O senador Renan Calheiros (MDB-AL) conseguiu reunir na última quinta-feira (14) 45 assinaturas de apoio à criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Braskem, para apurar o tamanho do passivo ainda não reparado pela empresa após afundamento do solo de cinco bairros de Maceió, que deixou mais de 50 mil pessoas desabrigadas.

A tragédia, considerada o maior desastre ambiental urbano da história do Brasil, foi provocada pela extração do sal-gema, minério utilizado na indústria petroquímica. A desestabilização do solo condenou 20% do território da capital alagoana.

O número de assinaturas é suficiente para que a CPI seja instalada, e a lista de apoiadores é eclética. Vai da ex-ministra bolsonarista Damares Alves (Republicanos-DF) ao líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (sem partido-AP). Mas tem uma particularidade: quase nenhum dos oito senadores do PT endossou a criação da CPI.

Apenas Paulo Paim (PT-RS) assinou o requerimento de Renan e, segundo apurou a equipe da coluna, em meio a um clima de desconforto no partido.

Apesar do apelo social e ambiental do desastre e do fato de o partido compor a base do governador Paulo Dantas (MDB), aliado de Renan, a equipe da coluna apurou que para o PT o que mais pesou foi o interesse econômico do governo federal.

De acordo com senadores da base lulista, o líder do governo no Senado, Jaques Wagner, orientou a bancada para que não assinasse o pedido de CPI, preocupado com o estrago que a investigação pode causar ao processo de venda da parte da Novonor (ex-Odebrecht) na Braskem, que é a maior do setor petroquímico na América Latina e da qual a Petrobras tem 36% das ações.

Também houve pressão direta de Prates, ele próprio um integrante da bancada do PT até janeiro deste ano, quando assumiu o comando da Petrobras por indicação do presidente Lula.

A Braskem está à venda desde 2019 e há três grupos interessados em comprá-la - as brasileiras Unipar e J&F e a estatal petrolífera de Abu Dhabi, a Adnoc. Mas a Petrobras tem o direito de preferência na compra dessa fatia da petroquímica, e está justamente analisando se exerce ou não esse direito. A empresa é também a maior fornecedora da nafta petroquímica, principal matéria-prima no setor, da Braskem

O CEO da Petrobras já assumiu que a empresa tem interesse em retomar o controle da Braskem. Só que, para calcular o preço justo pelas ações, é preciso primeiro saber qual o tamanho da indenização que o novo sócio terá que pagar pela tragédia de Maceió – o que é bem complexo de se calcular, uma vez que seus efeitos ainda persistem.

Neste ano, a companhia revisou os gastos previstos para as reparações e admitiu que seria necessário gastar quase R$ 1 bilhão a mais do que o estimado, mas não se sabe ao certo até que ponto as indenizações se estenderão.

Essa é justamente um dos objetivos da CPI proposta por Renan – e a principal razão pela qual o governo teme a instalação da comissão, que poderia elevar o passivo da Braskem a ponto de inviabilizar o negócio da Petrobras.

Não por acaso, Renan fez questão de citar a petroleira no requerimento de abertura da CPI. Além de se debruçar sobre as responsabilidades da Braskem no desastre, o senador cita entre os objetivos da comissão a apuração dos impactos da tragédia “em seus milhares de investidores e acionistas, incluindo a Petrobras”.

No requerimento, o senador diz que quer apurar por que a Braskem distribuiu dividendos bilionários, a despeito da indefinição quanto aos gastos relacionados ao desastre.

Renan tem ainda um interesse direto no caso. Seu aliado Paulo Dantas reivindica que a Braskem, que já se comprometeu indenizar o município de Maceió em R$ 1,7 bilhão e fechou acordos com moradores afetados pelo afundamento do solo, também pague uma indenização aos cofres estaduais,

O estado alega que se tornou o maior credor da Braskem em função do desastre, que teria provocado uma dívida de mais de R$ 20 bilhões em função da realocação de moradores e exige uma reparação. O governo estadual também cita um impacto direto na arrecadação do ICMS nas áreas atingidas e a perda de postos de saúde e escolas.

Tanto Renan como o governo alagoano também já fizeram uma representação ao Tribunal de Contas da União (TCU) pedindo a suspensão da venda da Braskem, até que sejam fechados acordos de reparação financeira com todos os afetados pelo afundamento do solo – incluindo, é claro, o estado de Alagoas. O caso ainda está em análise na corte de contas.

Renan Calheiros tem dito a aliados que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), se comprometeu a instalar a CPI em ritmo célere. Entretanto, interlocutores de Pacheco afirmaram à equipe do blog que não houve nenhum acordo nesse sentido até agora.

Como já ultrapassou o mínimo de 27 assinaturas, a comissão pode, em tese, ser instalada a qualquer momento. Bastaria a leitura de seu requerimento em plenário. Entretanto, existem brechas para que o presidente do Senado protele a criação de colegiados. Não há um prazo regimental para instalá-los, o que, em alguns casos, só ocorreu após determinação do STF – como as CPIs da Covid e a da Petrobras, em 2014.

Tudo indica que é o que Pacheco fará. O presidente do Senado tem se mostrado afinado com o Palácio do Planalto e mantém influência sobre o Ministério de Minas e Energia através do correligionário Alexandre Silveira.

Regimentalmente, comissões parlamentares de inquérito têm duração prevista de 120 dias, mas podem ser prorrogadas por mais 60.

Levando em conta o calendário do Congresso, mesmo que Pacheco resolva logo instalar a CPI, os trabalhos se estenderiam pelo primeiro semestre de 2024.

Se a comissão começar a convocar executivos da empresa e vítimas da tragédia, isso pode afetar ainda mais a imagem da empresa e, consequentemente, potenciais ofertas de mercado. É esse o pesadelo do governo Lula, que ao que tudo indica ainda deve fazer mais esforços para evitar a CPI.


Fonte: O GLOBO