Desvalorização da moeda americana no exterior, juros locais elevados e balança comercial positiva favorecem real. Para especialistas, ainda há espaço para novas baixas

O dólar tem dado continuidade ao seu movimento de desvalorização no final do ano, mesmo em uma época que costuma ser marcada pela saída de fluxo, o que tenderia a se refletir em pressão sobre o câmbio.

O cenário externo mais positivo combinado com a melhora das contas externas e com os menores receios sobre a redução de diferencial de juros entre Estados Unidos e Brasil vêm ajudando o real.

Na quarta-feira, a moeda americana fechou em leve alta a R$ 4,83, pressionada pela saída sazonal de fluxo. A reta final do ano costuma contar com saída de dólares do país devido aos pagamentos de dividendos e repasse de lucros por parte de multinacionais.

Ainda assim, no mês, a divisa cai 1,68% e no ano, 8,44%, após já ter apresentado queda de 5,32% em 2022.

Exterior positivo

O desempenho positivo é apoiado pela baixa do dólar no exterior nos últimos meses diante da percepção de que o Federal Reserve, banco central americano, já encerrou seu ciclo de alta de juros e pode vir a cortar as taxas antes do que se esperava inicialmente.

Com juros mais baixos por lá, os agentes de mercado tendem a levar seus recursos para outros mercados, que embora ofereçam mais riscos, tendem a gerar retornos maiores.

O índice DXY, que acompanha o desempenho do dólar contra uma cesta de moedas fortes, tem operado em torno do patamar dos 100 pontos, próximo das mínimas do ano e já distante da faixa acima dos 110 pontos vista no ano passado.

— O câmbio nesse segundo semestre tem sido muito levado pelos ventos externos. O real está andando junto com as moedas que costuma andar junto – destaca o economista-chefe da Neo Investimentos, Luciano Sobral.

O Fed manteve os juros inalterados entre 5,25% a 5,5% - o patamar mais elevado desde 2001 – em suas últimas três reuniões. Após o último encontro, a autoridade monetária cortou suas projeções sobre as taxas ao final de 2024, o que ajudou a intensificar a baixa dos rendimentos dos títulos do Tesouro americano, os Treasuries, e do dólar.

Nas últimas semanas, dirigentes do BC americano têm dado declarações mais duras sobre os próximos passos do processo de aperto monetário no país, em uma tentativa de reduzir o otimismo dos mercados.

— Tendo em vista um possível início de corte de juros nos Estados Unidos e na Europa em 2024, vemos os títulos americanos já reduzindo o retorno, abrindo espaço para o fluxo de capital para países emergentes de maior risco, e consequentemente favorecendo a moeda local frente ao dólar — ressalta o operador de renda variável da Manchester Investimentos, André Luiz Rocha.

A comunicação mais dovish do Fed (favorável à manutenção de estímulos) tem sido combinada a uma postura ainda cautelosa do Comitê de Política Monetária (Copom), ligado ao Banco Central (BC).

O Copom tem reiterado que o atual ritmo de cortes de 0,50 ponto percentual da Selic é apropriado. Parte dos agentes de mercado já vê espaço para uma aceleração nos cortes, levando em conta fatores como a melhora do cenário externo, o processo de desinflação e a queda da atividade.

Ainda assim, o Copom afirma que não há relação mecânica entre a melhora externa e o cenário local e que as expectativas de inflação seguem desancoradas.

A postura do BC reduziu os receios de uma redução no diferencial de juros entre Brasil e EUA, o que fornece suporte ao real. Isso porque, a atratividade das operações de carry trade, que envolve tomar recursos em países com juros baixos e alocá-los em mercados com rendimentos mais altos, permanece.

— Vimos as moedas de América Latina tendo maior destaque, com bom desempenho das divisas de México, Brasil e Colômbia. O Chile teve um desempenho negativo devido à atuação do Banco Central. A principal novidade no final de ano foi o Fed deixando muito claro que pararam de subir juros. Estamos vendo um rali de fim de ano não só nas moedas, mas com Bolsas subindo e curvas de juros fechando. O real está se beneficiando também por conta disso — disse o gestor de moedas do Opportunity Total, Valter Unterberger.

Unterberger lembra que o início do ano ainda era marcado pelas incertezas sobre o cenário fiscal após a eleição de um novo governo. Com a apresentação do arcabouço e a postura do ministro da Economia, Fernando Haddad - que passou a ganhar mais confiança junto ao mercado – esses receios foram se dissipando.

