Aliados de Jair Bolsonaro veem pelo menos dois fatores por trás das investigações do uso político da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para a coleta de informações e monitoramento ilegais de autoridades tidas como desafetas do ex-presidente da República.
O primeiro, uma espécie de mantra dos bolsonaristas, é a de que a apuração da Polícia Federal, que mirou o vereador do Rio Carlos Bolsonaro (Republicanos) e assessores, é mais uma perseguição do sistema de Justiça contra o antigo clã presidencial, que pretende atingir futuramente o ex-chefe do Executivo.
Conforme informou o blog, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), destacou em sua decisão que a Polícia Federal (PF) pode vir a identificar núcleos de atuação ainda desconhecidos da chamada “Abin paralela”, que teria monitorado ilegalmente desafetos de Jair Bolsonaro entre 2019 de 2021.
Para Moraes, os “significativos indícios” apurados pela PF indicam uma “estrutura paralela instalada na Abin” dedicada a “tarefas clandestinas multifacetadas”, o que aponta para a possibilidade “de identificação de ainda mais núcleos de atuação da organização criminosa, com participação de outros agentes ainda não identificados”.
Na avaliação de bolsonaristas, ao destacar a possibilidade de outros núcleos, Moraes dá pistas de que o próprio Bolsonaro deve ser incluído futuramente na apuração, ainda que a defesa do ex-presidente tenha tentado delimitar neste momento a investigação ao filho “zero dois”.
No entorno de Bolsonaro, também causa preocupação a sintonia entre o ministro do Supremo e a Procuradoria-Geral da República (PGR), comandada pelo subprocurador Paulo Gonet, que se manifestou a favor da busca e apreensão contra Carlos Bolsonaro.
O próprio ex-presidente, porém, sinalizou no passado que detinha um sistema de inteligência paralelo. Na insólita reunião ministerial de abril de 2020 que se tornou pública por uma decisão do STF em um inquérito que investiga justamente uma suposta interferência indevida de Bolsonaro na PF, o então chefe do Executivo disparou contra órgãos de Estado:
“Eu tenho a PF que não me dá informações, eu tenho as inteligências das Forças Armadas que não têm informações. A Abin tem seus problemas, tem algumas informações”, esbravejou o então presidente durante o encontro com ministros.
“[Sobre] Sistemas de informações, o meu particular funciona. Os outros que têm oficialmente, desinformam. E voltando ao tema: prefiro não ter informação do que ser desinformado por sistema de informações que eu tenho”, disse, em referência à PF e à Abin.
Na mesma época, Bolsonaro tentou emplacar ninguém menos do que Ramagem no comando da Polícia Federal. A nomeação, no entanto, foi barrada por Alexandre de Moraes, que alegou desvio de finalidade no ato presidencial.
O homem de confiança do clã acabou permanecendo à frente da direção-geral da Abin até 2022, quando se desincompatibilizou para concorrer a uma vaga na Câmara dos Deputados. A PF encontrou evidências do monitoramento ilegal da chamada Abin paralela relativas ao período de 2019 e 2021, compreendendo a gestão Ramagem.
O segundo fator apontado por interlocutores próximos de Bolsonaro é a de que existe uma ofensiva da própria PF contra a Abin no bojo dessa investigação. Segundo a Polícia Federal, integrantes da atual cúpula da agência de inteligência não apenas interferiram, mas também prejudicaram o aprofundamento das investigações. Para os bolsonaristas, a briga nos bastidores entre a agência e a PF é um dos combustíveis que movimentam a apuração.
“Isso está sendo para atingir Bolsonaro e também por conta da rixa entre a Abin e a Polícia Federal. Uma agenda está servindo à outra”, comenta um interlocutor de Bolsonaro no meio jurídico.
As duas diligências deflagradas pela PF na última semana que miraram o entorno do ex-presidente, a First Mile e a Vigilância Aproximada, são desdobramentos de outra operação realizada em outubro. Na ocasião, os investigadores descobriram que a Abin realizou mais de 33 mil monitoramentos de pessoas tidas como desafetas de Bolsonaro entre 2019 e 2021.
A espionagem ilegal apontada pela PF teria ocorrido através de um software israelense denominado First Mile, de origem israelense e fornecido no Brasil por uma companhia chamada Cognyte. A ferramenta permite rastrear a localização das pessoas por meio dos metadados fornecidos pelas antenas de celular a torres de telecomunicações.
A ferramenta israelense foi comprada pela Abin por R$ 5,7 milhões de reais sem licitação no final do governo Michel Temer. Mas a espionagem indiscriminada de brasileiros apontados como desafetos do governo Bolsonaro se deu exclusivamente durante a gestão de Ramagem na agência, segundo a PF.
Em março passado, O GLOBO revelou que o software vinha sendo usado para monitorar a localização de milhares de pessoas sem autorização judicial, sob a alegação de necessidade por "segurança de Estado" quando o atual deputado estava à frente da Abin.
Fonte: O GLOBO
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