Enio Verri, que assumiu o comando da empresa em março, vai renegociar condições e valores de energia, em meio à pressão do Paraguai para poder vender seu excedente a terceiros países

À frente de Itaipu desde 10 de março, o ex-deputado petista Enio Verri diz não ver como “o fim do mundo” a permissão para que o Paraguai venda para terceiros países o excedente de energia da hidrelétrica. Atualmente, por força do tratado de 1973, Paraguai e Brasil só podem vender energia excedente para o outro sócio.

Verri afirma que a revisão do chamado anexo C — ou seja, as condições de venda e valores de energia de Itaipu após 50 anos, quando toda a dívida para a construção da então maior hidrelétrica do mundo foi quitada — terá de ser negociada: o Brasil quer a menor tarifa possível, e o Paraguai, o maior valor possível, já que vende a maior parte da energia a que tem direto.

Qual pode ser o impacto das eleições no Paraguai na renegociação das condições de venda e valores de energia de Itaipu, o chamado anexo C, agora que foi liquidada a dívida de construção da hidrelétrica?

O importante é destacar que, até agora, nós não discutimos a revisão do anexo C. E o que nós temos aqui é um grupo técnico, entre empregados e empregadas que discutem o anexo C nos seus vários pontos. E há o mesmo do lado paraguaio, eu sei que eles também têm discutido bastante. Mas as negociações não começaram. As negociações irão começar após a posse do novo presidente do Paraguai, em agosto.

Enquanto isso, seguimos nossa relação, sempre muito respeitosa. Não creio que a relação do lado brasileiro com o lado paraguaio será alterada com essa eleição. Embora seja público que, apesar de o Partido Colorado ter sido reeleito, é uma outra corrente política do partido que ascende à direção do país. Mas, no conjunto das políticas públicas que o Partido Colorado desenvolve, não creio que haverá qualquer dificuldade de mantermos nosso relacionamento.

Com a quitação da dívida de Itaipu, espera-se uma redução substancial para o consumidor?

A redução é esperada sim. O cálculo que tínhamos da tarifa, sem a dívida, seria de US$ 12,67 o quilowatt. Entretanto, nós temos só 50% de Itaipu. O outro sócio que detém 50% não abria mão de US$ 20 (o quilowatt), que era o quanto vinha sendo cobrado antes. Como tem de ser por consenso, sou obrigado a construir esse acordo.

O Paraguai abriu mão dos US$ 20 para US$ 16,71 o quilowatt. Tivemos de ceder também e chegamos a esse acordo. Este implica uma redução de, arredondando, 20% do preço da energia. Entretanto, o cálculo a ser feito é que Itaipu representa no máximo 10% da energia elétrica do Brasil. Vai dar algo em torno de 1% de redução para o consumidor.

Muitos no Paraguai defendem que o país venda o excedente de Itaipu no mercado livre de energia do Brasil...

O tratado de Itaipu de 1973 implica que o Paraguai só pode vender para o Brasil seu excedente. Assim como o Brasil, se tivesse, só poderia vender seu excedente para o Paraguai. Pelos dados que nós temos, o Paraguai tem, no máximo, dez anos apenas de excedente. Pelo crescimento da economia paraguaia, daqui a dez anos o país não terá mais excedente para vender. Logo, quem vai brigar para diminuir o preço da tarifa serão eles.

O tema Itaipu faz parte do dia a dia da vida do povo paraguaio, os jornais do país quase todo dia tocam no assunto. Tem vários setores no Paraguai que defendem que o excedente da energia do Paraguai vá para o mercado livre. Mas o mercado livre só daria certo se o Paraguai não tivesse dependência alguma do valor da tarifa. Veja só, estamos num período bastante úmido, tanto que Itaipu está vertendo.

Ora, se está vertendo porque tem excesso de água, isso quer dizer que se o preço da energia no Brasil está baixo, e se o Paraguai vender o excedente da produção de Itaipu no mercado livre, seria um valor bem menor do que ele recebe hoje. É uma conta que o novo governo paraguaio terá de fazer.

Para o Brasil é inegociável a restrição que impede o Paraguai de vender o excedente para outros países?

