Embrapa aponta que queda é consequência da improdutividade das árvores, dos extremos climáticos e pragas agrícolas. Iguaria é tema do desfile deste ano da Mocidade Independente

"Se a polpa é desse jeito, imagine a castanha", diz o samba enredo da escola carioca Mocidade Independente de Padre Miguel, um dos mais ouvidos deste ano. O caju pode ter virado protagonista do carnaval em 2024 e caído no gosto dos blocos de rua, além de ser cada vez mais frequente como ingrediente das tradicionais caipirinhas. Mas os meses recentes têm sido amargos para os produtores.

'Pede caju que dou?... Pede caju que dá!', diz o samba. No campo, não é bem assim. O pé de caju não está dando tantas frutas desde o ano passado. A produção caiu em 2023. Só não houve desabastecimento ainda porque a exportação caiu, dizem especialistas.

Dados do IBGE mostram que a produção de caju caiu por volta de 17% entre 2022 e 2023. Como não houve alterações significativas na área plantada, pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) deduzem que a queda na produção aconteceu em função de eventos climáticos adversos e pragas agrícolas, além de pomares velhos e pouco produtivos.

Caju: produção no país está caindo com envelhecimento de cajueiros — Foto: Guito Moreto / Agência O Globo

No Ceará, maior produtor de caju do Brasil, a o volume de chuvas no último ano foi considerado irregular pela Secretaria Estadual de Recursos Hídricos. Além disso, houve registro de pragas nas plantações do Nordeste, principalmente no sul do Piauí.

"Isso, aliado a cajueiros gigantes (que dão menos frutas com sabor não tão bom quanto as do cajueiro anão) cada vez mais velhos e pouco produtivos, que constituem cerca de 68% dos plantios, pode ter gerado a redução na produção", diz análise de pesquisadores da Embrapa enviada ao GLOBO.

Ensaio da Mocidade na Sapucaí — Foto: Ana Branco/Agência O Globo

Concorrência com Colômbia e Venezuela

Maurício Campos, diretor administrativo do Instituto Caju Brasil, organização não governamental voltada para o desenvolvimento da cultura do cajueiro, afirma que o grande problema é a falta de investimentos no setor.

— São quase 25 mil produtores no Ceará, dos quais 23 mil são agricultores familiares. Faltam linhas de crédito específicas, suporte e assistência técnica rural — afirma.

Além disso, Campos diz que o Brasil começa a enfrentar concorrência de mercado, com a Colômbia e a Venezuela investindo em consultoria e buscando profissionais brasileiros para produzir caju. Esses países estão entrando no mercado tanto da fruta quanto da castanha, do suco e de outros produtos derivados.

O Caju Brasil está negociando junto ao governo do Ceará a ida de produtores locais para o Rio de Janeiro. A ideia é acompanhar o desfile da Mocidade Independente e discutir os problemas enfrentados pelo setor.

Vai faltar caju?

O consumidor pode até não ter notado a queda na produção, porque não houve desabastecimento e os preços se mantiveram no mesmo patamar. Agentes de mercado também dizem que não faltou caju no estoque.

Segundo o Centro Estadual de Abastecimento (Ceasa), não houve queda no fornecimento recentemente. Pelo contrário: 2023 teve 30% mais frutas do que em 2022. Além disso, o suprimento aumentou 75% em janeiro de 2024, frente a dezembro de 2023.

Os dados da Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp) demonstram que entraram 98 toneladas de caju no terminal paulista em janeiro de 2024, patamar bem parecido ao do ano passado, quando entraram 97 toneladas. Em dezembro de 2023, foram 82 toneladas.

Segundo a Embrapa, a queda nas exportações de castanha de caju, em casca, pode explicar porque não houve desabastecimento. O Brasil exportou 17 mil toneladas em 2019. Em 2022, exportou apenas 10 mil toneladas, uma diminuição de 42%. No mesmo período, a produção de caju aumentou cerca de 11%.

"Os preços no mercado externo vêm caindo desde 2018. Isso tem feito com que as indústrias processadoras de castanha de caju busquem oportunidades no mercado interno”, afirma a análise.

O cenário para 2024 é incerto, de acordo com a Embrapa. Embora deva haver seca no Ceará, o cajueiro é bem resistente a altas temperaturas e à escassez hídrica.


Fonte: O GLOBO