Avaliação é que se Lula insistir em incentivos para troca de produtos da linha branca, Haddad pode buscar fontes de compensação. Para Tebet, antes, é preciso ‘acontecer o Desenrola’
O projeto do governo, defendido publicamente pelo presidente Lula, para reduzir a carga tributária de eletrodomésticos deve enfrentar resistência da equipe econômica. Na Fazenda, internamente, a avaliação é que o ministro Fernando Haddad vai resistir à ideia.
A justificativa é que qualquer medida com impacto fiscal precisa de uma contrapartida — no momento em que a equipe econômica busca reduzir o déficit projetado para as contas públicas este ano e zerar em 2024.
Se Lula insistir no programa, Haddad deve aceitar e buscar as fontes para a compensação. Ontem, em entrevista ao jornalista Kennedy Alencar, da Rede TV!, o ministro disse que poderá discutir um possível programa com Lula.
— Amanhã eu tenho despacho com ele (presidente Lula) e isso deve ser tema — disse Haddad. — Sempre tem que encontrar espaço (fiscal).
Ao propor a ideia ao vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Geraldo Alckmin, na quarta-feira, Lula citou o programa para carros, ônibus e caminhões, que fez uso de crédito tributário (descontos em pagamentos de impostos no futuro). A solução encontrada para compensar o gasto com esse programa foi antecipar a volta da cobrança de impostos sobre o óleo diesel, do fim do ano para setembro.
No caso dos eletrodomésticos, o governo pode trabalhar novamente com crédito tributário ou reduzir as alíquotas dos impostos federais sobre os produtos, a exemplo do que fez em 2009. A ideia seria adotar como critério para desoneração a eficiência dos aparelhos no consumo de eletricidade ou água.
'Antes precisa acontecer o Desenrola', diz Tebet
Lula pediu uma “aberturazinha” no Orçamento para criar esse programa. Ontem, no entanto, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, afirmou não haver nada calculado nesse sentido.
Segundo ela, apesar da vontade política de Lula e do governo como um todo, não adianta apresentar um programa de estímulo ao consumo antes do Desenrola, que visa reduzir o endividamento dos brasileiros.
— O mais importante e primordial para que isso aconteça é, antes, acontecer o Desenrola. As famílias estão endividadas, então não adianta lançar uma linha branca com desconto. As pessoas não vão comprar, ou vão pedir empréstimos com juros caríssimos — afirmou Tebet, esclarecendo que ainda não há números para saber se há espaço fiscal para um programa desse tipo.
Setor vai fazer sugestões
Já a Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros) considera positiva a ideia, pois haveria estímulo para trocar produtos antigos por modelos mais eficientes, com menor consumo de energia e água.
— O consumidor pagará menos pelo produto final e terá uma conta menor de energia e água — disse o presidente executivo da Eletros, Jorge José do Nascimento Júnior.
A Eletros espera entregar ao governo, em até 40 dias, o esboço de um programa de incentivos, que tenha sustentabilidade e eficiência energética dos produtos como pilares.
De acordo com Nascimento, já houve reuniões do setor em três ministérios para tratar do tema: Casa Civil, Cidades e Desenvolvimento, Indústria e Comércio. Ele afirma que o programa precisa alcançar famílias de diversos níveis de renda e garantir acesso a produtos com eficiência enérgica.
Além de incentivo tributário, a indústria deve sugerir a criação de crédito subsidiado para troca de eletrodomésticos, envolvendo beneficiários do Minha Casa, Minha Vida.
— A desoneração é interessante. Mas precisamos de um programa sustentável — disse Nascimento. — Há no mundo alguns modelos de estímulo para aquisição de eletrodomésticos mais eficientes, por exemplo, com abatimento no Imposto de Renda.
Atenção à inadimplência
Entre os produtos que podem entrar na lista de incentivos estão: ar-condicionado com consumo 40% menor, lava-roupas que consomem 25% menos água e 30% menos energia, e geladeiras que gastam até 25% menos.
O estudo para incentivar a troca de eletrodomésticos vem em um momento em que o setor registrou alta de 13% nas vendas no primeiro semestre deste ano, na comparação anual, segundo dados da Eletros. O avanço, porém, não recupera a queda de 15% no primeiro semestre de 2022.
Carla Beni, economista e professora de MBAs da Fundação Getulio Vargas (FGV), ressalta que a redução tributária deve ter um prazo limitado, ou haverá queda na arrecadação e alta na inadimplência:
— O que deveria ocorrer é a redução da Selic (a taxa básica de juros) para baixar o custo do crédito, pois a inadimplência é relevante no país.
O consultor Antonio Cesar Carvalho, sócio-diretor da Acomp Consultoria, alerta para o impacto nos níveis de inadimplência, em alta por conta dos juros elevados. Dados da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) apontam que em abril de 2023 o número de inadimplentes no país chegou ao patamar recorde de 66,08 milhões de brasileiros.
— A redução na carga tributária pode dar uma sensação de alívio momentaneamente, mas pode gerar uma frustração a médio e longo prazos para parte da população que não sabe fazer planejamento financeiro, embora para o varejo seja até uma boa notícia — analisou Carvalho.
Fonte: O GLOBO
0 Comentários