Na capital paulista, prefeitura diz que contratou empresa para padronizar placas. Divergências também se espalharam por outras cidades do país
Na região central de São Paulo, que completa nesta quinta-feira 470 anos, a Rua Guaianases tem o nome grafado com “S” ou com “Z”, a depender da placa consultada por quem passa por ali. Situação ainda mais confusa ocorre na Zona Oeste, onde a Rua Turiassu por vezes ganha um “ç”, quando não um acento agudo no último “u”.
Num dos endereços vizinhos à via, que abriga o Allianz Parque sob o nome de Rua Palestra Itália, comemorações de torcedores do Palmeiras pelo título do Campeonato Brasileiro no mês passado foram compartilhadas nas redes sociais com hashtags distintas para o mesmo local: #RuaCaraíbas e #RuaCaraibas.
A professora Patrícia Carvalhinhos, doutora em linguística com ênfase em onomástica, explica que os logradouros podem ter grafias divergentes por conta de erros cometidos ainda no projeto de lei para o batismo das vias públicas. A falta de consenso é ainda maior em relação a nomes indígenas, casos de Guaianases, Turiassu e Caraíbas:
— Os povos nativos tinham tradição oral, não deixaram registros escritos. Então tudo que temos dessas línguas parte da visão do colonizador. A gente encontra o mesmo nome registrado de maneira diferente por cronistas portugueses e franceses. Além disso, na década de 1950 houve uma orientação da Associação Brasileira de Antropologia para que as letras “K”, “W” e “Y” fossem usadas para nomes indígenas. Então a própria ortografia varia, isso é da língua portuguesa.
Na Zona Sul paulistana, a Avenida Miguel Estefno é mais conhecida pelos moradores como “Miguel Estéfano”. O nome homenageia um comerciante libanês que, ao chegar ao Brasil em 1879, teve seu nome traduzido na imigração para “Estéfano”. A via em sua homenagem, porém, traz a grafia original.
O empresário Márcio Penteado, dono de uma tapeçaria situada nesse endereço, conta que é comum ter que orientar seus clientes sobre a variação do nome da avenida para que eles consigam chegar lá:
— As pessoas não encontram no GPS quando colocam essa grafia sem o “A”, então vira e mexe alguém liga pedindo para confirmar o endereço e precisamos orientar para que escrevam “Estéfano”.
Em nota, a Prefeitura de São Paulo informou que contratou uma empresa que será responsável por “uniformizar todas as placas de logradouro da cidade de acordo com a legislação municipal vigente”. O trabalho, segundo a administração paulistana informou no fim do ano, seria “iniciado nas próximas semanas”.
Na região central da cidade, placas têm grafias diferentes para rua que corta a Santa Ifigênia — Foto: Reprodução/Google Street View
Confusão também fora de SP
A falta de padronização em nomenclaturas não é exclusividade de São Paulo, nem se restringe a meros logradouros. Em Goiás, o Tribunal de Justiça do estado decidiu, em 2009, que o nome do município de Caçu é escrito com “ss”, e não com “ç”.
A grafia com cê-cedilha até então era a mais utilizada pela população local, mas o desembargador Paulo Teles considerou que mera “convenção social e costume” não são suficientes para alterar o nome designado pela lei que oficializou a criação do município, em 1953. Houve pressão do grupo dos “cedilhistas” e o magistrado voltou atrás, mantendo a grafia Caçu que permanece vigente até hoje.
Natural do município goiano, o pesquisador José Faria Nunes integra a ala de “essistas” na cidade (os que defendem a grafia com dois ésses). Ele encabeçou uma pesquisa do Instituto Histórico e Geográfico do Extremo Sudoeste de Goiás que rebateu as teorias usadas pelos “cedilhistas” e escreveu um livro (ainda não publicado) sobre as origens da palavra Cassu, que segundo ele é um nome de família que vem do latim.
— Eu tenho esperança que um dia irão recuperar essa história, que vão resgatar a verdade — diz.
Correção no Google
Já em Santa Maria (RS), a Rua Coronel Ernesto Beck era por muitos confundida com “Rua Coronel Ernesto Becker”. Até as placas de sinalização da prefeitura continham a grafia errada, embora o nome da pessoa homenageada, um comerciante que cedeu terrenos para a construção da ferrovia que corta a cidade, tivesse o sobrenome Beck.
Integrantes do coletivo Memória Ativa perceberam o equívoco e acionaram o Google no início do ano passado para que o registro digital da via fosse modificado. Em março, a Câmara Municipal apresentou um pedido de providências à prefeitura para que as placas com a grafia errada também fossem corrigidas.
— Acho que a confusão existe porque Becker é um sobrenome mais comum no Rio Grande do Sul. Há lojas e famílias com esse nome aqui. A gente preza pelo respeito à história, então fizemos esse gesto como algo singelo, mas fico feliz de ver que hoje menos pessoas erram o nome — diz Lidia Gomes Rodrigues, que integra o grupo Memória Ativa.
