Se casas de apostas começam a patrocinar alguém, pode haver uma razão comum ou não passar de coincidência

Um dos meus primeiros aprendizados numa redação foi resumido por um chefe — num tom meio jocoso, meio a sério — com a seguinte frase: “dois é tendência”. Se uma casa de apostas patrocina o esporte, é só isto, uma empresa firmando um patrocínio atrás de visibilidade, reconhecimento de marca, coisa e tal. Mas se duas casas de apostas patrocinam, pode ser que venha a terceira, a quarta, a quinta. O padrão indica uma tendência, e tendências ajudam a contar histórias.

Minha carreira começou num veículo especializado em marketing esportivo, daí o motivo para exemplificar a ideia com o patrocínio de uma casa de apostas. Mas ela se aplica a todo tipo de assunto, inclusive os mais corriqueiros do futebol. Se o Botafogo perdeu três partidas consecutivas, pode ser que perca a quarta e a quinta. Será que o título do Brasileiro está ameaçado?

Eis outro tipo comum de padrão numérico que geralmente ganha mídia: o Vasco leva vantagem nos duelos contra o Fluminense! Nas 331 vezes em que os clubes se enfrentaram na história, o time cruz-maltino venceu 121, houve 100 empates, enquanto os tricolores ganharam 110. Há quem chame isto de “estatística”, como se o retrospecto pudesse gerar interpretações úteis para alguém.

A realidade é que o histórico tem influência zero. Não adianta considerar o jogo em que Telê Santana era ponta no Fluminense, ou quando o Dinamite era artilheiro do Vasco. Na verdade, meses atrás já não serve mais. São outros atletas e comissões técnicas, entre tantas as variáveis que mudaram. O 4 a 2 de sábado se explica pelas circunstâncias desta ocasião: técnica, tática, psicológico, físico e sorte.

Às vezes surgem padrões relacionados ao futebol de maneira estrutural — e arrisco dizer que estes são piores, pois confundem a torcida e contaminam o debate. Migrar o futebol para a SAF é bom ou ruim, afinal? Estudar caso a caso dá trabalho e provavelmente acabará numa resposta sem graça, do tipo “depende”. Já olhar a tabela do campeonato é fácil. O Botafogo vai bem, o Cruzeiro está mais ou menos, enquanto Bahia, Vasco e Coritiba estão indo muito mal. Não parece bom negócio, hein?

Também tem análise que fica assim: a 777 Partners entende de futebol? Vejamos as situações dos clubes que ela comprou. O Vasco está em 18º no Brasil, o Genoa rebaixou na Itália, o Hertha Berlin rebaixou na Alemanha, ambos após a venda para o grupo. Se “dois é tendência”, três é suficiente para atestar a incompetência dos americanos! É ou não é? Óbvio que não. Sem checar as variáveis de cada um e apurar como os casos se relacionam, se é que existe relação entre eles, não há nada.

Identificar padrões é natural do ser humano, tanto quanto faz parte do ganha-pão do comunicador esportivo. Hoje não há nenhum clube catarinense ou pernambucano na primeira divisão nacional; anos atrás, havia muitos. O que há de errado com o futebol nesses Estados? O Valladolid subiu e caiu sob a direção de Ronaldo. Será este o futuro do Cruzeiro? Quantas vezes um time com sete pontos de vantagem, na 24ª rodada, deixou escapar o título do Brasileirão? Te cuida, Fogão!

Dei sorte porque, junto da frase “dois é tendência”, ensinaram-me que padrões servem no máximo para começar a pauta. Muitas perguntas precisam ser feitas a seguir. Se casas de apostas começam a patrocinar alguém, pode haver uma razão comum, um efeito manada, ou não passar de coincidência. No campo ou fora dele, se não tivermos cuidado com tais conclusões, sobra só a desinformação.


Fonte: O GLOBO