Coordenador do ‘centro terapêutico’ e outros dois auxiliares tornaram-se réus por associação criminosa, cárcere privado, tortura, condição análoga à escravidão e retenção de documentos

A clínica de reabilitação Líber Centro Terapêutico, no balneário Pontal do Sul, em Pontal do Paraná, publicava nas redes sociais o trabalho positivo supostamente realizado com dezenas de pacientes da instituição. 

As postagens, que mesclam atendimento social e viés religioso, mostram rapazes aparentemente felizes em atividades cotidianas. Segundo o Ministério Público, no entanto, o local submetia pessoas a uma variedade de crimes que vão de tortura a condição análoga à escravidão.

Três homens foram denunciados, nesta quinta-feira, pelo Ministério Público do Paraná. Eles teriam cometido, ainda, os crimes de associação criminosa, cárcere privado e retenção de documentos pessoais. Identificados como Pablo Fernandes, Narcizo Possebon dos Santos e Felipe Dala Dea Pagano, os agora réus estão presos preventivamente desde o dia 17 de abril, quando a polícia descobriu que por mais de 15 dias, pelo menos seis pacientes foram mantidos em “condições de grave sofrimento físico e moral”.

Entre as vítimas, estavam adolescentes e idosos. As investigações mostraram, ainda, que os réus submetiam as vítimas a agressões e privações de alimentação e higiene como castigo por supostas desobediências.

Nas publicações feitas pelos representantes da clínica, um dia-a-dia comum e saudável. As legendas das fotos relatam as atividades realizadas pelos pacientes — todos do sexo masculino — no local. “Hortinha sendo preparada com muito amor”, diz o texto da publicação que mostra um dos pacientes pintando o canteiro de uma horta que seria instalada.

As postagens também mostram as atividades religiosas do “centro terapêutico”. Em uma das publicações, um grupo de jovens aparece em um tipo de oração. “Sexta pede um culto abençoado! Só gratidão”, escrevem.

O coordenador da clínica, Pablo Fernandes, também exibia o trabalho em seu perfil pessoal. Em uma das fotos, Pablo aparece segurando uma bíblia, e diz que a equipe tem “conhecimentos complementares, com metas de desempenho e de abordagens comuns, pelos quais todos são mutuamente responsáveis, além de outras formas de terapias”, e afirma: “eu faço também a parte da espiritualidade”.

Outras publicações mostram os pacientes em momentos de recreação, jogando sinuca e futebol na área externa da clínica.

No centro terapêutico, os internos tinham mãos e pernas amarradas e eram submetidos a banho gelado e agressões físicas como método de punição por tentativas de fuga do local, quando queriam entrar em contato com familiares para comunicar a situação, por exemplo.

Os pacientes também eram obrigados a realizar serviços de limpeza nas dependências da clínica, “inclusive de necessidades fisiológicas feitas nos quartos e corredores por outras vítimas”, e os documentos de identificação pessoal eram apreendidos pelos denunciados.

Ainda segundo o Ministério Público, as investigações conduzidas pela Polícia Civil foram desencadeadas após relatos de ex-pacientes da unidade às equipes serviço social do município e à Guarda Municipal.

O órgão afirma que “as apurações prosseguem e, em caso de identificação de novas vítimas e outras pessoas envolvidas como responsáveis pelas agressões, novas denúncias poderão ser oferecidas”.

Procurada pelo GLOBO, a instituição alegou que a gestão é recente, que “infelizmente, a nova direção está pagando pela antiga”, e disse que os advogados do centro terapêutico trabalham para provar que no local é feito “um bom trabalho, com amor”.


Fonte: O GLOBO