Antes mesmo de começar a trabalhar, a CPI dos Atos Golpistas já colocou aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Congresso em um dilema.

Integrantes do governo e parlamentares da órbita petista ouvidos pela equipe da coluna ao longo dos últimos dias divergem sobre um ponto crucial: a conveniência política de convocar generais para depor sobre a omissão e a cumplicidade nos episódios que culminaram com a depredação das sedes dos três poderes em 8 de janeiro.

O tema tem potencial de desgastar ainda mais as relações do Palácio do Planalto com as Forças Armadas, que já vivem em clima de desconfiança mútua e acumulam uma série de atritos nesses primeiros meses de governo, com as trocas no comando do Exército e do Gabinete de Segurança Institucional (GSI).

Por um lado, a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, e o vice-líder do governo no Congresso, deputado Lindbergh Farias (PT-RJ), defendem da convocação dos generais alinhados a Jair Bolsonaro, como o ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional Augusto Heleno e o ex-ministro da Defesa Walter Braga Netto, companheiro de chapa do ex-presidente na última disputa eleitoral.

Para eles, tais depoimentos devem ajudar a reforçar a acusação de que a gestão Bolsonaro trabalhou contra as instituições democráticas e as urnas eletrônicas, insuflando extremistas e criando as condições para a invasão do Planalto, do Congresso e do Supremo após a vitória de Lula.

Na opinião da dupla, os depoimentos dos bolsonaristas teriam impacto tão positivo para o governo Lula que valeria a pena até mesmo enfrentar a convocação do general Gonçalves Dias, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional de Lula.

Conhecido como Gê Dias, ele foi flagrado em imagens do circuito interno perambulando pelo Palácio do Planalto no momento em que extremistas depredavam a sede do governo federal.

Mas nem todos concordam com a avaliação de Gleisi e Lindbergh, nem na bancada governista e nem no primeiro escalão de Lula.

“Quanto menos barulho a CPI fizer, melhor. Prefiro confiar nas investigações do STF”, disse à equipe da coluna um influente parlamentar governista com bom trânsito nas Forças Armadas.

Para esse aliado, o ideal seria “terceirizar” o trabalho e deixar o ministro Alexandre de Moraes, do STF, capitanear as apurações sobre os atos golpistas, tirando o foco do Congresso. E mais: se a CPI murchar e simplesmente não fizer nada até lá, melhor.

Um ministro do governo Lula aponta outro risco, caso os generais sejam realmente convocados a depor: de que versões conflitantes sobre os informes de inteligência e o esquema de segurança coloquem em rota de colisão integrantes das próprias Forças Armadas, tensionando a temperatura política na caserna. “Temos que ter cuidados para não jogar uns contra os outros.”

Na oposição, a convocação de generais que serviram ao governo passado tampouco é um assunto confortável. Mas como a tropa de choque bolsonarista já sentiu a hesitação dos lulistas, tem feito pressão para transformar em prioridade a convocação de Gê Dias.

Em entrevista à Globonews em 18 de janeiro, dez dias após os atentados, Lula disse que “uma comissão de inquérito pode não ajudar” e “pode criar uma confusão tremenda”.

Depois que as imagens de Gê Dias desorientado em meio aos ataques golpistas foram exibidas pela CNN Brasil, o governo teve que mudar de discurso e passou a defender a CPI, que acabou instalada oficialmente em 26 de abril.

A movimentação dos governistas nos últimos dias, porém, mostra que o discurso oficial pode até ter mudado, mas os receios permanecem os mesmos.


Fonte: O GLOBO