Hoje sob risco de afundamento, mina operou por 25 anos para exploração de sal-gema. Empresa afirma que 'não conseguiu acessar a cavidade' por nenhum de seus três poços

Em relatório de situação apresentado pela Braskem à Agência Nacional de Mineração (ANM) na quarta-feira, e obtido pelo GLOBO, a empresa afirmou que já não conseguia examinar a Mina 18 com sonares desde antes do dia 23 de novembro -- uma semana depois desta data, no dia 29, a mineradora passou a emitir alertas às autoridades sobre risco de "deslocamento abrupto" do solo.

No documento, a Braskem disse ter conseguido acessar a mina com sonar pela última vez no dia 4 de novembro, mas obteve acesso a apenas parte da cavidade. Com a intensificação de atividade sísmica na área, dois dias depois, a empresa suspendeu temporariamente o monitoramento com sonar. Ao tentar retomá-lo, "as equipes voltaram a campo, ocasião em que já não foi possível acessar a cavidade 18 através dos seus três poços para realização do exame de sonar".

A empresa não precisou, em seus relatórios, a data em que constatou que não conseguia mais examinar a Mina 18. Mas diz que isto ocorreu após o dia 11 de novembro, quando retomou sua atuação na área "de forma gradual" após os eventos sísmicos, e antes do dia 23 de novembro -- isto é, na semana anterior ao alerta de colapso --, "previamente ao isolamento da área".

O uso de sonares permite à Braskem mensurar o volume total de cada uma das 35 minas de sal-gema que explorava em Maceió, além de acompanhar eventuais impactos de movimentação do solo. Com a impossibilidade de mapear a Mina 18 por dentro, a empresa vem se baseando em monitoramento por satélite e em sensores externos -- especialmente um aparelho às margens da Mina 20, vizinha à mina sob risco de colapso -- para medir a movimentação do solo e o ritmo de afundamento.

Segundo a empresa, ao tentar acessar novamente a Mina 18, a tubulação usada na medição chegou à mesma profundidade alcançada pelo sonar no dia 4 de novembro, mas não conseguiu alcançar o "teto" da mina. O relatório entregue à ANM admite que este fato "pode ser devido a uma deformação do poço para fora da cavidade, ou a uma mudança de geometria" da Mina 18. Por ora, segundo a Braskem, não há possibilidade de saber a situação exata da Mina 18.

"A confirmação da situação da cavidade M#18 pós-evento, e a definição das medidas futuras que serão adotadas só serão possíveis com a retomada da condição de acesso seguro à área, inclusive, a tentativa de realização de sonar na cavidade M#18", diz o documento.

Aberta em 1989, a Mina 18 esteve em operação por 25 anos, até outubro de 2014, quando a Braskem decidiu parar de usar o poço. Em 2019, quando o Serviço Geológico Brasileiro (CPRM) atestou que o afundamento do solo em Maceió tinha relação com a extração de sal-gema, a empresa realizou uma medição com sonar que identificou a Mina 18 em formato piramidal, com cerca de 120 metros de diâmetro na parte mais larga.

Quatro anos depois, em maio de 2023, a empresa voltou a realizar um exame com sonar na Mina 18. Na ocasião, foi identificado pela primeira vez um formato de "ampulheta" (veja a comparação abaixo), uma deformação no poço, que estava se movendo para cima da camada de sal.

Mina 18: à esquerda, na cor preta, desenho do poço em 2019; à direita, formato em agosto de 2023, no formato de "ampulheta" — Foto: Reprodução/Relatórios da Braskem

À época, a Braskem estava em fase de preparação para preencher a Mina 18 com areia, após ter detectado no ano anterior sinais de despressurização do poço. Por conta da "configuração complexa de cavidades segmentadas e conectadas por uma passagem estreita", a Braskem resolveu abrir dois novos poços auxiliares para monitorar e depois preencher a mina: um para a cavidade superior, outro para a cavidade inferior. O poço superior foi usado para o monitoramento com sonar no dia 4 de novembro.

A partir do dia 6 de novembro, culpando a atividade sísmica que entrou no patamar de "atenção", a Braskem afirma que não conseguiu prosseguir com o monitoramento da cavidade inferior, conforme o relatório apresentado à ANM nesta quarta-feira.

Em outro relatório, contudo, a empresa deu mais detalhes sobre problemas na Mina 18, após o início dos eventos sísmicos de 6 de novembro -- isto é, três semanas antes de disparar o alerta de possível colapso. Segundo a Braskem, a coluna de metal usada para conduzir o sonar à parte inferior da Mina 18 ficou "aprisionada" em um dos poços "após evento". Esta informação foi compartilhada pela empresa, no dia 22 de novembro, com o grupo de trabalho da ANM responsável por acompanhar o fechamento das minas, em um relatório classificado como "confidencial".

