. Contudo, a guerra avança agora para o sul, onde mais da metade da população do enclave busca refúgio e para onde muitos se deslocaram após ordens emitidas pelo Exército de Israel.

Desde então, mais de 30 mil pessoas morreram, em sua maioria mulheres e crianças. A assimetria no número de mortos têm gerado uma pressão por parte da comunidade internacional sobre Israel, incluindo dos Estados Unidos, seu principal aliado.


Fonte: O GLOBO