Proprietário de um hotel localizado nessa rua, José Rafael Siqueira Dimperio ainda tem cartões de visita com o topônimo errado, e mesmo o registro do estabelecimento na junta comercial está com a identificação “Ernesto Becker”. Perguntado sobre o nome correto da via, ele responde:
— Só olhando a placa para saber.
Fonte: O GLOBO
A professora Patrícia Carvalhinhos, doutora em linguística com ênfase em onomástica, explica que os logradouros podem ter grafias divergentes por conta de erros cometidos ainda no projeto de lei para o batismo das vias públicas. A falta de consenso é ainda maior em relação a nomes indígenas, casos de Guaianases, Turiassu e Caraíbas:
— Os povos nativos tinham tradição oral, não deixaram registros escritos. Então tudo que temos dessas línguas parte da visão do colonizador. A gente encontra o mesmo nome registrado de maneira diferente por cronistas portugueses e franceses. Além disso, na década de 1950 houve uma orientação da Associação Brasileira de Antropologia para que as letras “K”, “W” e “Y” fossem usadas para nomes indígenas. Então a própria ortografia varia, isso é da língua portuguesa.
Na Zona Sul paulistana, a Avenida Miguel Estefno é mais conhecida pelos moradores como “Miguel Estéfano”. O nome homenageia um comerciante libanês que, ao chegar ao Brasil em 1879, teve seu nome traduzido na imigração para “Estéfano”. A via em sua homenagem, porém, traz a grafia original.
O empresário Márcio Penteado, dono de uma tapeçaria situada nesse endereço, conta que é comum ter que orientar seus clientes sobre a variação do nome da avenida para que eles consigam chegar lá:
— As pessoas não encontram no GPS quando colocam essa grafia sem o “A”, então vira e mexe alguém liga pedindo para confirmar o endereço e precisamos orientar para que escrevam “Estéfano”.
Em nota, a Prefeitura de São Paulo informou que contratou uma empresa que será responsável por “uniformizar todas as placas de logradouro da cidade de acordo com a legislação municipal vigente”. O trabalho, segundo a administração paulistana informou no fim do ano, seria “iniciado nas próximas semanas”.
Na região central da cidade, placas têm grafias diferentes para rua que corta a Santa Ifigênia — Foto: Reprodução/Google Street View
Confusão também fora de SP
A falta de padronização em nomenclaturas não é exclusividade de São Paulo, nem se restringe a meros logradouros. Em Goiás, o Tribunal de Justiça do estado decidiu, em 2009, que o nome do município de Caçu é escrito com “ss”, e não com “ç”.
A grafia com cê-cedilha até então era a mais utilizada pela população local, mas o desembargador Paulo Teles considerou que mera “convenção social e costume” não são suficientes para alterar o nome designado pela lei que oficializou a criação do município, em 1953. Houve pressão do grupo dos “cedilhistas” e o magistrado voltou atrás, mantendo a grafia Caçu que permanece vigente até hoje.
Natural do município goiano, o pesquisador José Faria Nunes integra a ala de “essistas” na cidade (os que defendem a grafia com dois ésses). Ele encabeçou uma pesquisa do Instituto Histórico e Geográfico do Extremo Sudoeste de Goiás que rebateu as teorias usadas pelos “cedilhistas” e escreveu um livro (ainda não publicado) sobre as origens da palavra Cassu, que segundo ele é um nome de família que vem do latim.
— Eu tenho esperança que um dia irão recuperar essa história, que vão resgatar a verdade — diz.
Correção no Google
Já em Santa Maria (RS), a Rua Coronel Ernesto Beck era por muitos confundida com “Rua Coronel Ernesto Becker”. Até as placas de sinalização da prefeitura continham a grafia errada, embora o nome da pessoa homenageada, um comerciante que cedeu terrenos para a construção da ferrovia que corta a cidade, tivesse o sobrenome Beck.
Integrantes do coletivo Memória Ativa perceberam o equívoco e acionaram o Google no início do ano passado para que o registro digital da via fosse modificado. Em março, a Câmara Municipal apresentou um pedido de providências à prefeitura para que as placas com a grafia errada também fossem corrigidas.
— Acho que a confusão existe porque Becker é um sobrenome mais comum no Rio Grande do Sul. Há lojas e famílias com esse nome aqui. A gente preza pelo respeito à história, então fizemos esse gesto como algo singelo, mas fico feliz de ver que hoje menos pessoas erram o nome — diz Lidia Gomes Rodrigues, que integra o grupo Memória Ativa.
Proprietário de um hotel localizado nessa rua, José Rafael Siqueira Dimperio ainda tem cartões de visita com o topônimo errado, e mesmo o registro do estabelecimento na junta comercial está com a identificação “Ernesto Becker”. Perguntado sobre o nome correto da via, ele responde:
— Só olhando a placa para saber.
Fonte: O GLOBO
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