Na ocasião, a Braskem informou que havia feito "tentativa de liberação da coluna do poço 18AD aprisionada após evento", referindo-se ao poço que acessa a porção inferior da Mina 18. Ao listar seus "próximos passos", a empresa registrou que o objetivo ainda era "tentar viabilizar sonar na cavidade 18 por meio de operação de pescaria nos poços 18AD e 18CD" -- este último, o poço que chega à cavidade superior -- e que, em caso de insucesso, buscaria "medidas adicionais".

Procurada pelo GLOBO, a Braskem informou, em nota, que o aprisionamento é configurado quando a coluna fica "retida em alguma posição do poço e não adentra a cavidade, e sem isso não é possível realizar o sonar". "Esse tipo de dificuldade pode acontecer em atividades dentro de poços e, nesse caso, são necessárias etapas adicionais para completar o trabalho", disse a empresa.

Questionada sobre como a falta de visualização da Mina 18 com sonar há mais de duas semanas afeta o controle de danos, diante do risco de colapso da mina, a Braskem disse que "continua acompanhando os dados fornecidos pela rede de monitoramento" na superfície, e reiterou que só definirá medidas adicionais quando houver "condições de acesso seguro à área".

Bloqueio com tapumes

O relatório desta quarta-feira, intitulado "Relatório de Situação", foi uma exigência feita pela ANM no último dia 29, quando houve o alerta de risco de colapso. A agência determinou que, além de atualizações diárias, a Braskem faça um balanço semanal das atividades.

No documento, a Braskem elencou duas "fases" de atividades sísmicas relevantes na região da antiga extração de sal-gema. A primeira, entre os dias 6 e 10 de novembro, não indicou "deslocamento anormal da superfície", com taxa de afundamento dentro do esperado, dado o histórico da região desde 2019. Já a segunda sequência, iniciada no dia 20, trouxe problemas.

O relatório cita que uma "deformação atípica do terreno teve início no dia 21/11/2023", após semanas de atividade sísmica mais intensa nos arredores da Mina 18. A partir daí, a Braskem identificou trincas (rachaduras) no solo próximo à entrada da mina, além de detectar o avanço da Lagoa de Mundaú sobre o aterro, um sinal de afundamento mais acentuado do solo.

Área próxima à Mina 18 da Braskem apresenta trincas no solo e tem sinais de avanço da Lagoa de Mundaú, devido ao afundamento — Foto: Reprodução/Relatório da Braskem

Por conta do agravamento da situação no dia 20, a Braskem informou ter cercado a área mais próxima à Mina 18 com tapumes. Este procedimento, segundo a empresa, foi comunicado à ANM no dia 23 de novembro, quando uma equipe técnica da agência realizava uma visita periódica na região.

"Como ação complementar à suspensão temporária e preventiva das operações nesta área que apresentava movimentação de solo, foi realizado o seu bloqueio físico (com tapumes), considerando os limites de segurança estabelecidos", informou a empresa.

Ao GLOBO, a Braskem ressaltou ter comunicado à Defesa Civil de Maceió no dia 28 de novembro sobre a movimentação atípica do solo na área, e que desde então "pediu apoio para o isolamento da área".

Um ofício enviado pela Braskem a Fernando José da Costa Bispo, gerente da ANM em Alagoas, no dia 29 de novembro registrou que "todas as atividades de fechamento das frentes de lavra, inclusive transporte e armazenagem de areia foram temporariamente suspensas desde a noite" do dia 28, "por volta das 20h".

No dia 29, ainda segundo os ofícios diários da Braskem, a análise com o sensor localizado próximo à entrada da Mina 18, na superfície, "começou a indicar (...) correlação que permite usar esse método para avaliar possíveis condições de deslocamento abrupto do solo", inclusive com possibilidade de sinkhole, termo técnico para designar a abertura de uma cratera.

Já no relatório de situação desta quarta-feira a empresa pontuou que, desde o último dia 30, logo após o alerta de risco de colapso feito pela Defesa Civil de Maceió, houve uma "redução na sismicidade" e também uma "redução significativa na velocidade de movimentação do solo". Desde então, o afundamento acumulado do solo na região da Mina 18 já ultrapassou os 2 metros, mas o ritmo vem diminuindo. Por conta dessa diminuição, a prefeitura de Maceió reduziu o nível de "alerta máximo" para "alerta", mas manteve recomendações para que se evite acesso à área da Mina 18.


Fonte: O GLOBO