Contas externas

Outro fator que tem sido apontado pelos especialistas como favorável ao real é a melhora nas contas externas. O ano tem sido marcado por superávits recordes na balança comercial brasileira, com o impulso do agronegócio e recuo das importações.

Segundo os últimos dados da Secretaria do Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Secex/Mdic), em dezembro, o superávit já acumula US$ 6,48 bilhões. No ano, o saldo positivo totaliza US$ 95,96 bilhões.

“O nível da balança comercial nos próximos anos será estruturalmente mais elevado do que o observado até 2022 em função do significativo crescimento da produção de petróleo e do aumento da produtividade no setor agropecuário. Os saldos comerciais robustos manterão o déficit em transações correntes em baixo patamar (cerca de 1,5% do PIB), que será facilmente financiado pelo investimento estrangeiro direto no país”, destacam os analistas do BTG Pactual, em relatório.

O banco avalia que o “expressivo superávit comercial em conjunto com outros fundamentos domésticos e externos” são compatíveis com uma taxa de câmbio de R$4,80 no próximo ano.

Movimento tende a continuar?

A melhora na percepção, aos poucos, também se reflete nas expectativas para 2024. No último boletim Focus, relatório semanal divulgado pelo BC com as expectativas dos agentes, a estimativa para o dólar ao final deste ano caiu de R$ 4,93 para R$ 4,90, quarta baixa consecutiva.

Para 2024, a projeção permaneceu em R$ 5, mas é menor do que os R$ 5,05 vistos há quatro semanas.

Diversos bancos e corretoras têm revisado para baixo suas apostas para o câmbio em 2024.

O Itaú reduziu a projeção para a taxa de câmbio de R$ 5,00 para R$ 4,90 ao final deste ano. Para 2024, a estimativa passou de R$ 5,25 para R$ 4,90. Os economistas do banco citam a perspectiva de cortes de juros nos EUA, o que deve gerar um alívio parcial na esperada redução do diferencial de juros.

Eles ressaltam que o prêmio de risco doméstico, que está em níveis baixos, e o bom desempenho da balança comercial “devem continuar nos próximos anos e oferecem suporte para a moeda”.

“Continuamos esperando que a economia americana performe melhor do que as demais, o que limita o espaço para uma expectativa de dólar global muito mais fraco, limitando também, na nossa visão, o espaço para um real mais apreciado no próximo ano”, destacam os economistas do banco, em relatório.

O Bank of America (BofA) também observa um cenário benigno para a taxa de câmbio no próximo ano, ao esperar que o dólar encerre 2024 em R$ 4,75.

O que pode atrapalhar?

Na avaliação do Santander, que também revisou para baixo sua projeção de câmbio de R$ 5,10 para R$ 5 ao final desse ano, tanto os riscos fiscais domésticos quanto a perspectiva de que a Selic deve continuar em processo de queda devem limitar a baixa do dólar no próximo ano. O Santander manteve inalterada sua projeção de dólar a R$ 5,25 no final de 2024.

Unterberger, do Opportunity Total, também avalia que o cenário fiscal interno é um dos maiores riscos para o primeiro semestre.

O mercado não espera que o governo atinja a meta de déficit zero em 2024, projetando um rombo próximo a 1% do PIB. Ainda assim, a forma como a mudança será feita e comunicada e, em caso de descumprimento, se o governo acionará os gatilhos contidos nas regras do arcabouço devem ser fatores que ficarão no radar dos investidores.

— É mais um risco (cenário fiscal). Estamos com os astros bem alinhados para que os ativos de risco andem bem. Não só o câmbio. Não vejo razões para que isso mude no começo do ano que vem. Mas ao longo do próximo ano, teremos inúmeros desafios como as eleições nos Estados Unidos e a mudança na presidência do Banco Central — disse Unterberger.

O economista-chefe da Neo Investimentos avalia que para o próximo ano, o cenário ainda é incerto para o câmbio.

— Os Estados Unidos devem cortar juros, o que dá uma aliviada nessa força do dólar que prevaleceu nesses últimos anos. Ao mesmo tempo, ainda temos um entorno complicado. O dólar é sempre relativo a outras moedas. A Europa passa por um período de economia mais fraca e a China tem enfrentado dificuldades para entregar suas metas de crescimento.


Fonte: O GLOBO