Presidente disse que setor tem ‘problema ideológico’ com sua gestão; bancada ruralista reagiu e pediu respeito

Uma nova declaração do presidente Luiz Inácio Lula (PT) criticando o agronegócio ampliou o desgaste do petista com o setor, que apoiou maciçamente a reeleição de Jair Bolsonaro no ano passado. Nesta quinta-feira, Lula afirmou que o agronegócio tem um “problema ideológico” com o governo, e a bancada ruralista reagiu.

Em entrevista a rádios de Goiás, Lula disse que “não quer saber se produtor rural gosta” dele ou não e pontuou que atua por “condições melhores” de trabalho para 215 milhões de brasileiros, incluindo o agro, setor em que enxerga resistências.

— Pergunte quanto eles pagavam por uma máquina dessas colheitadeiras, toda automatizadas, no governo do PT. Tenho noção do que nós fizemos, o problema deles conosco é ideológico, não é problema de dinheiro a mais no Plano Safra. 

Não quero saber se produtor rural gosta de mim ou não. O que está em jogo é recuperar a capacidade produtiva desse país sem desmatamento e sem queimada na Amazônia — disse Lula. — Temos mais de 30 milhões de terras degradadas que podem ser recuperadas e que a gente pode dobrar nossa produção agrícola — acrescentou.

Para o deputado federal Pedro Lupion, que preside a bancada ruralista na Câmara, as declarações de Lula tiveram um “tom ruim”.

— O setor agropecuário espera respeito. Mais do que palavras vazias, precisamos de ações efetivas. Não somos ideológicos, pelo contrário, se o presidente diz que o Plano Safra será robusto, terá nosso aplauso — afirmou. — Nós tivemos no começo do governo uma relação muito ruim, demonstrações e falas muito negativas para o setor. Depois, conseguimos criar algumas pontes.

Morde e assopra

A fala de Lula ocorre após acenos do presidente ao agronegócio. Na última semana, na Bahia, o petista participou pela primeira vez neste mandato de um evento do setor. O governo anunciou ainda uma linha de crédito de R$ 7,6 bilhões para investimentos em sustentabilidade, ampliação da capacidade de armazenagem e segurança alimentar, além de R$ 3,6 bilhões para o Plano Safra e R$ 4 bilhões em linha de financiamento em dólar no Crédito Rural. Segundo Lula, o plano é voltado “tanto para a agricultura familiar quanto ao agronegócio”.

As tensões de Lula com o agronegócio foram evidenciadas ainda na campanha eleitoral, quando em entrevista ao Jornal Nacional o petista usou os termos “fascista” e “direitista” para classificar parte do segmento. Após sua posse, as relações permaneceram conflituosas. O maior ponto de tensão aconteceu em abril, quando o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, afirmou ter sido “desconvidado” pela Agrishow, em Ribeirão Preto (SP). 

O desconforto ocorreu após a confirmação da presença de Bolsonaro na abertura do evento, a maior feira agrícola da América Latina. Após o constrangimento, o governo anunciou que o Banco do Brasil iria retirar o patrocínio da Agrishow. Com toda a polêmica, a organização do evento cancelou a cerimônia de abertura, mas Bolsonaro visitou a feira com o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).

Outro movimento do governo que gerou críticas do setor foi a a inclusão do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável, o Conselhão. 

O grupo foi pivô de outros pontos de estremecimento na relação do Planalto com ruralistas, tendo como ápice abril, quando desencadeou uma série de invasões a propriedades rurais, no chamado de “Abril Vermelho”. Mesmo sob críticas dos ruralistas, o líder sem-terra João Pedro Stédile fez parte de comitiva de Lula em viagem à China.

O clima ruim se acentuou após um grupo de sem-terra invadir uma fazenda da família da senadora Tereza Cristina (PP-MS), em Mato Grosso do Sul. Eles foram retirados após a chegada da Polícia Militar. Em nota, o MST negou relação com o caso.


Fonte: O GLOBO