Guilherme Mello diz que arcabouço preserva espírito da LRF de estabilizar dívida. Em resposta a Arminio, afirma que aritmética da proposta faz sentido

O secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Guilherme Mello, rebate as críticas de que o arcabouço fiscal não prevê punição ao presidente da República pelo eventual descumprimento das metas fiscais. Ele afirma que a nova regra tem incentivos mais corretos, ao determinar corte no crescimento de gastos no ano seguinte e obrigar o presidente a se explicar ao Congresso numa carta.

Um dos auxiliares mais próximos de Fernando Haddad, ele responde à crítica do ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga, que afirmou no Senado que a aritmética do arcabouço fiscal não fecha.

Há uma preocupação de que o crédito direcionado do BNDES reduza a potência da política monetária. A Fazenda vê isso?

Essa é uma discussão antiga. O BNDES já teve um volume de operações significativamente maior do que hoje, com taxas de juros que eu não diria subsidiadas, mas muito mais subvencionadas. Então, crédito direcionado não significa, necessariamente, crédito subsidiado. O mercado de crédito mudou muito. Esse não é o elemento fundamental para explicar a Taxa Selic.

O governo irá cortar despesa?

Estamos propondo corte de despesas, estamos propondo o corte de gastos tributários. Estamos falando em fazer uma reavaliação desses gastos, para encontrar onde estão as ineficiências e, ao mesmo tempo, fortalecer os investimentos de boa qualidade. É uma questão qualitativa.

Estamos substituindo gastos de baixa qualidade por investimentos de alta qualidade, que distribuem renda e geram empregos, que aumentam o rendimento dos trabalhadores e que direcionam o país à transformação produtiva que precisa.

O que o senhor considera inegociável, que não pode ser alterado no projeto?

O arcabouço traz o desenho geral de como serão definidos o crescimento dos gastos, o resultado primário, e como será compatibilizado isso com a sustentabilidade da dívida. Achamos importante que as características essenciais da proposta, de viabilizar e compatibilizar responsabilidade fiscal e responsabilidade social, sejam preservadas. Os parâmetros, eventualmente, o desenho de alguma questão ou outra, você pode discutir, ajustar.

Há críticas por não ter punição em caso de descumprimento da meta. Isso pode ser mudado?

Há punição pelo descumprimento da meta. Antes não havia essa possibilidade porque constituía-se crime. Então, se colocava uma meta frouxa ou mudava-se a meta para ela ser cumprida, por exemplo. O que estamos fazendo é substituir uma sanção criminal por uma sanção político-reputacional e uma sanção econômica.

A sanção política será o fato de que o presidente precisa escrever uma carta explicando por que não cumpriu o compromisso. E a sanção econômica é que no ano seguinte o ritmo de crescimento do gasto vai precisar diminuir. Nenhum país adota a criminalização da política fiscal.

Não é um desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF)?

Nós preservamos o espírito da LRF, que é o objetivo de alcançar superávits, de estabilizar a dívida. Só que substituímos o mecanismo de sanção criminal por um mecanismo muito mais eficaz. E não tem incentivo para mudar a meta no meio do caminho.

A lei não poderia trazer mecanismos de correção de gastos claros em caso de descumprimento da meta?

O que nós estamos fazendo é diferente, é dizendo que vai ter que cortar. Onde vai cortar, cada governo vai dizer. De toda forma, o governo vai ter que reduzir gastos no ano seguinte se não cumprir a regra. Existe punição, ela é efetiva, ela precisa ser cumprida no ano seguinte. O que existe é apenas uma flexibilidade do ponto de vista de onde vão ser os cortes. Existe a punição e o enforcement. Nós achamos que ele cria os incentivos mais corretos que o enforcement anterior.

Como o senhor vê críticas de setores do PT ao arcabouço?

A democracia é ruidosa, e o PT é um partido democrático. Eu tenho certeza que o PT, assim que definir uma posição como partido, como de costume, vai votar unificado. Mas, assim como virão emendas de outros partidos, de outros setores econômicos, também virão sugestões de emendas do PT, dos sindicatos, dos movimentos sociais. Estamos dispostos a discutir com todos os setores da sociedade.

Há uma crítica no PT de que o ritmo de alta do gasto no arcabouço é menor do que em governos anteriores.

De fato. No governo FH foi mais de 2,5% ao ano, por exemplo. Estamos sendo mais restritivos. Porque precisamos recuperar a trajetória de sustentabilidade. Ao mesmo tempo, esse ritmo de alta é capaz de manter e fortalecer as políticas públicas.

Como o senhor responde às críticas de Arminio Fraga de que a aritmética não fecha?

O arcabouço prevê a recuperação de superávits primários. Não vejo incompatibilidade entre o que estamos dizendo e o que o Arminio disse. Nós concordamos. Estamos também falando em recuperar o patamar de receitas que existia, inclusive, até o ano passado, recuperar o patamar histórico, mas também um tempo muito recente.

Não é uma aposta em elevação substancial da carga tributária, como ocorreu, por exemplo, entre 1998 e 2002, no período em que ele estava no governo.

A aritmética do arcabouço faz sentido?

É a que mais faz sentido, já que você está em uma situação de déficit primário e almeja recuperar o superávit. O que fizemos é uma conta simples: para sair do déficit e chegar no superávit é necessário que o crescimento das despesas seja inferior ao das receitas. Quanto mais rapidamente recuperarmos a base fiscal, sem criar novos impostos ou aumentar alíquotas, só combatendo privilégios e distorções, mais rapidamente vamos conseguir.


Fonte: O GLOBO