Não, não é inegociável. Até porque o presidente Lula trata com muita firmeza a importância da integração da América Latina e da América do Sul, tanto que está recompondo a Unasul. Então, tratar a produção da energia elétrica de Itaipu como mais um instrumento de integração não me parece o fim do mundo. Mas, é claro, qualquer tipo de integração e venda para outros países, como Argentina e Chile — algo que não é tão simples — é um diálogo que ultrapassa minha posição de diretor-geral.

É o que, no tratado de Itaipu, chama-se de negociação das altas partes: entre o chanceler brasileiro e o chanceler paraguaio, decidido depois pelos dois presidentes da República e aprovado nos dois Congressos. Então é uma etapa de construção de muito apoio, de muita negociação. Minha visão, como diretor-geral, é que não está excluída a possibilidade de Itaipu ser mais um grande instrumento de integração da América Latina.

Isso inclusive tem sido falado pelo presidente eleito do Paraguai, e a eleição de Lula já dava esses sinais: pode ser um primeiro grande passo para um aprofundamento da integração da América Latina via energia.

Como pode Itaipu ser uma base para essa integração energética?

Completamos 50 anos no dia 26 de abril, 50 anos de parceria, é um sucesso de integração de países nunca visto na História. E olha o que aconteceu nesses 50 anos: crise política, crise econômica, crise social dos dois lados, problemas, e essa integração permaneceu de forma respeitosa, prova de que é um case muito bem-sucedido de integração, melhor do que a maioria dos casamentos desse mundo.

Então o Paraguai tem experiência de integração com o Brasil e tem experiência de integração também de geração de energia. Então é possível sim. A experiência Brasil-Paraguai será ampliada para outros instrumentos. Construímos uma integração via energia. Eu, particularmente, vejo isso nos discursos do presidente Lula.

Historicamente, Itaipu paga muitas obras de integração, programas sociais, ambientais... isso pode ser uma moeda nessa negociação, mais obras em troca de uma tarifa mais barata?

Dentro dessa negociação, pode acontecer. Em troca de conseguirmos uma energia mais barata a ponto de impactar os custos brasileiros, comprometer-nos com mais obras, com mais integração, com mais infraestrutura no Paraguai ou na fronteira. Você estaria adicionando um possível artigo ao anexo?

Sim, é uma hipótese, e como toda hipótese, deve ser avaliada, mas pode acontecer que, ao negociarmos, a tarifa exija uma contrapartida. Agora, é claro, isso não é tão simples, porque ao baixar a tarifa para os próximos dez anos, o Paraguai abre mão de receita. O Brasil pode fazer um acordo meio a meio, parte em investimentos e parte em redução da tarifa. Isso ajudaria os dois lados.

As questões ambientais estarão nessa negociação, depois da seca, em 2021, que afetou a produção de Itaipu?

Sim, e temos de adicionar a isso a questão da transição energética. A hidrelétrica tem diminuído lentamente a sua participação na produção de energia do do país. A empresa tem olhado para hidrogênio verde, solar, eólica. Há estudos para se produzir energia solar na lâmina d’água da hidrelétrica. Temos um número bastante grande de gente trabalhando nessa transição. Quando essas inovações podem se tornar uma realidade? É difícil dizer uma data.

Vocês vão retomar a Unila (Universidade Federal da Integração Latino-Americana)?

Nos últimos seis anos, a obra ficou parada. Já criamos um comitê de trabalho, que vai rever o projeto. Já estamos organizando nossa capacidade de financiamento e temos um compromisso com o presidente Lula. Creio que o processo de licitação para o término da obra deve ocorrer este ano.

Como o senhor vê a recondução de André Pepitone, indicado por Bolsonaro, para o cargo de diretor financeiro? Isso causa algum constrangimento?

A mim, não. Nosso governo é uma frente ampla. Isso implica que esses partidos terão um espaço de governo. O André Pepitone representa exatamente isso. Ele foi indicado pelo PSD, assim como eu tenho aqui diretores que são indicados pelo Partido Verde, pelo PT. O nome dele foi aprovado pelo ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, pelo presidente Lula. Cabe a mim analisar o currículo dele. Ele tem um currículo impecável.


Fonte: O GLOBO